segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

CONSTELAÇÃO DA MATERNIDADE DANIEL STERN



O funcionamento psíquico da mulher nesse período mostra, assim, mudanças intensas, num curto espaço de tempo. Temos, portanto, uma nova organização do funcionamento psíquico da mulher, que Stern (1997) tão bem descreveu como “constelação da maternidade”. O que ele propõe é que, ao engravidar, a mulher oferece uma resposta a esse processo, por meio da criação de uma nova organização psíquica central. Essa nova forma de se conduzir está presente durante esse período e, em alguns casos, permanece mesmo após o nascimento do bebê. Stern relata a observação desse processo especialmente nas mulheres primíparas,mas comenta que também ocorre nas demais gestações.

Discursos Maternos
Assim, a gestante mostra algumas preocupações básicas traduzidas por meio de discursos que relacionam experiências internas e externa, nesse momento.

• O primeiro é o discurso da mãe com sua própria mãe, especialmente com sua mãe-como-mãe-para-ela-quando-criança, que traz consigo memórias e lembranças dos cuidados e da relação com sua mãe.

• O segundo é o discurso consigo mesma, especialmente ela-mesmacomo- mãe, que traz consigo todos os seus projetos, suas incertezas e suas inquietações no desempenho de suas funções maternas.

• O terceiro discurso é o da mãe com seu bebê: trata-se das conversas internas da mãe com o bebê intra-útero, que surgem das vivências ocorridas quando dos movimentos do bebê, das imagens que a mãe vai formando dele em seu ventre.

À medida que esse bebê vai crescendo, começam a surgir temas centrais relacionados a este processo:

• Tema de vida e crescimento: aqui a questão central é se a mãe será ounão capaz de manter o bebê vivo, se ela conseguirá fazer com que seu bebê cresça e se desenvolva fisicamente (isso é que a faz levantar-se à noite para ver se o bebê está respirando, está dormindo bem, que faz a
alimentação ser um assunto tão importante para as mães). Também se refere aos medos que a mãe tem de doenças, má-formações durante a gestação ou depois do nascimento. Envolve sua capacidade de assumir um lugar na evolução da espécie, na cultura e na família.

• Tema de relacionar-se primário: refere-se ao envolvimento social emocional da mãe com o bebê, sua capacidade de amar, de sentir o bebê, de apresentar uma sensibilidade aumentada, identificando-se com ele para responder melhor suas necessidades. Esse tema vai estar presente
especialmente no primeiro ano de vida do bebê, até que ele adquira a fala. Inclui o estabelecimento de laços humanos, de apego, segurança e acompanha o funcionamento materno descrito por Winnicott como preocupação materna primária.

• Tema de matriz de apoio: refere-se à necessidade de a mãe criar, permitir, aceitar e regular uma rede de apoio protetora para alcançar bons resultados nas duas primeiras tarefas – de manter o bebê vivo e promover  eu desenvolvimento psíquico. Essa matriz de apoio que surge através de suas figuras de referência (companheiro, mãe, parentes, vizinhos) constitui uma rede maternal, com a função de protegê-la fisicamente, prover suas necessidades vitais, afastá-la da realidade externa para que ela possa se ocupar de seu bebê. A outra função refere-se ao apoio, ao acompanhamento da mãe para que ela se sinta ajudada e instruída em suas novas funções nesse momento. Isso a leva a aproximar-se de suas experiências de maternagem anteriores – com sua própria mãe ou suas representantes.

• Tema da reorganização da identidade: em essência, a mãe deve mudar seu centro de identidade de filha para mãe, de esposa para progenitora, de profissional para mãe de família, de uma geração para a precedente.
Portanto, ocorrem exigências de um novo trabalho mental – a mulher, transformando-se em mãe, precisa alterar seus investimentos emocionais, sua distribuição de tempo e energias, redimensionar suas atividades.

Fonte:
O CASAL GRÁVIDO - A CONSTRUÇÃO DA PARENTALIDADE
Disponível em:
http://www.metodocanguru.org.br/manual_modulo2.pdf

DANIEL STERN - CONCEITO DE SENSO DO EU





      Uma compreensão clara da formação da personalidade humana e da sua psicodinâmica, requer um entendimento do que seja ego ou self, o Eu. 

      O conceito de self vem sendo trabalhado pelos teóricos das relações objetais e da Psicologia do Self. Dentre os autores, Daniel Stern (1985) é o autor que apresenta os estágios normais de desenvolvimento do senso de self. Ele afirma que o senso de self se desenvolve na matriz do relacionamento, através das diferentes capacidades que emergem ao longo da infância.
Os estágios são os seguintes:

         0 a 2 meses: Self Emergente – equilibrar padrões fisiológicos (ciclo dormir-acordar / fome-saciedade). Processos de discriminação já ocorrem nos primeiros dias após o nascimento (diferenciar o cheiro do leite da mãe / som da voz da mãe e outras vozes conhecidas). O equilibrar das reações fisiológicas ocorre no relacionamento.


         2 a 7 meses:  Self Nuclear - os bebês mostram-se mais calmos, sono estabilizado, cólicas passaram. Está mais organizado.

          Senso de si mesmo que inclui a experiência de auto-direcionamento – “Eu faço meu pé chutar, eu posso fazer isto”.

         Senso de auto-coesão – “tenho fronteiras, há uma parte que sou eu e outra que não sou eu”.
         Senso de self de que eu sinto coisas, eu sinto algo.

         Senso de continuidade no tempo – mesmo que as coisas mudem, algo permanece no tempo.

         8 meses a 15 meses: Self Intersubjetivo – a criança percebe que tem uma mente e os outros também têm uma mente. Senso de partilhar estados internos. A criança percebe que tem sua própria intenção e sua mãe tem intenções também. As vezes são bem diferentes, mas podem ser comunicadas. Uma pequena palavra como “banho” significa uma série de ações.

      Descobre que podem partilhar sentimentos; a criança cai, olha para a mãe  e encontra uma expressão de dor em seu rosto. Então, ela descobre que sentimentos podem ser partilhados. O bebê depende do afeto compartilhado com a mãe para orientar-se e decidir sobre sua experiência. Mãe/pai têm um grande poder de influenciar seus bebês através do afeto que partilham. Afeto não compartilhado ou transformado em outro, deixa o bebê sem referência para compreender e ter um senso de self adequado sobre  aquela experiência.

