DISTÚRBIO DO
EGO E TRAUMA ACUMULATIVO
Por José Ottoni Outeiral
As
distorções do ego que se originam do trauma acumulativo, isto é, resultantes do
fracasso da mãe em sua função como
escudo protetor e as consequentes invasões na emergente integração de ego da
criança, se tornam perceptíveis através do que Freud chamou de " inconsistências, excenticidades e loucuras
dos homens ",um tipo de disturbio de caráter e personalidade que com
frequência "são compatíveis com uma "vida normal " ( ou a uma "normopatia "ou a que C.
Bollas chama de vida "normótica ),
ou ao que Helen Deutsch chamou de
personalidade "como se "ou ao que Winnicott denominou "falso
self ". Masud Khan relata o seguinte:
"1.
As fendas no papel da mãe como escuddo protetor levam a um desenvolvimento ddo
ego prematuro e seletivo. Algumas das emergentes funções autônomas tem o crescimeento acelerado e são
aproveitadas em açãao defensiva para fazer face às invasões, que são
desagradaveis e que a criança não pode enfrentar de forma adequada a cada fase .Este desenvolvimento precoce
pode começar a organizarum tipo de reação especial no criança em relação ao
estado de espírito da mãe, reação que cria um desequilíbrio na integração dos
impulsos agressivos. Complementarmente, o distúrbio do desenvolvimento
sensorial e motor, por sua vez, prejudica a evolação das fases libidinais.
Nesse contexto, a justaposição de Freud na passagem acima, de
"inconsistências, excentricidades e loucuras dos homens "e perversões
sexuais, assume um significado mais profundo. Muitas perversões tem a s
características de um incentivo a
funções do ego precariamente
integradas,
2. O envolvimento das
funções precoces com a resposta conivente da mãe contra a diferenciação
adequada a cada fase para a formação de uma unidade de self e personalização. Em lugar de uma integração separada e
coerente da estrutura do ego, ocorrem, intrapsiquicamente, múltiplas
dissociações. Essas dissociações elvam a criança a reter um vínculo de
dependência arcaica com a mãe e o ambiente, ao mesmo tempo que precipita a
independência. Uma característica deste
tipo de desenvolvimento dissociado do ego é que, o que deveria constituir um
estado de dependência silencioso e desapercebido, passa a ser um aproveitamento
coercivo e decisivo e manobrado da
dependência pulsional e do ego . Simultaneamente, dá-se uma catexia
narcisista precoce da mãe, que, muito embora pareça um agradabilíssimo amor
objetal é, na verdade, um tipo de
interesse precoce do ego no objeto. Este interesse do ego, com seus afetos
correlatos de ideallização e superpreocupação, é um substituto da verdadeira
catexia objetal, como se torna
penosamente óbvio
nos envolvimentos intensos , apaixonados,
mas instáveis, do pós-adolescente em
relação aos seus "objetos amorosos ".
3.
Por último, escolherei para comentar um
tipo especial de hipercatexia, ao mesmo tempo da realidade interna ( fantasia )
e externa desses pacientes , e o distúrbio de seu ego corporal.É típico do caso clínico desses casos, no
adulto, terem eles um interêsse estranhamente ávido e aguçado, pelo ambiente externo e seu conteúdo
subjetivo interno e fantasioso. Apresentam uma tendência a se mostrarem
obcecados por ele e só muito lentamente podemos perceber que esta atividade
psíquica diligente e vibrante encobre uma falha básica nas suas capacidades do
ego. Nunca podem ser . Sua capacidade para levar uma vida serena
e descansada é muito limitada. Tem de
se deixar absorver por alguma coisa,
se
atormentarem, incitarem-se; do contrário, cairão no tipo mais apática de não
existência e do não-ser. Da mesma forma, a relação que tem com o próprio corpo
e com o corpo de seus objetos amorosos é a mais intensamente tumultuada,
intrusiva e superíntima. Desejam e buscam ansiosamente experiências orgíacas e encontram nelas pouca satisfação. Muito
frequentemente, a excessiva patologia sexuala do tipo masturbatório em crianças
é uma forma de enfrentar um envolvimento traumático com um dos pais que
oprime o funcionamento do ego e o põe em risco de colapso. Rosen discorrendo sobre um acontecimento traumático num caso seu, tirou a seguinte conclusão: "Na solução de um trauma, os afetos que não podem ser dominados pela repressão são narcisisticamente investidos
na imagem corporal e assim pouco se conserva da original catexia objetal da experiência"
( o grrifo é meu )'.
