O impacto que a criança com necessidades especiais tem
sobre a família vem sendo bastante pesquisado nas últimas décadas A primeira geração de pesquisas sobre os
efeitos da criança especial na família apresentava um panorama
desanimador, em que o estresse, a sobrecarga, a depressão e o isolamento social
eram as características predominantes. Contudo, com a ampliação do número
de pesquisas nesta área, os modelos têm passado de interpretações deficitárias
de ajustamento para o reconhecimento da possibilidade de uma adaptação mais
positiva (SHAPIRO; BLACHER; LOPEZ, 1998).
O estresse é um dos fatores mais comumente
investigado em mães de crianças com deficiências (BYRNE; CUNNINGHAM, 1985). A
diferença no nível de estresse encontrado em famílias de crianças com e sem D
pode ser decorrente do fato de que algumas mães de crianças D teriam mais
dificuldades no ajustamento de aspectos pessoais relativos à maternidade
(SHAPIRO et al., 1998) e, também, devido aos comportamentos agressivos e ao
desempenho de suas crianças (SLOPER et al., 1991). Já as causas do estresse
experienciado pelos pais são mais variadas, destacando o temperamento da
criança, o isolamento e a retirada social (SHAPIRO et al., 1998), o status
empregatício e a satisfação marital (HORNBY, 1995) e, também, a própria
avaliação do genitor a respeito do funcionamento da família (DYSON, 1997).
Segundo MINNES (1998), os estudos sobre
estresse na família podem ser agrupados segundo as características da criança
deficiente, considerando a combinação de diferentes tipos de deficiências e o
impacto da sobrecarga de cuidado com a criança. Estes aspectos são importantes,
pois o grau de deficiência da criança tem emergido como um fator que
contribui para o estresse parental, particularmente quando associado à
dependência da criança, às necessidades de manejo, aos problemas de
comportamento e à comunicação limitada. Os genitores têm uma sobrecarga
adicional em vários aspectos de sua dinâmica individual e familiar,
especialmente no que tange aos aspectos psicológicos, sociais, financeiros, e
às atividades de cuidado da criança (ALI et al., 1994; SHAPIRO et al., 1998).
Essa sobrecarga, por sua vez, pode estar relacionada aos sentimentos de
ansiedade e incerteza quanto às questões de sobrevivência da criança, de seu
desenvolvimento, de um compromisso de cuidado prolongado ou, mesmo, do próprio
impacto desse cuidado sobre a vida pessoal da mãe, impondo-lhe um senso de
limitação e restrição.
Com relação à depressão e ao ajustamento psicológico,
alguns estudos mostram que as mães de crianças D apresentam taxas mais altas de
depressão e enfrentam mais problemas com o ajustamento psicológico que os pais.
Outros sentimentos e estados emocionais
podem ser observados nos genitores, tais como mágoa, sofrimento e um contínuo
processo de luto (LEARY; VERTH, 1995), além de culpa (ALI et al., 1994).
Embora haja necessidade de se corrigir uma
visão unicamente patológica a respeito das reações dos genitores à sua criança
D, os resultados das pesquisas mostram diferenças significativas, pelo menos em
algumas dessas dimensões, particularmente entre mães de crianças com e sem D e,
também, entre mães e pais de crianças D. As evidências sugerem que as mães
continuam sendo mais fortemente afetadas pelas obrigações de cuidados com a
criança D. Por outro lado, não se tem clareza se os altos níveis de
sintomatologia emocional e física estão relacionados à presença dessa criança
ou à rede de variáveis mediadoras ou, ainda, às diferenças culturais entre
homens e mulheres (SHAPIRO et al., 1998). Na verdade, todos esses fatores
parecem influenciar a natureza e a intensidade das reações à criança D.
Além disso, segundo BYRNE e CUNNINGHAM
(1985), os genitores utilizam as mais variadas estratégias para enfrentar os eventos
estressantes. Tais estratégias dependem das variações existentes nos estilos
cultural e ideológico das famílias e no contexto ecológico em que elas estão
inseridas.
Sob
o ponto de vista dos irmãos, os estudos indicam que não há dados significativos
que apóiem a idéia de um relacionamento problemático entre os irmãos de
crianças D ou que comprovem alguma desvantagem decorrente do fato de se ter um
irmão D.