      Compartilhar atenção, sentimentos, motivações, tudo em um nível pré-verbal, é fundamental para a organização saudável do self. São respostas sociais que constroem o senso de pertencimento.
      A experiência intersubjetiva compartilhada também traz o senso de conhecer e ser conhecido. O compartilhar dessa fase estimula a motivação para desenvolver a linguagem – “quero poder partilhar mais e então quero aprender a falar para poder comunicar meus estados internos”.
  16 meses a 3 anos: Self Verbal – o eu que conheço através da comunicação verbal. O desenvolvimento da linguagem é, de certa forma, uma “faca de dois gumes”. Ao mesmo tempo que aumenta a capacidade de comunicar, traz a experiência de isolamento, na medida em que as palavras não conseguem expressar plenamente a experiência interior. A linguagem é, simultaneamente, uma forma de estar mais próximo, uma forma de experienciar nossa independência e também uma experiência de isolamento.

         3 anos: Self Narrativo – como as crianças constroem uma narrativa sobre seu próprio self. Como constroem suas próprias histórias. As histórias não são contadas de forma cronológica (“Aconteceu isto, e depois aconteceu isto...”) e sim através de uma ordenação pelo valor emocional. Sendo capaz de criar sua própria história, o que a criança faz é criar significado para sua própria experiência. 
   Senso de Eu Emergente, definida por Daniel Stern como sendo a primeira dimensão subjetiva em que a o mundo é apreendido através de percepções das variações de intensidades afetivas que dão densidade a nossos gestos e expressões, as quais denomina afetos de vitalidade (Stern, 1987). Os afetos de vitalidade não são sentimentos, mas o que dá a tonalidade à expressão dos sentimentos. Podemos apreendê-los melhor utilizando termos dinâmicos como “explosivo”, “lento”, “iniciando”, “acelerando” (Idem). Segundo Stern, a emergência da relação do bebê com o mundo depende de uma certa constância nas variações dessas intensidades no atos das pessoas que cuidam dele em suas primeiras semanas de vida. A percepção dessas variações e de suas constâncias cria as condições de sintonia afetiva e de sentimento de continuidade, aspectos fundamentais para que a criança tenha uma experiência de acolhimento. Rupturas muito intensas, ausência de sintonia ou sintonia excessiva, tais como são descritas pelo autor, teriam o efeito traumático, que aproximamos do que foi sinalizado por Ferenczi sobre a tendência ao adoecimento e à expressão do sofrimento pelo corpo, percebida em certos pacientes cuja história revela o não acolhimento ao nascer (Ferenczi; 1929).


Fontes:










MARGARET MAHLER


  conceitos fundamentais, processo de separação e individuação





Margaret Mahler identificou diferentes fases no processo do desenvolvimento psicológico do bebê (Mahler, 1968, 1975), sendo a primeira, a do narcisismo primário na qual uma fase ‘autística normal’ marcaria as duas primeiras semanas de vida do bebê.

Essa fase se caracterizaria por um estado de desorientação alucinatória primitiva (narcisismo primário absoluto), ocorrendo uma falta de consciência do agente materno. Na fase seguinte do narcisimo primário (onipotência alucinatória condicional) haveria uma consciência de que a satisfação das necessidades viria de algum lugar externo ao eu.

A partir do segundo mês de vida, essa consciência, inicialmente ‘turva’ torna-se difusa, marcando o início da fase de simbiose normal – o bebê funciona como se ele e sua mãe fossem uma unidade dual. É dentro desse quadro de total dependência psicológica e sociobiológica da mãe que o ego rudimentar do bebê pequeno começa um processo de diferenciação. Por volta dos seis meses de idade, teria início a fase de separação-individuação que levará à organização do indivíduo.

Mahler (1968) desenvolveu suas idéias sobre os autismos infantis a partir de sua teoria evolutiva, explicando o autismo como sendo um subgrupo das psicoses infantis e uma regressão ou fixação a uma fase inicial do desenvolvimento de não-diferenciação perceptiva, na qual os sintomas que mais se destacam são as dificuldades em integrar sensações vindas do mundo externo e interno, e em perceber a mãe na qualidade de representante do mundo exterior.

É interessante observar que, de acordo com a concepção de Margaret Mahler sobre o desenvolvimento infantil normal, o bebê atravessa inicialmente uma fase “autista normal”, na qual o objetivo principal é a aquisição do equilíbrio homeostático através de mecanismos somatopsíquicos e fisiológicos. A seguir, na fase “simbiótica normal”, o bebê funciona como se ele e sua mãe fossem uma unidade dual onipotente dentro de uma fronteira comum. Estas duas fases iniciais são consideradas pré-requisitos indispensáveis para o estabelecimento do processo normal de separação- individuação, que compreende quatro subfases e culmina no momento em que a criança já percebe a mãe como uma pessoa separada no mundo externo, e também fazendo parte do seu mundo de representação interna, passando a se interessar progressivamente por jogos e buscando o contato com pares e outros adultos.
O desenvolvimento normal implica em dificuldades que, para serem ultrapassadas, exigem um determinado posicionamento materno. Segundo Mahler, a disponibilidade da mãe para acompanhar o desenvolvimento da criança, adaptando-se às suas necessidades e reconhecendo suas dificuldades e conflitos, é crucial para que ela possa adquirir sua individualidade

 Segundo Roudinesco (1998), A psicanalista húngara Margaret Schönberger Mahler dedicou-se à etiologia das psicoses e ao autismo, publicando várias obras sobre esse tema, e embora fosse marcada pelos trabalhos de Melanie Klein, inspirou-se em Winnicott, apesar de intitular-se fiel à corrente annafreudiana e às teses da psicologia do ego, ou seja, —... à tradição vienense da psicanálise, acusando os kleinianos por seu dogmatismo e seus excessos de imaginação, que os levavam, dizia ela, a inventar uma vida fantástica para o lactente“ ( Roudinesco, 1998, p. 484). As observações clínicas de Margaret Mahler (1983) orientaram-na a criar um modelo de desenvolvimento psíquico do ser humano, que incluem: Uma fase autista, à qual ficam fixadas as crianças com psicose deste tipo; uma fase simbiótica, à qual regridem as crianças com Síndrome de Psicose Simbiótica; e uma fase de separação e individuação, que o indivíduo normal percorre para obter sua identidade. Este modelo tem sido empregado para explicar tanto os aspectos do desenvolvimento normal, como os da psicopatologia. —... nessa fase autista normal que se estende desde o nascimento até o segundo mês de vida mais ou menos, o bebê não distingue entre realidade interna e externa, nem parece distinguir entre ele mesmo e os objetos  inanimados ao seu redor. Ao dirigir-se gradativamente para a fase simbiótica, o bebê torna-se vagamente consciente de que o alívio para a tensão de fome instintual vem do mundo externo, enquanto o doloroso acúmulo de tensão nasce dentro dele. No entanto, para haver este reconhecimento é necessário que aconteça, durante a fase simbiótica, alguma diferenciação do ego rudimentar“ (Mahler,1983, p.45).
Existe um fator inato, constitutivo do ser humano que o leva ao processo de separação e individuação. A esse processo Mahler chamou de fase de separação e individuação, onde a criança precisa passar antes com êxito por outras duas fases: a autista normal e a simbiótica normal, para ingressar na mesma.
Próximo aos cinco meses de idade inicia-se um processo pelo qual a criança começa a perceber não apenas aqueles que a rodeiam, mas também seus próprios limites corporais. O que possibilita este processo é a pressão maturacional, onde a pulsão para a individuação na criança normal é segundo a autora algo inato, se manifestando durante a fase de separação e individuação, valendo acrescentar, que esta fase está intimamente ligada ao nascimento psicológico, já que para Mahler o nascimento biológico não surge ao mesmo tempo em que o psicológico. —Mahler pensa que o nascimento psicológico não coincide com o biológico. No momento em que o bebê sai do ventre materno ele vive a si próprio e o mundo de formas indiferenciadas. Algo semelhante ocorre na fase simbiótica que transcorre entre o primeiro e os quatro ou cinco meses de idade“(Bleichmar, 1992, p.300).
A organização de Mahler sobre as fases do desenvolvimento emocional do bebê e da criança passa por uma seqüência, estando uma interligada à outra, ou seja, a passagem bem sucedida de uma vai dar origem à outra. Margaret Mahler concebe o desenvolvimento psíquico em três fases:

