A CONCEPÇÃO DE
FREUD DA FUNÇÃO DA MÃE COMO ESCUDO PROTETOR
Por José Ottoni Outeiral
Masud
khan, para fundamentar sua noção de trauma
acumulativo, utiliza a concepção de Freud sobre a função da mãe como escudo protetor, desenvolvida em Além
do princípio de prazer ( 1920 ) onde
é apresentado um esquema conceitual sobre o
destino de um organismo vivo em um ambiente. Freud sugere que imaginemos
"um organismo vivo em sua mais simplificada forma como uma vesícula
indiferenciada de uma substância que é sensível de estimulação " através
de fontes de estímulos externas e internas. Freud segue escrevendo que
"...então, a superfície voltada para o mundo externo, pela sua própria
situação, se diferenciará e servirá de órgão para receber estímulos". Esta superfície gradualmente formará uma crosta, diz o autor, que
acabará se transformando em escudo
protetor. A proteção contra os
estímulos é uma função tão importante para o organismo vivo como a recepção destes. Esta crosta sensível, que posteriormente se
constituirá no sistema consciente, tem seu próprio estoque de energia, "
deve, antes de mais nada, preservar os modos especiais de transformaçãode
energia que nele operam contra os efeitos ameaçadores das enormes energias em
ação do mundo externo " e receberá, evidentemente, excitações do mundo
interior, em relação as quais, entretanto, é menos eficiente que ao lidar com
os estímulos externos. Masud khan explica que para fugir ao desprazer provocado
pelas excitações do mundo interior o organismo vivo trata de projatá-las para o
ambiente ( exterior ) e tratá-las como se viessem de fora e não de dentro e
colocando o escudo protetor como um
meio de defesa. Masud Khan, cita textualmente o seguinte texto de Freud, o que
eu faço também pela clareza com que a idéia é expostata :
" ( neste contexto, descreveu Freud,
como traumáticas quaisquer )...excitações
provindas de fora que sejam suficientemente
poderosas para atravessarem o escudo protetor. Parece-me que o conceito de
trauma implica necessari5amente uma conexão desta espécie com uma fenda numa
barreira contra estímulos que, em outras circunstância seria eficaz. Um
acontecimento como um trauma externo está destinado a provocar um distúrbio em
grande escala no funcionamento da energia
do organismo e a colocar em movimento todas as medidas defensivas
possíveis. Ao mesmo tempo o princípio de prazer é, momentaneamente, posto fora de ação. Não há mais possibiliade
de impedir que o aparelho mental seja imundado com grandes quantidades de
estímulos; em vez disso, surge outro problema - o de controlar as quantidades
de estímulo que irromperam e ligá-los, no sentido psíquico, de maneira que possam
ser destruidos... o que nós procuramos compreender são os efeitos produzidos
sobre o órgão da
mente pela
fenda no escudo contra estímulos e pelos problemas que ela acarreta. E ainda atribuimos importância ao elemento
pavor, causado pela falta de qualquer
preparação para a ansiedade, incluindo a falta de hipercatexia dos sistemas que seriam os primeiros a receber os estímulos. Em
virtude de sua baixa catexia tais
sistemas não se acham em boas
condições para ligar as quantidades afluentes de excitação e as consequencias
da fenda no escudo protetor sobrevem com maior facilidade. Disto se deduz,
portanto, que a preparação para a ansiedade e a hipercatexia dos sistemas
receptores constitui a ultima linha de defesa contra os estímulos. No caso de
muitos traumas, a diferença entre sistemas despreparados e sistemas bem preparados pela
hipercatexização pode ser fator decisivo na determinação do resultado; se bem
que, quando a intensidade do trauma ultrapassa certo limite, esse fator sem
dúvida alguma, deixará de influir ".
A FUNÇÃO DA MÃE
COMO ESCUDO PROTETOR PARA MASUD KHAN EM RELAÇÃO A SEU CONCEITO DE TRAUMA
ACUMULATIVO
Masud
Khan desenvolve a concepção de que a mãe exerce uma função como escudo protetor de seu bebê, observação
que, de certa forma, já havia sido feita por Freud com seu neto, a criança do carretel ou do "fort-da ",
conhecida de todos nós. A questão original organizada por ele se refere, mais
especificamente, ao conceito de trauma
cumulativo. Ele escreve o seguinte ( Khan, 1963 ):
"Meu argumento é
que o trauma cumulativo resulta de fendas observadas no papel da mãe como
escudo protetor durante todo o curso do desenvolvimento, desde a infância até a
adolescência - isto é, em todas as áreas da experiência onde a criança precisa
da mãe como um ego auxiliar para sustentar
suas funções do ego, ainda imaturas e
instáveis... O trauma cumulativo procede, portanto, das tensões que uma criança
experimenta no contexto da sua dependência
de ego com relação à mãe como seu escudo protetor e ego auxiliar... Nesse contexto, seria mais exato dizer que
essas fendas, repetidas no correr do tempo e entremeadas no processo de desenvolvimento, se acumulam
de forma sileenciosa e invisível. Daí a dificuldade de identificá-las clinicamente na infância. Pouco a pouco
vão-se fixando até formarem os traços específicos de determinada estrutura de
caráter ( greennacre, 1958 ).