Aspectos
técnicos da reconstrução na situação analítica
Masud Khan ( khan, 1964
) incia suas considerações sobre a questão
da reconstrução citando textualmente a Freud
( 1937 ) em "Construções em análise ", o que eu também faço
pela clareza desta exposição. Freud escreve:
"... o trabalho em
análise consiste em duas partes inteiramente diferentes, [ que ] é realizado em
duas localidades separadas [ que ] envolve duas pessoas, a cada uma das quais
cabe uma tarefa distinta ...sabemos todos
que a pessoa que está sendo analisada tem
de ser induzida a recordar algo que experimentou e reprimiu e os deterimantes
dinâmicos deste processo sãao tão interessantes que a outra parte do trabalho,
a tarefa desempenhada pelo analista, foi
colocada em segundo plano. O analista não desempenhou nem reprimiu nada do
material em questão; sua tarefa não pode ser recordar algo. Qual é, então, a sua
tarefa? É descobrir, pelos traços deixados, o que foi esquecido ou, mais
corretamente, construir o que foi esquecido. A hora e o modo de revelar suas construções à
pessoa que está sendo analisada, bem
como as explicações que fornece, concomitantemente, constituem o vínculo entre
as duas partes do trabalho de análise, entre a sua parte e a do paciente... O
analista, como dissemos, trabalha em condições mais favoráveis que o
arqueólogo, já que tem à sua disposição um material que não encontra similar nas
escavações, como sejam as repetições de reações que datam da tenra infância e
tudo o que emerge em conexão com essas repetições através da transferência.
Mas, além disso, é preciso ter em mente que o escavador lida com objetos destruidos, dos quais grandes e
importantes partes certamente se perderam, por violência mecânica, pelo fogo ou
pilhagem. Não há esforço que consiga
descobrí-las e levar a posssibilidade de se unirem com os fragmentos que restaram. O único e exclusivo caminho
aberto é o da reconstrução, que, por isso mesmo, muitas vezes, só alcança certo
grau de probabilidade. É diferente, porém, com o objeto psíquico,
cuja história primitiva o analista tenta recuperar. Aqui, nos deparamos
regularmente com uma situação que, com o objeto arqueológico, só acontece em
circunstâncias raríssimas como em Pompéia ou no túmulo de Tutancâmon.. Todos
os elementos estão preservados; até as
coisas que parecem completamente
esquecidas estão presentes de alguma forma e em algum lugar e, simplesmente,
foram enterradas, tornando-se inacessíveis ao sujeito. Na verdade, como
sabemos, é válido por em dúvida se qualquer estrutura psíquica pode realmente
ser vítima de destruição total. Depende exclusivamente do tabalho analítico
obtermos sucesso em trazerà luz o que está completamente oculto ".
O autor faz, a seguir, uma consideração onde esclarece que emsua opinião embora
exista uma grande variedade de desenvolvimentos técnicos, em especial, no
trabalho ( ou manejo ) da transferência a tarefa analítica básica é a
mesma criada
por Freud. Ao prosseguir, articulando seu pensamento, ele trata da conexão entre a interpretação e a reconstrução.( ao leitor que certamente perguntará sobre Frida
Kahlo, peço um pouco mais de paciência, neste recorrido que poderá parecer o
caminho de Santiago de Compostela )continuando a citarFreud:
"Interpretação se aplica a algo que se faz a algum elemento isolado do material, tal
como uma associação ou uma parapraxia. É, porém, uma construção quando se coloca
diante do sujeito um fragmento de sua história primitiva que ele esqueceu...
.".
Liberalmente eu incluiria também o trabalho
com os sonhos neste desenvolvimento.