 O Autismo Normal

Esta etapa para a autora ocorre entre o momento do nascimento e a quarta semana de vida. Os fenômenos biológicos predominam, em grande parte, sobre os psicológicos. A criança parece estar num estado de sonolência do qual só emerge para realizar as atividades necessárias para a manutenção de seu equilíbrio fisiológico, onde o investimento é basicamente semelhante ao da vida intra-uterina, fazendo com que os estímulos do exterior, através do tato, da audição ou do olfato, careçam de importância, em comparação com as  sensações vindas de seus órgãos internos.

 A Simbiose Normal

A criança ao entrar nesta fase é aos poucos capaz de perceber os estímulos provenientes do mundo externo, principalmente os produzidos pelos cuidados maternos. Assim, tanto sua maturação neurofisiológica, como a dotação inata pode romper a barreira que mantinha a onipotência dessa criança, visando protegê-la do mundo externo, onde gradualmente o bebê começa a sentir-se parte de uma díade, também onipotente, mas cujos integrantes são ele e sua mãe. Entre o primeiro e o quarto mês de vida, o bebê vive uma fusão ilusória com a mãe, e os estímulos externos ao serem percebidos pela criança começam a ser classificados em prazerosos e desprazerosos, valendo ressaltar, que somente os estímulos prazerosos são mantidos pela criança nessa fase, para que fique intacta a díade simbiótica. —Com o objetivo de manter intacta a díade simbiótica, os estímulos que não são prazerosos devem ser projetados  fora da unidade mãe-filho. Sua percepção e classificação não se realizam inutilmente, pois deixam uma profunda marca na criança, permitindo a maturação de um passo importante: a demarcação do ego corporal“ ( Bleichmar, 1992, p.304).
Sendo Assim, o acontecimento mais importante dessa fase é o investimento da mãe e para que a simbiose seja bem sucedida, ambos os  participantes devem emitir sinais ao par simbiótico. Mahler acredita em um conceito cunhado por Winnicott, o de sustentação, que deve ser exercido pela mãe a partir de seus cuidados, visando possibilitar que se constitua uma unidade entre mãe e filho suficientemente sólida para que a criança passe para a fase seguinte.

 Separação e Individuação

A fase de separação e individuação tem início por volta do quinto mês de vida, concluindo-se de maneira normal no terceiro ano de idade. Essa fase divide-se em quatro subfases:

Subfase da Diferenciação

Começa em torno do quinto mês de vida, podendo prolongar-se até o sétimo ou oitavo. Para que essa subfase se inicie é muito importante que a criança esteja suficientemente familiarizada com sua mãe, onde do ponto de vista comportamental o principal indicador de que esse fato está ocorrendo é o sorriso específico do bebê ante o rosto ou a voz da mãe. Esse sorriso específico indica que a criança reconhece sua mãe e, portanto, que sua imagem foi investida. Valendo ressaltar, que também é importante que nessa subfase a criança alcance habilidades para além do contato simbiótico, fato que sugere um início de diferenciação, ou seja, começando a distinguir sobre o que é ela e o que não é.
O bebê com as habilidades mencionadas acima, explora de maneira tátil e visual sua mãe. Estendendo seu corpo para afastar-se da mãe ou para vê-la melhor. Tal verificação permite que a criança, tanto identifique o que é a mãe e o que não é, como também faz com que a criança faça distinções entre si e sua parceira simbiótica. A criança que reage com uma angústia intensa diante da presença de estranhos pode não ter passado por essa subfase de maneira satisfatória, Já que não aceita ficar distante da parceira simbiótica, não fazendo distinção sobre o que é ela e o que não é. Sendo assim, o grau elevado de angústia diante da separação materna sugere que a criança não passou pela etapa da simbiose normal de maneira eficaz, já que o êxito da segunda fase indica a facilidade de produção da diferenciação.
Muitas vezes, o desejo inconsciente da mãe sobre a diferenciação de seu bebê desempenha um papel bastante importante. Tanto uma mãe ansiosa demais para fazer com que o filho inicie sua independência, como aquela que seja envolvente ao extremo por querer sua dependência a ela, pode fazer com que a criança entre na subfase da diferenciação sem êxitos satisfatórios ao seu desenvolvimento psíquico.

Subfase do Exercício Locomotor

Esta subfase ocorre entre os oito e os quinze meses de vida, onde o exercício precoce é a primeira etapa dessa subfase, época em que a criança começa a engatinhar, adquirindo gradativamente as habilidades  necessárias para separar-se fisicamente da mãe. —A primeira etapa, chamada de exercício precoce, é a que ocorre no início do engatinhamento. A criança parece feliz e esquecida de sua mãe, apesar de precisar voltar, a todo o momento, para seu lado. Para a equipe de observadores, estes retornos pareciam constituir uma busca de recarregamento emocional. Volta para ficar junto dela por alguns momentos, e depois volta a se afastar“ ( Bleichmar, 1992, p.307).
Os dois elementos que levam ao êxito desta etapa são, tanto à disponibilidade materna para aceitar a crescente autonomia do filho, como à dotação inata da criança para realizar as atividades motoras recém adquiridas. Quando esses dois elementos alcançam o êxito a criança consegue passar para a segunda etapa do exercício locomotor, ou seja, para o exercício propriamente dito. Assim, os investimentos voltados, em um primeiro momento, para as habilidades motoras vão aos pouco se deslocando para o ego autônomo que está em desenvolvimento.