Gostaria de limitar-me apenas a declarar
que o emprego da palavra trauma no
coneito de trauma cumulativo não nos deve levar erroneamente a considerar tais
fendas observadas no papel da mãe como escudo protetor como traumáticas na
época ou no contexto em que
ocorreram. Só adquirem valor de trauma cumulativamente
e retrospectivamente... Deve ajudar a
substituir reconstruções incriminadoras como mães más, rejeitadoras ou
sedutoras, bem como construções antropormóficas - os objetos parciais - tais
como seio " bom " e
"mau". Em seu lugar poderia ser
feito um exame mais convincente do interjogo patogênico de variáveis
específicas inerentes ao relacionamento total do equipamento físico e psíquico
da criança e de como o ambiente enfrenta esse interjogo... ".
Na verdade,
temos de compreender esta última preocupação de Masud Khan dentro da situação
vivida, na época, na Sociedade Psicanálitica Britânica, com a ênfase posta (
penso que seria melhor dito, com a nem sempre pertinente interpretação do
pensamento Kleiniano ) excessivamente no "mundo interno ". Acredito
que esta questão já havia sido magistralmente esclarecida por Freud, em 1905,com
a noção de série complementar, onde a correlação entre constituição e vivências
infantis fica perfeitamente estabelecida. Masud Khan, na tradição do middle group, ao formular sua tese sobre
o trauma acumulativo,
"freudianamente ", reitera este conceito. Sugiro ao leitor, se tiver
curiosidade e tempo para tanto, ler a
biografia de Masud Khan ( Cooper, 1993;
Limentani, 1993 ), particularmente o relato de sua infância e a relação com seus
pais, asim como o seu vínculo com Anna
Freud, que além de ter sido sua supervisora e amiga, o acolheu no final de sua
vida, quando a doença que o atingiu física e mentalmente produziu o afastamente
de muitos de seus antigos colegas..
Masud
Khan utiliza também alguns dos conceitos básicos de Donald W. Winnicott para
desenvolver suas idéias. Para ele o que leva a mãe a desenvolver o papel de escudo protetor é o que Winnicott chama
de preocupação materna primária, onde a mãe
suficientemente boa através de suas funções de holding, handling e apresentação de objeto interaje com seu bebê. O
conceito de intrusão ( impingmente ) também é fundamental. Ele escreve ( Khan,
1963 ):
"É a intromissão das necessidades e conflitos pessoais da mãe
que caracterizo como fracasso no papel
que desempenha como escudo protetor. O papel da mãe como escudo protetor não é
passivo; é uma atitude alerta, de adaptação e organização. O papel de escudo
protetoré o resultado das funções de ego maternas autônomas e isentas de conflitos. Se os conflitos pessoais
interferirem aqui, o resultado será um desvio do papel de escudo protetor para
o de simbiose ou fuga para uma rejeeição. Como a criança reagirá a esses
fracassos depende da natureza, intenisdade, duração e frequência do trauma ".
Em
um trabalho posterior Distorção do ego,
trauma acumulativo e o papel da reconstrução na situação analítica ( Khan,
1964 ), Masud Khan retoma as questões que estamos abordando e discorre sobre
as [ 1] ( disturbio do ego e trauma
acumulativo )perturbações que ocorrem no ego e a [ 2 ] ( aspectos técnicos da reconstrução na
situação analítica ) reconstrução na
situação analítica. Ele desenvolve
suas idéias da seguinte maneira:
"Reafimando minha
hipótese resumidamente: o trauma acumulativo tem início no período de
desenvolvimento em que criança precisa e usa a
mãe ( ou quem a substitua ) como seu escudo protetor. Para um
crescimento sadio, a criança precisa de um mínimo de estabilidade básica e
confiança nessa função da mãe como escudo protetor. Os inevitáveis fracassos
temporários da mãe como escudo protetor não só se corrigem e são recuperáveis
na evolutiva complexidade e na articulação do processo maturacional, mas
forncecem também alimento e estímulo para novas funções no que se refere a
crescimento e domínio do ambiente. Só quando esses fracassos da mãe como escudo
protetor forem importantes e frequentes; quando tiverem ritmo de um padrão; e
quando levarem a invasões na integração do psique-soma da criança, invasões que
ela não tenha como eliminar, só então esses fracasssos fixam um núcleo de
reações patogênicas. Tais reações, por sua vez, iniciam um processo de
interjogo com a mãe e com o ambiente, que, além de inetrferirem na adaptação da
mãe à criança, tem também consequencias funestas na formação do ego emergente
da criança. É importante frisar novamente que nenhum tio de fracasso da mãe ou invasão decorrente do
papel da mãe como escudo protetor é, por si só, traumático em qualquer sentido
identificável para a criança neste período. Daí a dificuldade de diagnosticar e
corrigir, na época, tal fracasso no papel da mãe como escudo protetor. O trauma
acumulativo, portanto, se estabelece de maneira silenciosa e invisível durante
toda a infância até a adolescência e deixa marcas em todas as fases vitais do
desenvolvimento psicossexual, que, mais tarde, poderão ser clinicamente
observadas na patologia do ego e na formação do caráter do tipo esquizóide
".
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