O termo “psicossomático” foi utilizado pela
primeira vez em 1818 por Heinroth, psiquiatra alemão, ao fazer referência à insônia e a influência das paixões na tuberculose, epilepsia e cancro. No
século seguinte as descobertas de Freud permitiram uma melhor compreensão
desses fenômenos. Em 1922 Deutsch reintroduziu esse termo em Viena.
Neves (1998)
destaca que as afecções psicossomáticas estão para o final do século XX, assim
como as histerias estiveram para o final do século XIX. A autora traça algumas
linhas de desenvolvimento da psicossomática, destacando as contribuições de
Franz Alexander e seus colaboradores da Escola de Chicago, e os trabalhos de
Spitz e da Escola Psicossomática de Paris. Franz Alexander e seus colaboradores
desenvolveram uma teoria que buscava as relações entre emoções reprimidas e sua
repercussão no plano físico, levando aos sintomas. A partir de 1950, com os
trabalhos de Spitz observou-se a decisiva influência que a ausência da figura
materna exerce no plano da psicopatologia, e constatou-se que essa ou outras
ausências no psiquismo aumentavam a disposição à doença. Em 1962 surge a Escola
Psicossomática de Paris, representada por Pierre Marty, Chistian David, Michel
Fain e Michel M’Uzan; e em 1972 foi criado o Instituto de Psicossomática, sob a
direção de Pierre Marty, com a finalidade de formar psicossomaticistas,
promover a pesquisa e fornecer atendimento clínico.
Volich (1998)
destaca que desde sua origem a psicossomática foi marcada pelas descobertas de
freudianas, durante toda a sua obra Freud apresenta uma reflexão entre o
psíquico e o somático. O modelo etiológico da histeria e da neurose atual
constituem as primeiras referências da psicanálise para pensar a relação entre
fatores psíquicos e doenças orgânicas. Todos os pioneiros da psicossomática
tiveram contato com as formulações freudianas, reconhecendo as contribuições
desta para as suas teorias.
A Escola de Chicago
os Estados
Unidos o interesse pela psicossomática surge por volta dos anos 30,
consolidando-se em meados deste século com Alexander e Dunbar da Escola de
Chicago. Esses dois autores dirigiam seus trabalhos no sentido de buscar
estabelecer relações entre conflitos emocionais específicos e estruturas da
personalidade com alguns tipos de doenças somáticas, como úlceras, enxaquecas,
alergias, asma e distúrbios digestivos. Eles consideram que os transtornos
psicossomáticos seriam “conseqüência
de estados de tensão crônica, relativa à expressão inadequada de determinadas
vivências, que seriam derivadas para o corpo” (Cardoso, 1995,
p.10).
Instituto de
Psicossomática de Paris
Na
França, a partir dos anos 50 um grupo de psicanalistas, liderados por Pierre
Marty, ampliou de maneira significativa a teoria e a clínica psicossomática,
introduzindo uma continuidade conceitual e clínica entre a abordagem médica
e psicanalítica da sintomatologia, tanto psíquica quanto somática. O
objetivo inicial desses teóricos era melhor compreender as patologias somáticas
cuja dinâmica não correspondiam ao modelo da conversão histérica, utilizando o
conceito psicanalítico de neurose atual.
Volich
(1998) diz que gradualmente foi se desenvolvendo um corpo clínico e teórico que
considera a sintomatologia a partir de uma concepção essencialmente
metapsicológica e, sobretudo, econômica. É uma tentativa de compreender os
destinos da excitação pulsional no organismo e sua possibilidades de descarga.
Segundo Marty
(1994) a patologia somática não conversiva é o resultado da impossibilidade de
elaboração da excitação através dos recursos psíquicos do indivíduo, em função
de uma estruturação deficiente, no plano representativo e emocional, do
aparelho mental.
Marty (1994)
acredita que em grande número de pacientes que apresentam uma sintomatologia
somática não conversiva é possível constatar um empobrecimento da capacidade de
simbolização das demandas pulsionais e de sua elaboração através da fantasia. O
modelo proposto por Marty ressalta a idéia de que um menor grau de atividade
mental, corresponde a uma maior vulnerabilidade somática. Diante de um
traumatismo, um indivíduo com uma atividade mental pouco desenvolvida não teria
recursos mentais suficientes para lidar com o excesso de estimulação, e esta
desorganização passaria a atingir as funções somáticas, menos evoluídas.
Neves (1998)
demonstra que Michel Fain traz uma abordagem complementar a de Marty. Esse
autor defende a idéia de que uma sobrecarga de excitação que ultrapassa os
limites do ego para responder, quer por imaturidade, no caso do bebê, quer por
um desenvolvimento precário, no adulto.
Escola de Boston e Conceito de Alexitimia
Durante
a década de 1970, dois analistas americanos, Jonhn Nemiah e Peter
Sifneos, se propuseram a realizar pesquisas sobre a forma diferenciada de
se comunicar dos pacientes psicossomáticos, através de um estudo com análise de
entrevistas psiquiátricas, gravadas com pacientes que apresentavam alguma
doença psicossomática clássica; constataram que alguns desses pacientes
demonstraram uma impressionante
dificuldade de expressar ou descrever suas emoções através da palavra, assim
como uma acentuada diminuição dos pensamentos fantasmáticos.
Através de
outras observações estes autores concluíram que os pacientes com doenças
psicossomáticas clássicas, apresentavam freqüentemente uma desordem específica
nas suas funções afetivas e simbólicas, acarretando uma forma de se comunicar
confusa e improdutiva. Esta maneira peculiar de se comunicar desses pacientes,
foi denominada alexitimia, que significa falta de palavras para as emoções
(Taylor, 1990).