Subfase da Aproximação

Ao chegar nesta etapa a criança já pode ser vista como um ser humano separado, provido, tanto da capacidade para a locomoção, como das  habilidades para o jogo simbólico e a linguagem. Sendo assim, essa subfase está intimamente ligada ao nascimento psicológico, que na visão da autora não coincide com o nascimento biológico.
A evolução das áreas cognitivas e perceptuais faz com que a criança note a ilusão de onipotência que sentia na subfase do exercício locomotor. Porém, em alguns momentos a criança sente a necessidade de se fundir novamente à sua mãe, alternando, tanto atitudes de acompanhamento da mãe, como atitudes voltadas para a fuga dela. —A luta que se trava em seu interior: embora deseje se refundir com a mãe, teme ser absorvida por esta, a ponto de perder a autonomia recém adquirida, e que tanto prazer lhe causa. Portanto, os sentimentos que caracterizam esta subfase são essencialmente ambivalentes“ ( Mahler, 1993, p.90).

Mahler divide a subfase de aproximação em três etapas:

a) Começo da aproximação: Onde a criança necessita compartilhar com a mãe suas descobertas para que comece a alcançar sua autonomia. —... É típico desta etapa que a criança traga os brinquedos com que está brincando, esperando da mãe uma resposta concreta. Neste momento, a criança a percebe como objeto separado, o que desperta angústia e temor, ao mesmo tempo em que estimula o sentimento de autonomia, reforçando seu ego“ (Mahler, 1993, p.109).

b) Crise de aproximação: Etapa ambivalente, em que criança parece estar em conflito entre a sua autonomia e a necessidade de se fundir à mãe.

 c) Modelagem da distância ótima: para alcançar esta etapa a criança precisa já ter um começo: de internalização de objetos bons e das regras (precursor do superego); da linguagem e da expressão de desejos e fantasias, mediante a algo simbólico.

Subfase da Obtenção da Constância Objetal Emocional

Os elementos que visam a obtenção da constância objetal emocional
são:
a) A dotação inata adequada.
Já que os defeitos inatos incluem: A incapacidade do ego para neutralizar as pulsões agressivas, defeitos perceptivos primários e dificuldades  inatas no estabelecimento do vínculo com a mãe, como é visto em crianças com o autismo primário.

b) A relação com uma mãe suficientemente boa
Pois os defeitos da relação mãe-filho sejam por psicopatologia materna ou pela ausência real do par simbiótico, podem dar origem à enfermidade mental.

c) As experiências vitais.
Já que os traumas, como: doenças, acidentes e hospitalizações podem alterar a estabilidade da criança.
Sendo assim, a criança que chega com êxito nessa última etapa pode se tornar um indivíduo independente, separado e diferenciado da mãe e do meio. Valendo acrescentar, que a dotação inata adequada, o suporte materno —suficientemente bom“ e as experiências vitais sem traumas fisiológicos, são essenciais para que a criança alcance um desenvolvimento psíquico saudável, fato que deixa bastante claro o quanto o desempenho materno insuficiente pode prejudicar a passagem por essas etapas, já que o bebê humano precisa do suporte materno suficientemente bom no início de sua vida para alcançar sua sobrevivência física e psíquica.

Fontes:

O AUTISMO INFANTIL
Denise dos Santos Pereira Lim
Diponível em:
http://www.avezdomestre.com.br/monopdf/6/DENISE%20DOS%20SANTOS%20PEREIRA%20LIMA.pdf
http://www.scribd.com/doc/10881218/Margaret-Mahler
BLEICHMAR, N; BLEICHMAR, C. A psicanálise depois de Freud: Teoria e clínica. Porto Alegre: Artmed, 1992.
MAHLER, Margareth S. O Nascimento Psicológico da Criança. Simbiose e Individuação. Artmed. Porto Alegre. 1993.



Erik Erikson


Intrudução à Teoria de Erik Erikson


Erik Homburger Erikson nasceu em Frankfurt, Alemanha, em 1902 (vindo a falecer em 1994). Tento inicialmente optado pela carreira artística, foi convidado a trabalhar em uma escola para pacientes submetidos à psicanálise, entrando então em contato com o grupo de Anna Freud. Em 1933, quando se casou com uma canadense, mudou-se para os Estados Unidos, continuando seus estudos em Psicanálise, tornando-se o primeiro psicanalista infantil americano.

Sem negar a teoria freudiana sobre desenvolvimento psicossexual, Erikson mudou o enfoque desta para o problema da identidade e das crises do ego, ancorado em um contexto sociocultural. O estudo da identidade tornou-se estratégico para o autor, que viveu em uma época onde a Psicanálise deslocava o foco do id e das motivações inconscientes para os conflitos do ego.
        
Na verdade, é preciso considerar que as mudanças de enfoque na teoria psicanalítica ocorreram antes da morte de Freud (Hall et. al., 2000). O que havia de ser contestado e modificado foi feito por seus discípulos em sua presença. Esta foi a causa de tantas dissidências em seu círculo de estudos. Jung e Adler são exemplos daqueles que foram excluídos de seu grupo ao discordarem de alguns pontos da teoria freudiana ou simplesmente por terem mudado o foco de estudo. Após a morte de Freud, a Psicanálise sofreu uma espécie de ampliação. Algumas idéias foram redefinidas, outras suprimidas, mas, em sua maioria, até mesmo por decorrência do contato da Psicanálise com a Psicologia, foram estendidas.

Um avanço da teoria freudiana que é, sem dúvida, da maior importância para o estudo do humano no século XX, é o foco no ego. Em Freud, o ego aparece como sistema muitas vezes subserviente ao id. Anna Freud, filha de Sigmund Freud, dando continuidade aos seus estudos, atribuiu ao ego uma característica de mais autonomia, com um maior poder de decisão e de atuação. Anna também ampliou os mecanismos de defesa de sete para dez., atribuindo a eles um caráter menos patológico do que Freud o fizera. Com sua teoria, Anna Freud também transformou os estágios psicossexuais de seu pai em estágios de busca de domínio do ego, dando a base para os estudos de Erik Erikson. Esta fase na Psicanálise ficou conhecida como época da “Psicologia do Ego”, onde se diminuía a ênfase no inconsciente (Hall, et. al., 2000).

