quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

A CONCEPÇÃO DE FREUD DA FUNÇÃO DA MÃE COMO ESCUDO PROTETOR



A CONCEPÇÃO DE FREUD DA FUNÇÃO DA MÃE COMO ESCUDO PROTETOR       

   Por José Ottoni Outeiral
       
                        Masud khan, para fundamentar sua noção de trauma  acumulativo, utiliza a concepção de Freud sobre a função da mãe como escudo protetor, desenvolvida em  Além do princípio de prazer  ( 1920 ) onde é apresentado um esquema conceitual sobre o destino de um organismo vivo em um ambiente. Freud sugere que imaginemos "um organismo vivo em sua mais simplificada forma como uma vesícula indiferenciada de uma substância que é sensível de estimulação " através de fontes de estímulos externas e internas. Freud segue escrevendo que "...então, a superfície voltada para o mundo externo, pela sua própria situação, se diferenciará e servirá de órgão para receber estímulos". Esta superfície gradualmente formará uma crosta, diz o autor, que acabará se transformando em escudo protetor. A proteção contra os estímulos é uma função tão importante para o organismo vivo como a recepção destes. Esta crosta sensível, que posteriormente se constituirá no sistema consciente, tem seu próprio estoque de energia, " deve, antes de mais nada, preservar os modos especiais de transformaçãode energia que nele operam contra os efeitos ameaçadores das enormes energias em ação do mundo externo " e receberá, evidentemente, excitações do mundo interior, em relação as quais, entretanto, é menos eficiente que ao lidar com os estímulos externos. Masud khan explica que para fugir ao desprazer provocado pelas excitações do mundo interior o organismo vivo trata de projatá-las para o ambiente ( exterior ) e tratá-las como se viessem de fora e não de dentro e colocando o escudo protetor como um meio de defesa. Masud Khan, cita textualmente o seguinte texto de Freud, o que eu faço também pela clareza com que a idéia é expostata :
       
                " ( neste contexto, descreveu Freud, como traumáticas quaisquer )...excitações provindas de fora que sejam suficientemente poderosas para atravessarem o escudo protetor. Parece-me que o conceito de trauma implica necessari5amente uma conexão desta espécie com uma fenda numa barreira contra estímulos que, em outras circunstância seria eficaz. Um acontecimento como um trauma externo está destinado a provocar um distúrbio em grande escala no funcionamento da energia  do organismo e a colocar em movimento todas as medidas defensivas possíveis. Ao mesmo tempo o princípio de prazer é, momentaneamente, posto fora de ação. Não há mais possibiliade de impedir que o aparelho mental seja imundado com grandes quantidades de estímulos; em vez disso, surge outro problema - o de controlar as quantidades de estímulo que irromperam e ligá-los, no sentido psíquico, de maneira que possam ser destruidos... o que nós procuramos compreender são os efeitos produzidos sobre o órgão da
mente  pela fenda no escudo contra estímulos e pelos problemas que ela acarreta. E ainda atribuimos importância ao elemento pavor, causado pela falta de qualquer preparação para a ansiedade, incluindo a falta de hipercatexia dos sistemas que seriam os primeiros a receber os estímulos. Em virtude de sua baixa catexia  tais sistemas não se acham em boas condições para ligar as quantidades afluentes de excitação e as consequencias da fenda no escudo protetor sobrevem com maior facilidade. Disto se deduz, portanto, que a preparação para a ansiedade e a hipercatexia dos sistemas receptores constitui a ultima linha de defesa contra os estímulos. No caso de muitos traumas, a diferença entre sistemas despreparados  e sistemas bem preparados pela hipercatexização pode ser fator decisivo na determinação do resultado; se bem que, quando a intensidade do trauma ultrapassa certo limite, esse fator sem dúvida alguma, deixará de influir ". 

A FUNÇÃO DA MÃE COMO ESCUDO PROTETOR PARA MASUD KHAN EM RELAÇÃO A SEU CONCEITO DE TRAUMA ACUMULATIVO
                       
                        Masud Khan desenvolve a concepção de que a mãe exerce uma função como escudo protetor de seu bebê, observação que, de certa forma, já havia sido feita por Freud com seu neto, a criança  do carretel ou do "fort-da ", conhecida de todos nós. A questão original organizada por ele se refere, mais especificamente, ao conceito de trauma cumulativo. Ele escreve o seguinte ( Khan, 1963 ):

