HEINZ KOHUT
(1913-1981)
Criador da Escola chamada Psicologia do Self, com ênfase na normalidade
e patologia dos transtornos narcisistas. Nascido em Viena, formou-se
neurologista e psiquiatra e desenvolveu seu trabalho em Chicago. Postulou duas
novas estruturas em relação ao self, ambas de formação arcaica: o self
grandioso e a imago parental idealizada.
De acordo
com Ramos (2001), que resume as descobertas de Kohut sobre o self, este self,
restrito ao conteúdo do aparelho mental, possuía uma dinâmica própria que
pertencia ao nível da experiência do self com o objeto.
“Kohut elaborou uma teoria para o self no sentido
lato, ou seja, para a dinâmica vivenciada entre o self e o objeto.
Assim, o self, se visto sob o ângulo de visão do sentido restrito,
seria um conteúdo do aparelho psíquico (uma extensão da metapsicologia
clássica); se visto sob o ângulo de visão do sentido lato seria
diferenciado das três instâncias psíquicas (ego-id-superego), podendo-se
examinar a sua gênese, o seu desenvolvimento e os seus componentes. É
importante frisar que, ao diferenciar o self das três instâncias
psíquicas, isto é feito apenas no contexto teórico. Na prática jamais poderia
ser ignorado que o self é um conteúdo do aparelho.
Primeiramente, Kohut pensou os primórdios da
formação do self como algo fragmentado que iria se aglutinando ao longo
de seu desenvolvimento. Este modelo surgiu emparelhando o desenvolvimento do self
com o desenvolvimento das zonas erógenas, ou seja, através da observação de que
a criança inicialmente possuiria sensações isoladas de seu corpo e, também, de
suas funções mentais. Ao longo do desenvolvimento, a criança iria aglutinando
as partes do self, antes vivenciadas isoladamente, em um todo, formando
uma noção globalizante e integrada de si mesma. Como um exemplo, a criança iria
compreendendo que suas pernas fariam parte da mesma “engrenagem” que os seus
braços, tórax, olhos, pensamento etc.
Posteriormente, reformulou esta visão da formação
do self. Achava que não havia dados suficientes para afirmar que o self
se estruturaria por aglutinação de partes. Isto porque Kohut propõe abrir mão
da idéia de que o objeto de pesquisa da psicanálise esteja contido apenas no
contexto do prazer e, assim, acrescentou ao objeto de pesquisa da psicanálise
algo que denominou como “além do princípio do prazer: o self e as suas
vicissitudes”.
No entanto, é importante esclarecer que este “além
do princípio do prazer”, proposto para o self e as suas vicissitudes,
nada tem a ver com o “além do princípio do prazer”, com o instinto de morte,
proposto por Freud. O sentido empregado por Kohut diz respeito apenas a algo
que estaria fora do contexto do prazer-desprazer, ou melhor dizendo, do âmbito
das necessidades instintivas.
Assim, se o self possui um desenvolvimento fora do
contexto das necessidades instintivas e se o self possui uma linha própria de
desenvolvimento, Kohut propôs um desenvolvimento de estruturação do self
diferente e independente da experiência que a criança possui de suas partes
corporais e funções mentais isoladas. As partes experimentadas pela criança de
suas experiências corporais e atividades mentais não formariam o self, mas se desenvolveriam dentro
dele.
No entanto, Kohut nos aponta que a busca de prazer persiste sempre pela
vida do indivíduo, paralela ao desenvolvimento do self.