Em meados do século XX, Erikson começa a construir sua teoria psicossocial do desenvolvimento humano, repensando vários conceitos de Freud, sempre considerando o ser humano como um ser social, antes de tudo, um ser que vive em grupo e sofre a pressão e a influência deste. A partir desta consideração, Erikson formula sua teoria de forma a deixar duas importantes contribuições à Psicanálise, segundo Hall e colaboradores (2000): deixa uma teoria na qual o ego tem uma concepção ampliada e realiza estudos psico-históricos, exemplificando sua teoria psicossocial no curso de vida de algumas figuras famosas. Essa metodologia é totalmente nova para a Psicanálise da época e na própria psicologia, pois estudos longitudinais eram muito raros e complexos de serem realizados (ainda o são hoje), embora se mostrem como um excelente método de validar teorias como a de Erikson, que trabalham o clico vital como um contínuo onde cada fase influencia a seguinte.
         Assim como Freud, Piaget, Sullivan, entre ouras figuras da época, Erikson optou por distribuir o desenvolvimento humano em fases. Porém, seu modelo detém algumas características peculiares (Rabello, 2001):
·       Desviou-se o foco fundamental da sexualidade para as relações sociais;
·       A proposta os estágios psicossociais envolvem outras artes do ciclo vital além da infância, ampliando a proposta de Freud. Não existe uma negação da importância dos estágios infantis (afinal, neles se dá todo um desenvolvimento psicológico e motor), mas Erikson observa que o que construímos na infância em termos de personalidade não é totalmente fixo e pode ser parcialmente modificado por experiências posteriores;
·       A cada etapa, o indivíduo cresce a partir das exigências internas de seu ego, mas também das exigências do meio em que vive, sendo portanto essencial a análise  da cultura e da sociedade em que vive o sujeito em questão;
·       Em cada estágio o ego passa por uma crise (que dá nome ao estágio). Esta crise pode ter um desfecho positivo (ritualização) ou negativo (ritualismo);
·       Da solução positiva, da crise, surge um ego mais rico e forte; da solução negativa temos um ego mais fragilizado;
·       A cada crise, a personalidade vai se reestruturando e se reformulando de acordo com as experiências vividas, enquanto o ego vai se adaptando a seus sucessos e fracassso.



Erikson criou alguns estágios, que ele chamou de psicossociais, onde ele descreveu algumas crises pelas quais o ego passa, ao longo do ciclo vital. Estas crises seriam estruturadas de forma que, ao sair delas, o sujeito sairia com um ego (no sentido freudiano) mais fortalecido ou mais frágil, de acordo com sua vivência do conflito, e este final de crise influenciaria diretamente o próximo estágio, de forma que o crescimento e o desenvolvimento do indivíduo estaria completamente imbricado no seu contexto social, palco destas crises.

Crises do ego:

Confiança Básica x Desconfiança Básica

         Esta seria a fase da infância inicial, correspondendo ao estágio oral freudiano.A atenção do bebê se volta à pessoa que provê seu conforto, que satisfaz suas ansiedades e necessidades em um espaço do tempo suportável: a mãe. A mãe lhe dá garantias de que não está abandonado à própria sorte no mundo.
         Assim se estabelece a primeira relação social do bebê. E justamente sentindo falta da mãe que a criança começa a lidar com algo que Erikson chama de força básica (cada fase tem a sua força característica). Nesta, a força que nasce é a esperança. Quando o bebê se dá conta de que sua mãe não está ali, ou está demorando a voltar, cria-se a esperança de sua volta. E quando a mãe volta, ele compreende que é possível querer e esperar, porque isso vai se realizar; ele começa a entender que objetos ou pessoas existem, embora esteja fora – temporariamente – de seu campo de visão.
         Quando o bebê vivencia positivamente estas descobertas, e quando a mãe confirma suas expectativas e esperanças, surge a confiança básica, ou seja, a criança tem a sensação de que o mundo é bom, que as coisas podem ser reais e confiáveis. Do contrário, surge a desconfiança básica, o sentimento de que mundo não corresponde, que é mau ingrato. A partir daí, já podemos perceber alguns traços da personalidade se formando, ainda que em tão tenra idade (Erikson, 1987 e 1976). É importante que a criança conviva com pequenas frustrações, pois é daí que ela vai aprender a definir quais esperanças são possíveis de serem realizadas, dando a noção do que Erikson chamou de ordem cósmica, ou seja, as regras que regem o mundo.
         Nesta fase também o bebê tem a idéia de sua mãe como um ser supremo, numinoso, iluminado. Nesta mesma época, começam as identificações com a mãe, que é por enquanto, a única referência social que a criança tem. Se esta identificação for positiva, se a mãe corresponder, ele vai criar o seu primeiro e bom conceito de si e do mundo (representado pela mãe). Se a identificação for negativa, temos o idolismo, ou seja, o culto a um herói, onde o bebê acha que nunca vai chegar ao nível de sua mãe, que ela é demasiadamente capaz e boa, e que ele não se identifica assim. Inicialmente, a criança vai se tornar agressiva e desconfiada; mais tarde, elas vão se tornar menos competentes, menos entusiasmadas, menos persistentes.
A importância da confiança básica é devida, segundo Erikson, ao fato de implicar a idéia de que a criança “não só aprendeu a confiar na uniformidade e na continuidade dos provedores externos, mas também em si próprio e na capacidade dos próprios órgãos para fazer frente ao seus impulsos e anseios” (1987, p.102).
          

Autonomia x Vergonha e Dúvida

         Nesta fase eriksoniana, que corresponde ao estágio anal freudiano, a criança já tem algum controle de seus movimentos musculares, então direciona sua energia às experiências ligadas à atividade exploratória e à conquista da autonomia. Porém, logo a criança começa a compreender que não pode usar sua energia exploratória à vontade, que tem que respeitar certas regras sociais e incorporá-las ao seu ser, fazendo assim uma equação entre manutenção muscular, conservação e controle (Erikson, 1976).
         A aceitação deste controle social pela criança implica no aprendizado – ou no início deste – do que se espera dela, quais são seus privilégios, obrigações e limitações. Deste aprendizado surge também a capacidade e as atitudes judiciosas, ou seja, surge o poder de julgamento a criança, já que ela está aprendendo as regras.
         A questão é que os adultos, para fazerem as crianças aprenderem tais regras – como a de ir ao banheiro, tão enfatizada por Freud – fazem uso da vergonha e ao mesmo tempo do encorajamento para dar o nível certo de autonomia. Os pais, muitas vezes, usam sua autoridade de forma a deixar a criança um pouco envergonhada, para que ela aprenda determinadas regras. Porém, ao expor a criança à vergonha constante, o adulto pode estimular o descaramento e a dissimulação, como formas reativas de defesa, ou o sentimento permanente de vergonha e dúvida de suas capacidades e potencialidades.
         Em uma explanação mais completa sobre a vergonha, Erikson ressalta que trata-se, na verdade, de raiva dirigida a si mesmo, já que pretendia fazer algo sem estar exposto aos outros, o que não aconteceu. A vergonha precederia a culpa, sendo esta última derivada da vergonha avaliada pelo superego (Erikson, 1976).