O nosso analista nascido no Punjab segue
comentando que a interpretação tem o
objetivo de lidar com as resistências do paciente na transferência (
aqui-agora-comigo ) e permitir as
reconstruões, enquanto que as reconstruções "abrangem uma escala de dados muito mais vasta e profunda . Procuram organizar, no meio da heterogênea exibição do material, e no
que se refere a hiatos e omissões, um esquema de desenvolvimento seguro para
determinado paciente em termos de sua história específica ".
As reconstruções na situação analítica são
consideradas por ele como sendo
possíveis de serem agrupadas emquatro aspectos:
1. reconstruções da
história dos mecanismos de defesa, cobrindo os períodos do desenvolvimento
psicossexual ( incluiria a
necessidade de trabalhar, neste
momento, com o perfil metapsicológico - diagnostic profile - de Anna Freud ) ;
2. reconstruções das fases
críticas de crecimento psicossexual e do estabalecimentodas tres estruturas
mentais ( segunda tópica ), ego, superego e id
( o autor se refere,
especificamente, à psicologia do ego e a
Hartmann,Kris e Loewenstein );
3. reconstruções do
relacionamento específico do pacinete com os pais desde os períodos
pré-edipiano e edipiano, com seu séquito de introjeções e identificações, e
4. reconstrução da
ecologia das primeiras fases de personalização, integração do ego e
modificações do ego do paciente ( há
agora referências específicas, principalmente, ao membros do middle group da
Sociedade Britânica de Psicanálise ).
Masud Khan define o rumo de seu pensamento
da seguinte forma, nos convidando a seguir com ele:
"Aquí só estou interessado no último grupo, ou seja, como
reconstruimos nós a ecologia do ambiente infantil, que em consequência do
trauma
acumulativo ( o grifo é meu ), provocou distorção do ego
? ".
A partir desta etapa, ao falar do setting necessário ao
trabalho com estes pacientes que
experienciaram trauma acumulativo,
Masud Khan utiliza seu referencial,
digamos..., Winnicottiano. Como sabemos, Winnicott em seu trabalho clínico
considerava que pacientes que houvessem sofrido falhas ambientais ( por
intrusão - impingment -, depressão materna ou outros fatôres da mesma espécie )
nas primeiras etapas do desenvolvimento, "congelavam "esta experiência de fracasso com a esperança ( hope
) de, em algum momento de suas vidas ( na análise inclusive ), encontrar
um"ambiente facilitador". Este setting, no processo analítico segue,
conforme explicita Winnicott com precisão,uma forma clínica singular (
Winnicott, 1954, 1955 ). O relacionamento do paciente com o analista como pessoa
total passa a ser secundário e, apenas em alguns momentos isto poderá ser possível. O paciente
reagirá à presença do analista como a uma coisa.
Na verdade, como o trauma acumulativo
experienciado é anterior ao que Freud
considerou como representação de palavra e sim ao período
de representação de coisa, não há
como, através de uma produção verbal, realatar à uma pessoa total ( no caso o
analista )o acontecido. Este relato percorrerá um trajeto, principalmente pelo não-verbal
( pelos mecanismos de identificaçao projetiva e introjetiva ) e será percebido
pela contra-transferência do analista, se ele tiver engenho e arte para
tanto... e o paciente confiança e esperança por um lado e por outro ter podido
desfrutar deste novo ambiente ( o
setting ) descongelando a situação de fracasso inicial.
Masud
Khan comenta duas situações particulares, uma referente à patologia e outra ao
tratamento, que eu acho interessante compatir com o leitor: a questão de
considerar o acting-out como comunicação, particularmente no tratamento dos
casos fronteiriços com uma estrutura de
ego esquizóide e, por ultimo ( last but not least ), não confundir este
setting proposto com o conceito de experiência emocional corretiva, tal como
desenvolvido por Franz Alexander ea inadequadamente chamada "Escola de
Chicago ".