“O aspecto de busca de prazer do mundo de
experiência de nossa organização corpo-mente persiste pela vida afora: por um
lado, torna-se o mundo das gratificações e dos prazeres inibidos em seu
objetivo e, por outro, o mundo dos conflitos (estruturais) da tensão, da
angústia e da culpa (...) Quando finalmente o self está
bem-estabelecido, ele toma sua posição como estrutura superior, acima do mundo
da experiência de partes e funções isoladas. Mas esse caminho de experiência
continua a existir (...) Tanto no setor de suas ambições quanto no de seus
ideais, o self não busca o prazer através da estimulação e da descarga de
tensão; o self procura satisfação através da realização de suas ambições e de
seus ideais nucleares. Sua satisfação não dá prazer, como acontece na
satisfação do impulso instintivo, mas sim o triunfo e o brilho da alegria. E
seu bloqueio não desperta o sinal de angústia (por exemplo, de angústia de
castração - angústia pela perda do pênis, suprema fonte de prazer), mas o
pressentimento do desespero (por exemplo, da vergonha ou da depressão vazia -
desespero antecipado pelo esmagamento do self e pela derrota final de suas
aspirações). O Homem Trágico não teme a morte como punição simbólica
(castração) ; teme, sim, a morte prematura, morte que impede a realização dos
objetivos de seu self nuclear. E, à diferença do Homem Culpado, o Homem Trágico
aceita a morte como parte da curva de sua vida satisfeita e satisfatória”. (Ramos, 2001, p. 16)
Desenvolvimento do Self segundo Heinz
Kohut
Sem selfobjeto o
bebê não se estrutura psicologicamente. Kohut assenta a sua construção teórica
na observação empírica da relação self-selfobjeto e compara a importância
do selfobjeto para a sobrevivência emocional da criança com a
importância do oxigênio para a sobrevivência biológica do indivíduo. Nisto há
concordância entre sua teoria e os teóricos do apego.
Se
pensarmos, passo a passo, na importância para o desenvolvimento do self,
do selfobjeto e do aparelho psíquico na formação de estruturas, podemos
compreender que:
1. Inicialmente o bebê encontra-se
em fusão com o selfobjeto. Este desempenha as funções ainda impossíveis
para um bebê que não possui um self estruturado, mas apenas um núcleo de
self.
2. O selfobjeto idealizado exerce a função de
atender à necessidade fundamental do bebê de se fusionar com um objeto
onipotente, a fim de sentir-se amparado e seguro.
3. O selfobjeto especular exerce a função de espelhar o bebê
atendendo à necessidade fundamental que a criança possui de sentir-se
aceita e valorizada.
4. O selfobjeto
gemelar exerce a função de atender à necessidade fundamental que todo indivíduo
possui de uma semelhança essencial, a fim de garantir à criança o sentimento
de que ela pertencente a um contexto humano, onde se sente compreendida e é
capaz de compreender o outro.
5. Sabendo-se que é utópico um selfobjeto perfeito, podemos
afirmar que este sempre irá falhar. Irá falhar no atendimento a uma ou mais das
três necessidades básicas, acima citadas, existentes em todos os indivíduos.
6. Para o desenvolvimento do self é importante que o
aparelho psíquico esteja preparado para formar estruturas. As estruturas serão
formadas em função da capacidade maturacional do aparelho psíquico associadas
às experiências adequadas a cada fase do desenvolvimento do bebê.
7. Se estas falhas acontecerem de acordo com a capacidade
maturacional do aparelho psíquico serão chamadas de “falhas ideais”.
8. Em conseqüência das falhas ideais, o aparelho psíquico do bebê,
por uma questão psicoeconômica, irá retirar a catexia do objeto que falhou e,
fragmentando os aspectos da imagem do objeto que está sendo internalizado,
vivenciará o que Kohut chamou de “frustração ótima”.
9. O resultado da frustração ótima será a despersonalização dos aspectos
da imagem do objeto internalizado que será, então, transformado em estrutura do
self.
10. Mas, de acordo com as idéias de Kohut, entre a despersonalização do
objeto internalizado e a estruturação do self, deverá ocorrer um
processo que transforme os aspectos da imagem do selfobjeto
internalizado em estrutura. A este processo transformador Kohut denominou de “internalização
transmutadora”.
11. Assim, havendo falhas ideais por parte do selfobjeto e a
experiência das frustrações ótimas por parte do bebê, este vai, por meio da
internalização transmutadora,transformando a função antes exercida pelo selfobjeto
em uma estrutura própria capaz de assistir a si mesmo.
A
desidealização gradual e a internalização do selfobjeto é também o que
possibilita a construção, na visão da psicologia psicanalítica do self, do
superego.