De um sentimento de autocontrole sem perda de auto-estima resulta um sentimento constante de boa vontade e orgulho; de um sentimento de perda do autocontrole e de supercontrole exterior resulta uma propensão duradoura para a dúvida e a vergonha. (Erikson, 1976, p.234)
        
Na aprendizagem do controle, seja do autocontrole o do controle social, temos o nascimento da força básica da vontade, que, manifestada na livre escolha, é o precedente essencial para o crescimento sadio da autonomia. Essa vontade se manifesta em várias situações práticas, como a manipulação de objetos, a verbalização eu se inicia, a locomoção que avança em suas capacidades, tudo o que possibilite uma atividade exploratória mais autônoma e independente.

Se ao invés da vontade o controle toma a forma de uma regra a ser cumprida a qualquer preço, algo mau e perseguidor, a criança começa a se tornar legalista, ou seja, ela começa a achar que a punição tem que ser aplicada incondicionalmente quando uma regra não for respeitada. É quando a punição vence a compaixão; se a criança se mobiliza com a punição do colega que perdeu o controle de uma regra, ou então se sente aliviado quando é punido por algo.

Neste estágio, o principal cuidado que os pais tem que tomar é dar o grau certo de autonomia à criança. Se é exigida demais, ela verá que não consegue dar conta e sua auto-estima vai baixar. Se ela é pouco exigida, ela tem a sensação de abandono e de dúvida de suas capacidades. Se a criança é amparada ou protegida demais, ela vai se tornar frágil, insegura e envergonhada. Se ela for pouco amparada, ela se sentirá exigida além de suas capacidades. Vemos portanto que os pais tem que dar à criança a sensação de autonomia e, ao mesmo tempo, estar sempre por perto, prontos a auxilia-la nos momentos em que a tarefa estiver além de suas capacidades.

Se a criança se sentir envergonhada demais por não conseguir dar conta de determinada coisa ou se os pais reprimem demais sua autonomia, ela vai entender que todo o problema dela, toda a dúvida e a vergonha vieram de seus pais, adultos, objetos externos.Com isso, começará a ficar tensa na presença deles e de outros adultos, e poderá achar que somente pode se expressar longe deles.
        

Iniciativa x Culpa


Neste estágio, que corresponde à fase fálica freudiana, a criança já conseguiu a confiança, com o contato inicial com a mãe, e a autonomia, com a expansão motora e o controle. Agora, cabe associar á autonomia e à confiança, a iniciativa, pela expansão intelectual.

A combinação confiança-autonomia dá à criança um sentimento de determinação, alavanca para a iniciativa. Com a alfabetização e a ampliação de seu círculo de contatos, a criança adquire o crescimento intelectual necessário para apurar sua capacidade de planejamento e realização(Erikson, 1987, p.116). Quando ela já se sente capaz de planejar e realizar, ou seja, ela tem um propósito, ela tende a duas atitudes: numa delas, a criança pode ficar fixada pela busca de determinadas metas. Freud descreveu uma destas fixações a qual chamou de Complexo de Édipo, onde a criança nutre expectativas genitais com o pai do sexo oposto. Geralmente, as metas que se estabelecem – como no modelo freudiano – são impossíveis. Quando a criança se empolga na busca de objetivos além de suas possibilidades, ela se sente culpada, pois não consegue realizar o que desejou ou sabe que o que desejou não é aceitável socialmente, e precisa de alguma forma conter e reinvestir a carga de energia que mobilizou. Então, ela fantasia (muitas vezes magicamente) para fugir da tensão. Geralmente tais objetivos se dão no plano sexual e na vida adulta o não-resolvimento da falta de iniciativa pode causar patologias sexuais (repressão, impotência) ou pode ser ainda expressos pela somatização do conflito (doenças psicossomáticas).  O despertar de um sentimento de culpa, na mente da criança, poderá ficar atrelado à sensação de fracasso, o que gera uma ansiedade em torno de atitudes futuras (Erikson, 1987, p. 119). Novamente, o sentimento a respeito de si próprio pode ser decisivo para que rackets não sejam fomentados.

O propósito e a iniciativa também podem ser direcionados positivamente para a formação da responsabilidade, quando o senso de obrigação e desempenho se encontram ligados à ansiedade para aprender. Nesta fase, as crianças querem que os adultos lhes dêem responsabilidades, como arrumar a casa, varrer o quintal ou ajudar a consertar algo. É muito importante que os adultos lhes mostrem também que há certas coisas que ainda não podem fazer, embora possam permitir ajudas em algumas atividades.

Quando a criança se dá conta de que realmente existem coisas que estão fora de suas capacidades (ainda), ela se contenta, não em fantasiar, mas sim em realizar uma espécie de “treino”, o que, na verdade, se constitui num teste de personalidade que a criança aplica em si. Para isso, ela utiliza jogos, testando sua capacidade mental, dramatizações, testando várias personalidades nela mesma, e brinquedos, que proporcionam uma realidade intermediária. Tudo isso é o que faz a conexão sadia do mundo interno e externo da criança nesta fase.

Erikson alerta ainda para o perigo da personificação. Quando a criança, tentando escapar da frustração de ser incapaz para algumas coisas, exagera na fantasia de ter outras personalidades, de ser totalmente diferente do que é várias vezes, ela pode se tornar compulsiva por esconder seu verdadeiro “eu”; nesse caso, pode passar a sua vida desempenhando “papéis”,e  afastar-se cada vez mais do contato consigo mesmo.
          

 Diligência x Inferioridade
        
Erikson deu um destaque a esta fase que, contraditoriamente, foi a menos explorada por Freud (no esquema freudiano, corresponde à fase de Latência, por julgá-la um período de adormecimento sexual). Podemos dizer que este período é marcado, para Erikson, pelo controle, mas um controle diferente do que já discutimos. Aqui, trata-se do controle da atividade, tanto física como intelectual, no sentido de equilibrá-la às regras do método de aprendizado formal, já que o principal contato social se dá na escola ou em outro meio de convívio mais amplo do que o familiar.
        
Com a educação formal, além do desempenho das funções intelectuais, a criança aprende o que é valorizado no mundo adulto, e tenta se adaptar a ele. Da idéia de propósito, ela passa à idéia de perseverança, ou seja, a criança aprende a valorizar e, até mesmo, reconhece que podem existir recompensas a longo prazo de suas atitudes atuais, fazendo surgir, portanto, um interesse pelo futuro.
        
Nesta fase, começam os interesses por instrumentos de trabalho, pois trabalho remete à questão da competência. A criança nesta idade sente que adquiriu competência ao dedicar-se e concluir uma tarefa, e sente que adquiriu habilidade se tal tarefa foi realizada satisfatoriamente. Este prazer de realização é o que dá forças para o ego não regredir nem se sentir inferior. Se falhas seguidas ocorrerem, seja por falta de ajuda ou por excesso de exigência, o ego pode se sentir levemente inferior e regredir, retornando às fantasias da fase anterior ou simplesmente entrando em inércia.
        