                        "Meu argumento é que o trauma cumulativo resulta de fendas observadas no papel da mãe como escudo protetor durante todo o curso do desenvolvimento, desde a infância até a adolescência - isto é, em todas as áreas da experiência onde a criança precisa da mãe como um ego auxiliar para sustentar suas funções do ego, ainda imaturas e instáveis... O trauma cumulativo procede, portanto, das tensões que uma criança  experimenta no contexto da sua dependência de ego com relação à mãe como seu escudo protetor e ego auxiliar... Nesse contexto, seria mais exato dizer que essas fendas, repetidas no correr do tempo e entremeadas no processo de desenvolvimento, se acumulam de forma sileenciosa e invisível. Daí a dificuldade de identificá-las clinicamente na infância. Pouco a pouco vão-se fixando até formarem os traços específicos de determinada estrutura de caráter ( greennacre, 1958 ). Gostaria de limitar-me apenas a declarar  que o emprego da palavra trauma no coneito de trauma cumulativo não nos deve levar erroneamente a considerar tais fendas observadas no papel da mãe como escudo protetor como traumáticas na época ou no contexto em que ocorreram. adquirem valor de trauma cumulativamente e retrospectivamente... Deve ajudar a substituir reconstruções incriminadoras como mães más, rejeitadoras ou sedutoras, bem como construções antropormóficas - os objetos parciais - tais como seio " bom " e "mau". Em seu lugar poderia ser feito um exame mais convincente do interjogo patogênico de variáveis específicas inerentes ao relacionamento total do equipamento físico e psíquico da criança e de como o ambiente enfrenta esse interjogo... ".

                        Na verdade, temos de compreender esta última preocupação de Masud Khan dentro da situação vivida, na época, na Sociedade Psicanálitica Britânica, com a ênfase posta ( penso que seria melhor dito, com a nem sempre pertinente interpretação do pensamento Kleiniano ) excessivamente no "mundo interno ". Acredito que esta questão já havia sido magistralmente esclarecida por Freud, em 1905,com a noção de série complementar, onde a correlação entre constituição e vivências infantis fica perfeitamente estabelecida. Masud Khan, na tradição do middle group, ao formular sua tese sobre o trauma acumulativo, "freudianamente ", reitera este conceito. Sugiro ao leitor, se tiver curiosidade e tempo para  tanto, ler a biografia de Masud Khan  ( Cooper, 1993; Limentani, 1993 ), particularmente o relato de sua infância e a relação com seus pais, asim como o  seu vínculo com Anna Freud, que além de ter sido sua supervisora e amiga, o acolheu no final de sua vida, quando a doença que o atingiu física e mentalmente produziu o afastamente de muitos de seus antigos colegas..
                        Masud Khan utiliza também alguns dos conceitos básicos de Donald W. Winnicott para desenvolver suas idéias. Para ele o que leva a mãe a desenvolver o papel de escudo protetor é o que Winnicott chama de  preocupação materna primária, onde a  mãe suficientemente boa através de suas funções de holding, handling e apresentação de objeto interaje com seu bebê. O conceito de intrusão ( impingmente ) também é fundamental. Ele escreve ( Khan, 1963 ):
                       
                        "É a intromissão das necessidades e conflitos pessoais da mãe que caracterizo como fracasso no  papel que desempenha como escudo protetor. O papel da mãe como escudo protetor não é passivo; é uma atitude alerta, de adaptação e organização. O papel de escudo protetoré o resultado das funções de ego maternas autônomas e isentas de conflitos. Se os conflitos pessoais interferirem aqui, o resultado será um desvio do papel de escudo protetor para o de simbiose ou fuga para uma rejeeição. Como a criança reagirá a esses fracassos depende da natureza, intenisdade, duração e frequência do trauma ".

                        Em um trabalho posterior Distorção do ego, trauma acumulativo e o papel da reconstrução na situação analítica ( Khan, 1964 ), Masud Khan retoma as questões que estamos abordando e discorre sobre as  [ 1] ( disturbio do ego e trauma acumulativo )perturbações que ocorrem no ego e a  [ 2 ] ( aspectos técnicos da reconstrução na situação analítica ) reconstrução na situação analítica. Ele desenvolve suas idéias da seguinte maneira:
                       
                        "Reafimando minha hipótese resumidamente: o trauma acumulativo tem início no período de desenvolvimento em que criança precisa e usa a  mãe ( ou quem a substitua ) como seu escudo protetor. Para um crescimento sadio, a criança precisa de um mínimo de estabilidade básica e confiança nessa função da mãe como escudo protetor. Os inevitáveis fracassos temporários da mãe como escudo protetor não só se corrigem e são recuperáveis na evolutiva complexidade e na articulação do processo maturacional, mas forncecem também alimento e estímulo para novas funções no que se refere a crescimento e domínio do ambiente. Só quando esses fracassos da mãe como escudo protetor forem importantes e frequentes; quando tiverem ritmo de um padrão; e quando levarem a invasões na integração do psique-soma da criança, invasões que ela não tenha como eliminar, só então esses fracasssos fixam um núcleo de reações patogênicas. Tais reações, por sua vez, iniciam um processo de interjogo com a mãe e com o ambiente, que, além de inetrferirem na adaptação da mãe à criança, tem também consequencias funestas na formação do ego emergente da criança. É importante frisar novamente que nenhum tio de  fracasso da mãe ou invasão decorrente do papel da mãe como escudo protetor é, por si só, traumático em qualquer sentido identificável para a criança neste período. Daí a dificuldade de diagnosticar e corrigir, na época, tal fracasso no papel da mãe como escudo protetor. O trauma acumulativo, portanto, se estabelece de maneira silenciosa e invisível durante toda a infância até a adolescência e deixa marcas em todas as fases vitais do desenvolvimento psicossexual, que, mais tarde, poderão ser clinicamente observadas na patologia do ego e na formação do caráter do tipo esquizóide ".

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