Por outro lado, os irmãos de crianças D
relataram mais sentimentos de insatisfação, por não receberem atenção
suficiente dos genitores, embora não tenham relatado problemas de solidão,omo
os irmãos de crianças autistas.
Em
síntese, ter uma criança D na família pode ser um evento estressante ou não,
trazendo conseqüências para todos os membros em maior ou menor dimensão. Os
dados sobre reações, sentimentos, estados emocionais e estresse experienciados
por mães, pais e irmãos de crianças D não são, ainda, conclusivos, requerendo
mais investigações para que se possa ter maior clareza sobre o que significa
ter uma criança DM na família. Muitas são as variáveis
que podem se associar para produzir ou intensificar os sentimentos e estados
emocionais dentro da família. Estes sentimentos e emoções têm grande influência
no tipo de relacionamento desenvolvido entre a criança e os membros familiares
que, por sua vez, têm implicações diretas para o desenvolvimento da criança D.
Como é a dinâmica das relações em famílias
de crianças deficientes?
Os relacionamentos familiares formam um
sistema complexo de trocas interativas entre os subsistemas marital e parental
que incluem díades, tríades, tétrades e outras constelações, organizadas em um
todo integrado, caracterizado por um
processo de influências mútuas. Assim, as interações e relações ocorridas no
subsistema marido-esposa influenciam aquelas ocorridas em outros subsistemas,
especialmente no de genitores-criança.
O subsistema marido-esposa e as relações
parentais
A qualidade da relação marital é um
importante determinante das experiências
de maternidade/paternidade em todas as
famílias, especialmente naquelas com crianças com deficiência . Nestas, os
genitores têm demandas adicionais com a criação de sua criança D, geradas pela
sobrecarga e estresse devido ao constante cuidado e atenção exigidos pela
criança.No entanto, mães de crianças D não têm necessariamente mais disfunções
em suas vidas que mães de crianças com desenvolvimento típico e, nem sempre,
elas têm os piores casamentos ou sistemas sociais de apoio menos adequados (SHAPIRO
et al., 1998). No estudo de FLOUD e ZMICH (1991), com 38 famílias de crianças D
e 34 de crianças com desenvolvimento típico, compostas por mãe, pai e filhos em
idade escolar, os resultados indicaram que a insatisfação marital estava mais
associada aos problemas de comportamento da criança que à interação marital
propriamente dita. As dificuldades de manejo da criança pelos genitores também
foram atribuídas mais às limitações cognitivas e à pobre habilidade social da
criança que à própria competência dos genitores como pais e mães. O estresse
marital, por sua vez, foi associado às demandas de cuidado com as necessidades
especiais da criança, às interações maritais negativas e à ocorrência de trocas
aversivas com a criança. Um outro estudo com genitores de crianças com e sem
DM, sobre o cuidado compartilhado e a satisfação marital, mostrou que a maior
participação e envolvimento do pai no cuidado com a criança estavam associados
a uma maior satisfação marital (WILOUGHBY; GLIDDEN, apud SHAPIRO et al.,
1998). A literatura relativa aos efeitos da relação marital sobre as relações
parentais precisa ser considerada com cautela, pois outros estudos mostram
não haver uma diferença entre famílias de crianças com e sem D quanto ao seu
funcionamento, adaptabilidade, coesão e satisfação marital (BRISTOL et al.,
1988; SHAPIRO et al., 1998). Shapiro e seus colaboradores também encontraram
estudos com um alto índice de divórcio e discórdia marital entre os genitores
de crianças com síndrome de Down e outros que não mostraram diferenças entre
esses índices quando famílias de crianças com e sem D foram comparadas.
Entretanto, é preciso destacar que há uma variabilidade enorme de mecanismos de
adaptação individual utilizados pelas famílias, baseados, em parte, nas
características pessoais da criança, na gravidade da deficiência e na
competência e recursos dos genitores como cuidadores. (BYRNE; CUNNINGHAM,
1985).
Fontes:
MUSTACCHI,
Zan; PERES, Sergio. Genética baseada em evidências: síndromes e heranças.
São Paulo. 2000.
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