Além disso, a criança agora precisa de uma forma ideal, ou seja, regulada e metódica, para canalizar sua energia psíquica. Ela encontra esta forma no trabalho/estudo, que lhe dá a sensação de conquista e de ordem, preparando-o para o futuro, que, aos poucos, passa a ser uma das preocupações da criança. É nesta fase que ela começa a dizer, com segurança aparente, o que “quer ser quando crescer”, como uma iniciação no campo das responsabilidades e dos planejamentos.
        
A ordem e as formas técnicas passam a ser importantes para as crianças desta fase. Mas Erikson alerta para o formalismo, ou seja, a repetição obsessiva de formalidades sem sentido algum para determinadas ocasiões, o que empobrece a personalidade e prejudica as relações sociais da criança.
        

Identidade x Confusão de Identidade

Nos estudos de Erikson, esta é a fase onde ele desenvolveu mais trabalhos, tendo dedicado um livro inteiro à questão da chamada crise de identidade.
        
Em seus estudos, Erikson ressalta que o adolescente precisa de segurança frente a todas as transformações – físicas e psicológicas – do período. Essa segurança ele encontra na forma de sua identidade, que foi construída por seu ego em todos os estágios anteriores.
        
Esse sentimento de identidade se expressa nas seguintes questões, presentes para o adolescente: sou diferente dos meus pais? O que sou? O que quero ser?. Respondendo a essas questões, o adolescente pretende se encaixar em algum papel na sociedade. Daí vem a questão da escolha vocacional, dos grupos que freqüenta, de suas metas para o futuro, da escolha do par, etc.
        
Existe aí também o surgimento do envolvimento ideológico, que é o que comanda a formação de grupos na adolescência, segundo Erikson. O ser humano precisa sentir que determinado grupo apóia suas idéias e sua identidade. Mas se o adolescente desenvolver uma forte identificação com determinado grupo, surge o fanatismo, e ele passa a não mais defender suas idéias com seus argumentos, mas defende cegamente algo que se apossou de suas idéias próprias. Erikson discute a integração de adolescentes em grupos nazistas e fascistas, por exemplo, em Erikson (1987).
        
Toda a preocupação do adolescente em encontrar um papel social provoca uma confusão de identidade, afinal, a preocupação com a opinião alheia faz com que o adolescente modifique o tempo todo suas atitudes, remodelando sua personalidade muitas vezes em um período muito curto, seguindo o mesmo ritmo das transformações físicas que acontecem com ele.
        
Erikson lembra que o se humano mantém suas defesas para sobreviver. Ao sinal de qualquer problema, uma delas pode ser ativada.  Nesta confusão de identidade, o adolescente pode se sentir vazio, isolado, ansioso, sentindo-se também, muitas vezes, incapaz de se encaixar no mundo adulto, o que pode muitas vezes levar a uma regressão. Também pode acontecer de o jovem projetar suas tendências em outras pessoas, por ele mesmo não suportar sua identidade. Aliás, este é um dos mecanismos apontados por Erikson como base para a formação de preconceitos e discriminações.
        
Porém, a confusão de identidade pode ter um bom desfecho: em meio á crise, quanto melhor o adolescente tiver resolvido suas crises anteriores, mais possibilidades terá de alcançar aqui a estabilização da identidade. Quando esta identidade estiver firme, ele será capaz de ser estável com os outros, conquistando, segundo Erikson, a lealdade e a fidelidade consigo mesmo, com seus propósitos, conquistando o senso de identidade contínua.
        

Intimidade x Isolamento

Ao estabelecer uma identidade definitiva e bem fortalecida, o indivíduo estará pronto para uni-la à identidade de outra pessoa, sem se sentir ameaçado. Esta união caracteriza esta fase. Existe agora a possibilidade de associação com intimidade, parceira e colaboração. Podemos agora falar na associação de um ego ao outro. Para que essa associação seja positiva, é preciso que a pessoa tenha construído, ao longo dos ciclos anteriores, um ego forte e autônomo o suficiente para aceitar o convívio com outro ego sem se sentir anulado ou ameaçado.
        
Quando isso não acontece, ou seja, o ego não é suficientemente seguro, a pessoa irá preferir o isolamento à união, pois terá medo de compromissos, numa atitude de “preservar” seu ego frágil. Quando esse isolamento ocorre por um período curto, não é negativo, pois todos precisam de um tempo de isolamento para amadurecer o ego um pouco mais ou então para certificar-se de que ele busca realmente uma associação. Porém, quando a pessoa se recusa por um longo tempo a assumir qualquer tipo de compromisso, pode-se dizer que é um desfecho negativo para sua crise.
        
Um risco apontado por Erikson para esta fase é o elitismo, ou seja, quando há formação de grupos exclusivos que são uma forma de narcisismo comunal. Um ego estável é minimamente flexível e consegue se relacionar com um conjunto variável de personalidades diferentes. Quando se forma um grupo fechado, onde se limita muito o tipo de ego com o qual se relaciona, poderemos falar em elitismo.
        

 

Generatividade x Estagnação

        
Nesta fase, o indivíduo tem a preocupação com tudo o que pode ser gerado, desde filhos até idéias e produtos. Ele se dedica à geração e ao cuidado com o que gerou, o que é muito visível na transmissão dos valores sociais de pai para filho.
         Esta é a fase em que o ser humano sente que sua personalidade foi enriquecida – e não modificada – com tais ensinamentos. Isso acontece porque existe uma necessidade inerente ao homem de transmitir, de ensinar. É uma forma de fazer-se sobreviver, de fazer valer todo o esforço de sua vida, de saber que tem um pouco de si nos outros. Isso impede a absorção do ser em si mesmo e também a transmissão de uma cultura.
        
Caso esta transmissão não ocorra, o indivíduo se dá conta de que tudo o que fez e tudo o que construiu não valei a pena, não teve um porquê, já que não existe como dar prosseguimento, seja em forma de um filho, um sócio, uma empresa ou uma pesquisa.
        
Nesta fase também a pessoa tem um cuidado com a tradição e, por ser “mais velho”, pensa que tem alguma autoridade sobre os mais novos. Quando o indivíduo começa a pensar que pode se utilizar em excesso de sua autoridade, em nome do cuidado, surge o autoritarismo.

Cada vez mais esta fase tem se ampliado. Até algumas décadas atrás, a forma de viver esta fase era casando e criando filhos, principalmente para a mulher. Hoje, com uma gama maior de escolhas a serem feitas, as formas de expressar a generatividade também se ampliam, de forma que as principais aquisições desta fase, como dar e receber, criar e manter, podem ser vividas em diversos planos relacionais, não somente na família. Segundo os autores, são diversas formas de não se cair no marasmo da lamentação, que Erikson chama de estagnação.