Cerchiari
(2000) diz que apesar desses estudos atuais demonstrarem que essa maneira
peculiar de se comunicar não é específica dos pacientes com doenças
psicossomáticas clássicas, a contribuição de Nemiah e Sifneos é de importância
fundamental, pois chamaram a atenção para um aspecto do funcionamento psíquico
e apontaram , uma direção a tomar sobre a exploração da vida intra-psíquica via
estudo da comunicação entre paciente e analista.
Perspectiva
evolucionista
De acordo com
essas teorias o aparelho psíquico não é um acessório de luxo do desenvolvimento
humano, mas ele exerce uma função essencial de assimilação e elaboração dos
estímulos provenientes da realidade externa e do meio interior. Se o curso
normal do desenvolvimento humano aponta para a formação de estruturas, de
dinâmicas e de funções cada vez mais complexas, é necessário considerar que o
objetivo desse desenvolvimento é sobretudo assegurar o equilíbrio de um
organismo permanentemente solicitado por estímulos externos e internos. Mas
para atingir esse equilíbrio, algumas vezes o organismo responde a essas
solicitações através de respostas anacrônicas, primitivas, menos elaboradas do
que é ou já foi capaz. O ser vivo não é capaz apenas de organizações,
hierarquizações e de associações, mas também objeto de movimentos regressivos e
destruição e desorganização. A patologia também faz parte dos meios do
individuo para regular sua homeostase, ou suas relações com o meio.
Neves (1998)
destaca que além dessas perspectivas, deve-se destacar um outro enfoque que,
partindo da noção de vazio representacional e da dificuldade em utilizar
recursos mentais para lidar com sobrecargas de estimulação, vai em outra
direção: Christophe Dejours, por exemplo, trabalha com a importância das
relações intersubjetivas e com a noção de intencionalidade do sintoma, conceito
fenomenológico diferente de intenção.
http://www.psicologado.com/site/psicopatologia/psicossomatica/psicossomatica-historia
Síntese e Reflexão a Partir dos Diversos Modelos
O maior legado de Freud (1894) para as
investigações psicossomáticas se deve ao conceito de conversão individual. Esse termo- “conversão”-
foi utilizado por Freud para explicar a “transposição de um conflito
psíquico na tentativa de resolvê-lo em termos de sintomas somáticos, motores ou
sensitivos”. (Laplanche e Pontalis, 1995, p.103). No fim do século XIX,
essa idéia, amplia o desenvolvimento das investigações psicossomáticas,
reinaugurando “o campo da psicossomática, que se veio a estender por dois
grandes ramos de investigação” (Cardoso, 1995, p.37).
O primeiro ramo da história da psicossomática se
refere à Escola Americana, representada por Franz Alexander e Dunbar, cuja via
de investigação tem como ponto de partida o modelo médico, onde estes procuram
correlacionar determinados tipos de personalidades com doenças orgânicas
específicas. Nessa mesma perspectiva, outra área de investigação, que também se
desenvolveu muito nos anos 30 e que muito contribuiu para os avanços nas
investigações psicossomáticas, se refere às “investigações experimentais
acerca das variáveis fisiológicas das emoções, em torno das descobertas de
Walter Cannon e Hans Selye” (Dantzer, 1989, cit. Cardoso, 1995, op. cit.).
Nesse período, esses dois movimentos se aproximam,
mas as investigações não ultrapassam os dados estatísticos e discordantes em
relação “a descrição das diferentes personalidades acopladas ao órgão e sua
doença”. (A. Dias, 1992, op. cit.). Em decorrência da não extrapolação dos
dados estatísticos e da não valorização da história pessoal do indivíduo e da
gênese inconsciente das doenças, essa concepção esgotou em “seu próprio
processo descritivo”. (Cardoso, 1995, op. cit.). No entanto, as
contribuições da Escola Psicossomática Americana, especificamente Alexander e
Dunbar, e as de Cannon e Selye foram fundamentais para a consolidação do
movimento psicossomático, assim como para a influência sobre uma medicina
integral e humanista. Contudo, ao sair em busca do entendimento holístico dos
fenômenos, essa concepção “também se descaracterizou e o que ganhou em
extensão parece ter perdido em profundidade” (Cardoso, 1995, loc. cit.).
O segundo grande ramo das investigações psicossomáticas
diz respeito àqueles que “tentaram e em grande parte conseguiram - unificar
o discurso e o modo de relação de objecto subjacentes à doença psicossomática”
(A. Dias, 1992, p. 39). Trata-se da Escola Psicossomática de Paris, que propõe
uma nova forma de escutar o indivíduo, viabilizando uma nova leitura do sintoma
e do sofrimento emocional ao atribuir um valor positivo ao fenômenos, “mesmo
se a natureza própria dos fenômenos assenta numa negatividade simbólica e
sintomática” ( A. Dias, 1992, cit., Cardoso, 1995, op. cit.).
Seguindo essa mesma concepção, outros autores
trouxeram sua valiosa contribuição para o movimento psicossomático. Contudo,
essas contribuições não propiciaram resolução quanto à fundamentação
epistemológica da psicossomática. Nesse sentido, A. Dias (1994, cit. Cardoso,
1995, op. cit.), de posse das contribuições epistemológicas de Bion, coloca o
adoecer psicossomático no contexto da relação entre pensamento, emoção e
aparelho de pensar o pensamento, onde o fenômeno alexitímico deve ser visto
como manifestação da separação entre o pensamento e aparelho de pensar o
pensamento.
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