A
noção de atuação assume para Masud
Khan uma condição que ele busca explicar
através da concepção de que estes pacientes, de uma forma quase automática,
buscam refugiar-se na realidade configurando o que chamamos de atuação. Seu ego, heróicamente, transforma as situações
para evitar aquelas áreas de experiência emocional que seu defeito de ego não
pode enfrentar. Sua capacidade mental, com astúcia e sagacidade, faz com que
fujam para evitar fóbicamente todos os
segmentos da realidade e de tensões interpessoais que os leveem ao âmago de
suas crises de desenvolvimento. Há uma diferença, qualitativa, entre estes
pacientes e os neuróticos, com seus egos relativamente intactos e razoáveis
estruturas de personalidade, que fogem do conflito ou da culpa. É nos casos de
pacientes fronteiriços com uma estrutura de ego esquizóide que Masud Khan
acredita que tenha havido uma transformação na atitude clínica no tocante à atuação, onde ela passa a ser, como ele
escreve, sob certos aspectos nosso principal aliado clínico. Ele
segue escrevendo da seguinte forma ( Khan, 1964 ):
"... por causa das limtações da própria
situação analítica e do relacionamento esses pacientes, com seus egos frágeis e
combativos não tem, praticamente,
opção a não ser conseguuirem a adesão
daqueles que vão reencenar com eles a sua difícil situação interna.
Recentemente ( Greenacre, 1963 ) expôs de
maneira magistral e perfeita o modo como este tipo de paciente atua ( e, por
conseguinte "recorda ") padrões compleetos da história infantís e
envolvimentos objetais. Se pudermos tolerar esta atuação e, gradualmente, levar
o paciente a perceber está nos
fazendo ver e gravar, então há possibilidades de dar-lhe condições de
tolerar aquele pânico interno que o obriga a assumir este tipo de
reencenação. Publiquei dois
casos clínicos, um de uma paciente (
Khan, 1963 ) e outro de um homem, em que procurei descrever esse comportamento e sua perlaboração clínica na análise. Quando o paciente, pelas nossas reconstruções e interpretações,
acredita suficientemente na situação e no processo anaítico ( que
é algo muito diferente de uma transferência cega e fanática para o analista
),
é que pode começar a caminhar para uma dependência mais profunda e para o
uso regressivo da situação analítica ... ".
Na conclusão
deste trabalho Masud khan comenta :
" Apresentei, neste
trabalho, a hipótese de que a patologia do caráter, que encontramos
clínicamente em alguns pacientes do tipo
esquizóide regressivo, provém da distorção do ego durante as primeiras fases do
desenvolvimento do ego e da diferencição do ego. Procurei, ainda, dar conta
dessa distorção do ego em termos de trauma acumulativo, resultante de fendas no
papel da mãe em relação à criança, como ser escudo protetor. No contexto da
situação analítica, expus como podemos reconstruir, e reelmente
reconstruimos, o trauma acumulativo e a natureza e extanção da distorção
do ego no paciente, observando ( a ) o uso que o paciente faz do processo e
do setting analíticos, ( b ) regressão à dependência, ( c ) atuação e
( d ) a auto-observação de nossa contratransferência quando ficamos disponíveis, na
situação analítica, como um ego auxiliar e assumimos algumas das funções da mãe
como escudo protetor, vis-à-vis do paciente submetido `a regressão. Podemos,
assim, realizar a tarefa que Freud
fixou para nós, isto é, "descobrir ",
pelos traços deixados o que foi esquecido ou, mais exatamente, construir o que
foi "esquecido ".
O
trabalho com estes paciente constitui o eixo principal da produção teórica de Masud
Khan que pode ser encontrada nos
seus livros :
É
interessante acompanhar o que André Green (
Green, 1974 ) comenta na introdução que faz ao livro de Masud Khan (
Khan, 1974 ), the privacy of the self, e que ele
intitulou, significativamente, como O
outro e a experiência de self :
"... isso nos leva a reavalição da
noção de trauma. O trauma, não só desloca da esfera da sexualidade para a do
ego, mas perde sua dimensão dramática e punctiforme para inserir-se num tecido de microtraumatismos, cujas sequelas parecem se
parecem menos com a cicatriz de um ferimento que com um processo de esclerose
que estrangula o desenvolvimento. Não se
colcua daí que o analista deva dedicaar-se à reparação. Deve, de preferência,
servir de ego auxiliar. "O que devemos fornecer ao paciente são algumas das funções da mãe no pale de
escudo protetor e de ego auxiliar ". O objetivo é assegurar a distância
psíquica necessária a fim de poder, tanto
perceber quanto recconstruir mentalmente a experiência ".
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