Integridade x desespero

        
Agora é tempo do ser humano refletir, rever sua vida, o que fez, o que deixou de fazer. Pensa principalmente em termos de ordem e significado de suas realizações. Essa retrospectiva pode ser vivenciada de diferentes formas. A pessoa pode simplesmente entrar em desespero ao ver a morte se aproximando. Surge um sentimento de que o tempo acabou, que agora resta o fim de tudo, que nada mais pode fazer pela sociedade, pela família, por nada. São aquelas pessoas que vivem em eterna nostalgia e tristeza por sua velhice. A vivência também pode ser positiva. A pessoa sente a sensação de dever cumprido, experimenta o sentimento de dignidade e integridade, e divide sua experiência e sabedoria. Existe ainda o perigo do indivíduo se julgar o mais sábio, e impor suas opiniões em nome de sua idade e experiência.
        
Erikson fala de duas principais possibilidades: procurar novas formas de estruturar o tempo e utilizar sua experiência de vida em prol de viver bem os últimos anos ou estagnar diante “do terrível fim”, quando desaparecem pouco a pouco todas as fontes de carícia se vão e o desespero toma conta da pessoa.
                  
Erikson (1987), faz uma ressalva acerca das crises e de suas conseqüências na construção da personalidade.

Em suas palavras,

“uma personalidade saudável domina ativamente seu meio, demonstra possuir uma certa unidade de personalidade (...). De fato, podemos dizer que a infância se define pela ausência inicial desses critérios e de seu desenvolvimento gradual em passos complexos de crescente diferenciação. Como é, pois, que uma personalidade vital cresce ou, por assim dizer, advém das fases sucessivas da crescente capacidade de adaptação às necessidades da vida – com alguma sobras de entusiasmo vital?”
(Erikson, 1987, p. 91)


Teoria do Plano de Vida


         Segundo Erikson, durante o ciclo vital construiríamos o que ele denomina plano de vida, um curso, um roteiro segundo o qual as crises do ego vão se desenrolar de certa maneira, que parece ter sido determinada pela infância, pelas primeiras crises do sujeito.
         Percorrendo a literatura eriksoniana, é possível identificar alguns marcos de passagem e montagem do plano de vida. Uma delas é a construção da confiança básica, já discutida anteriormente neste artigo. Outra fase importante é a iniciativa, onde ficam arraigados os ideais e os propósitos, importante elemento da formação da identidade (Erikson, 1987), e montagem do plano certamente conta com esta convicção por parte da criança.
A indispensável contribuição da fase da iniciativa para o desenvolvimento ulterior da identidade consiste, pois, obviamente, na libertação da iniciativa e sentido de propósito da criança para as tarefas adultas que prometem (mas não podem garantir) a realização plena da gama de capacidades do indivíduo. Isso é preparado na convicção firmemente estabelecida e invariavelmente crescente, não intimidada pela culpa, de que “Eu sou o que posso imaginar que serei”. Contudo, é igualmente óbvio que um desapontamento geral dessa convicção por uma discrepância entre os ideais infantis e a realidade adolescente só pode conduzir a um desencadeamento do ciclo de culpa-e-violência, tão característico do homem e, no estudo, tão perigoso para a sua própria existência”. (Erikson, 1987, p. 122)
          
           Outro marco fica na fase da diligência, período onde, pela escolarização,a criança se insere no mundo social e lida com os papéis que este envolve. Neste processo de socialização, importantes mensagens são passadas à criança, que, combinadas com sua disposição interna, tornam-se mais um elemento na construção de um plano de vida. “É neste período que a sociedade maior torna-se significativa para a criança ao admiti-la em papéis preparatórios” (Erikson, 1987). Aqui vemos a importância clara das relações sociais na montagem do plano de vida, porque, é através da aprendizagem de determinados papéis, que a criança vai antecipando e exercitando alguns características e habilidades para seus futuros papéis.
         Na fase da adolescência, cada vez mais antecipada pelas culturas ocidentais, há a preocupação (mórbida, segundo Erikson) com o que os outros estão pesando. Na teoria eriksoniana, a importância desta etapa é crucial porque nela são revivenciados todos os conflitos das fases anteriores, seus bons ou maus desfechos, e os sentimentos gerados ao longo da infância pelas chamadas crises do ego. Ao definirmos quem somos, pensamos juntamente o que faremos de nossa vida. Consolida-se o plano de vida.
         Outra etapa importante para o plano de vida, desta vez para a passagem deste, é a fase da generatividade. Para Erikson, “a própria natureza da generatividade sugere que a sua patologia, minimamente circunscrita, deve ser agora procurada na geração seguinte” (1987, p.139). Esta é a força propulsora da passagem da cultura humana, para Erikson, ainda que com todas as patologias, pré-conceitos e preconceitos e também os medos e as fantasias, que Erikson deposita no termo acima citado patologias.

Inovação da Teoria Eriksoniana

Erikson (1987) fala da importância de se considerar o contexto histórico e cultural, utilizando estas informações como instrumento de análise, afinal, são elas que vão nos dar indicativos da formação de uma identidade, que é construída e mantida pela sociedade, pelo que Erikson chama de “ego grupal” (1987, p. 69). Aliás, esta é uma crítica feita constantemente pelo autor: a falta de integração entre o social e o individual, ao estudar qualquer assunto que se refira à subjetividade humana.
Naturalmente, a negligência geral desses fatores na psicanálise não favoreceu uma aproximação com as Ciências Sociais. Os estudiosos da sociedade e da história, por outro lado, continuam ignorando alegremente o simples fato de que todos os indivíduos nasceram de mães; de que todos nós já fomos crianças; de que as pessoas e os povos começaram em seus berçários; e de que a sociedade consiste em gerações no processo de desenvolvimento de filhos em pais, destinados a absorver as mudanças históricas durante suas vidas e a continuar fazendo história para seus descendentes. Somente a Psicanálise e as ciências sociais unidas poderão finalmente proceder ao levantamento do curso de vida individual no contexto de uma de uma comunidade em permanente mudança.
(Erikson, 1987, p. 44)




 Fontes:

ERIKSON, Erik H. Identidade: juventude e crise. Tradução de Álvaro Cabral. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
ERIKSON, Erik H. O ciclo de vida completo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
KAPLAN & SADOCK. Compêndio de Psiquiatria. 9ª edição. Artmed. Porto Alegre2007.
 Erikson e a Teoria Psicossocial do Desenvolvimento
Elaine Rabello
José Silveira passos
<Disponível em:>