Diante
das falhas dos pais na fase pré-edipiana, a criança, desidealizando os mesmos,
irá formar uma estrutura de self, pelo processo da internalização
transmutadora. O investimento da libido objetal mistura-se com o investimento
da libido narcísica e, assim, o processo de internalização dar-se-á sempre com
o objetivo de investimento narcísico.
Quando um
self não encontra no ambiente um selfobjeto empático, com falhas
ideais, mas encontra um selfobjeto capaz de realizar falhas traumáticas,
possibilitando uma desidealização abrupta, o self não pode ir se
estruturando gradualmente pela internalização transmutadora.
Se
pensarmos, passo a passo, nas conseqüências das falhas traumáticas como
impedimento da formação de estrutura, podemos compreender que:
1. O self inicialmente necessita apoiar-se em um selfobjeto
(mantendo assim, a fusão dos instintos) para seguir o seu desenvolvimento;
2. Se o selfobjeto falha traumaticamente, não respeitando a
capacidade maturacional do aparelho psíquico (como exemplo: a morte do selfobjeto),
o aparelho psíquico ao invés de desidealizar o selfobjeto que falhou
abruptamente, o mantém internalizado de forma idealizada.
3. Fica fácil compreendermos porque é mais econômico para o
aparelho psíquico funcionar desta forma. O aparelho psíquico ainda precisa de
um selfobjeto idealizado para sobreviver psicologicamente e, portanto,
se o desidealizasse, quando ainda necessita da idealização, ocorreria sem
dúvida a “morte” do self. Utilizando a analogia proposta por Kohut,
podemos concluir que a desidealização abrupta corresponderia a falta repentina
de oxigênio para o bebê respirar. Assim como não pode faltar oxigênio para a
sobrevivência física do bebê, não pode faltar selfobjeto para a sua
sobrevivência psicológica.
4. A desidealização abrupta promove a internalização de um objeto
idealizado, reprimido para o inconsciente, contribuindo para a formação de um
superego rígido e punitivo.
5. Deste processo resultam certas patologias do self. O
indivíduo permanece com um selfobjeto internalizado, incapaz, salvo através
de uma análise, de transformá-lo em estrutura de self.
Em
relação ao selfobjeto que falhou abruptamente à criança, esta, ao invés
de desidealizá-lo, o internaliza idealizado. Isto porque, como já vimos, o self
necessita apoiar-se em um selfobjeto idealizado para se desenvolver.
Neste caso, a criança permanece, devido à internalização de um selfobjeto arcaico, com um sentimento
enorme de força e de grandiosidade, ou melhor dizendo, com uma onipotência
extremada; e, ainda, permanece sempre dependente de um selfobjeto
arcaico idealizado que fica impossibilitado, por não possuir mais
correspondência no mundo externo, de uma transformação através da
internalização transmutadora. Em
situações extremas são aqueles indivíduos que desenvolvem uma onipotência
extremada, ao lado de um grande sentimento de desvalorização, além de uma forte
propensão para a idealização, pois é o selfobjeto arcaico idealizado que
contém todo o valor.
A
gravidade destas estruturas defensivas na patologia do self irá variar
de acordo com a etapa de desenvolvimento em que se encontrava o self do
indivíduo, associada à quantidade de falhas não ideais ocorridas por parte do selfobjeto.
Como verificamos, Kohut baseou
toda a sua construção teórica para o desenvolvimento do self na idéia de
que a libido narcísica era capaz de catexizar os objetos mostrando-se, assim,
um grande teórico das relações objetais. Kohut não concebeu a visão de um homem
sem um objeto. Até mesmo para a relação narcísica, na visão de Kohut, faz-se
necessário o objeto.
BLEICHMAR, N;
BLEICHMAR, C. A psicanálise depois de Freud: Teoria e clínica. Porto Alegre:
Artmed, 1992.
Vínculo
Materno-Infantil E Participação Da Mãe Durante A Realização Da Punção Venosa: A
Ótica Da Psicanálise
Júlia
Peres Pinto
Vera
Lúcia Barbosa
disponível
em:
Heinz
Kohut - Concepção de Self
disponível
em:
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