QUESTÃO DO
TRAUMA EM PSICANÁLISE
Por JOSE OUTEIRAL
Utilizo
como referencial, teórico e clínico, em relação a este tema duas vertentes
básicas: as fundamentais contribuições de Freud sobre o trauma em psicanálise e a original abordagem de Masud Khan ( Khan,
1963; 1964 ) sobre o que ele denominou trauma
acumulativo.
Laplanche e Pontalis
(Laplanche e Pontalis, 1987 ), em seu Dicionário de Psicanálise,
consideram o "trauma" (ou "traumatismo psíquico") como um "acontecimento da vida do sujeito que
se define pela sua intensidade, pela
incapacidade que se encontra o sujeito de reagir a ele de forma adequada, pelo
transtorno e pelos efeitos patogênicos
duradouros que provoca na organização psíquica.. Em termos
econômicos, o traumatismo caracteriza-se por um afluxo de excitações que é
excessivo em relação à tolerância do sujeito e à sua incapacidade de dominar e
de elaborar psíquicamente estas excitações ".
Masud
Khan ( Khan, 1963 ), em seu clássico trabalho O conceito de trauma acumulativo,
dividiu a evolução do conceito de trauma em psicanálise em cinco períodos, não
excludentes e complementares entre si, o que para ele revela a complexidade
metapsicológica deste tema para a psicanálise.
1.
Em uma primeira fase, de 1885 a 1905, o conceito de trauma exercia "um
papel vital e importantíssimo ". O trauma
era "basicamente concebido como ( a ) um fator ambiental que invade o ego
e que o ego não pode enfrentar mediante ab-reação ou elaboração associativa...
e ( b ) como um estado de energia libidinal estrangulada que o ego não consegue
descarregar ". O núcleo da situação traumática, como sabemos, foi
inicialmente a sedução sexual que, posteriormente foi em grande parte
abandonada por um Freud contrafeito, ao perceber que a sedução jamais havia ocorrido
em realidade e que era produto da fantasia de seus histéricos. A ansiedade
neurótica resultava da libido sexual modificada e o mecanismo de defesa central
era a repressão. Este período correspondia ao desenvolvimento dos conceitos
básicos para a compreensão do inconsciente:
"trabalho do sonho, formação do sintoma e a etiologia da histeria e da
neurose obsessiva ".
2.
A segunda fase, de 1905 a 1917, é caracterizada pela busca de compreender o
desenvolvimento sexual infantil e estabelecer as bases da
"feiticeira" , isto é, a metapsicologia. Masud Khan escreve que
"em termos do desenvolvimento sexual infantil e da teoria da libido, as
situações traumáticas paradigmáticas são (a ) ansiedade de castração, ( b )
ansiedade de separação, ( c ) cena originária e ( d ) complexo de Édipo" .
Masud Khan produz a seguinte écriture ( Khan, 1963 )
" O
trauma está afeto à força e urgência das
pulsões sexuais e à luta do ego contra
elas. É em termos da fantasia inconsciente e da realidade psíquica interna que
todos os conflitos e consequentes situações traumáticas são examinados. Na
última metade desta fase Freud apresentou sua primeira declaração sistemática
da metapsicologia e temos, então, de um lado, o conceito de libido do ego,
narcisismo primário, ideal de ego e, de outro, um exame minucioso dos
mecanismos de introjeção, identificação
e projeção ".
3.
A terceira fase vai de 1917 a 1926 e corresponde a "fase final "do
pensamento metapsicológico de Freud. Masud Khan
(Khan, 1963) continua desenvolvendo o tema ao escrever :
" Em Além do princípio de prazer (1920) encontramos a primeira palavra sobre a
compulsão à repetição como um princípio de funcionamento psíquico e sua relação
com a pulsão de morte (princípio de inércia na vida orgânica). Aqui, chegou
Freud à teoria dualística das pulsões e da distinção anterior entre pulsões do
sexuais e pulsões do ego passou à dualidade de pulsões de vida versus pulsões
de morte. Com a hipótese da dualidade
das pulsões e da compulsão à
repetição, e com a definição de estruturas psíquicas em termos de ego, id e
superego (1923), o conceito de trauma adquiriu um referencial exclusivamente
intersistêmico e pulsional. A vasta literatura sobre culpa, masoquismo,
melancolia, depressão e situações de ansiedade interna documentam fartamente
esses traumas e como o ego os enfrenta. A maior e mais pormenarizada exposição
sobre esses traumas intersistêmicos e pulsionais é talvez a de Melanie Klein
(1932) na descrição que fez das posições paranóides e depressivas. Nas
perquisas de Freud, esta fase atinge o auge na sua revisão do conceito de
ansiedade, em Inibições, sintomas e ansiedade (1926) ".
4.
A quarta fase, de 1926 a 1939, inicia com a revisão do conceito de ansiedade e
o desenvolvimento da psicologia do ego. Masud Khan (Khan, 1963)
assim define esta etapa:
"
Strachey ( 1959 ) nos dá um resumo magistral do conceito de ansiedade de Freud.
Comentarei apenas o fato de que em Inibições,
sintomas e ansiedade, Freud
distinguiu muito claramente as situações traumáticas das situações de perigo,
relativas às quais há dois tipos de ansiedade: ansiedade automática e ansiedade
como sinal de aproximação deste trauma. "O determinante fundamental de uma
ansiedade automática é a ocorrência de uma situação traumática; e a essência
desta é uma experiência de desamparo por parte do ego, diante de um acúmulo de
excitação... os diversos perigos específicos capazes de precipitar uma situação
traumática em diferentes épocas da vida. Em resumo, são elas: nascimento, perda
da mãe como objeto, perda do pênis, perda do amor do objeto e perda do amor do
superego.
Com
a modificação sofrida no conceito de ansiedade e situações traumáticas, o papel
do meio ambiente ( mãe ) e a necessidade de " auxílio externo "nas situações de desamparo se
situam bem no centro do conceito de trauma. Desse modo, as fontes
intrapsíquicas, intersistêmicas e ambientais de trauma ficam integradas num
referencial unitário. Já no fim desta fase, nos seus dois escritos Análise terminável e interminável ( 1937
) e A divisão do ego no processo de
defesa ( 1940 ), Freud focalizou sua atenção no ego em termos das
modificações sofridas no decorrer de conflitos defensivos da primeira infância,
assim como através de variações primárias congenitas e dos disturbios da função
sintética do ego ".
Nesta
etapa as contribuições de Donald Winnicott e de outros autores do chamado middle group da Sociedade Britânica de
Psicanálise com a ênfase que colocam no papel do ambiente facilitador e da
noção de intrusão ( impingement ),
assim como do conceito de falta básica ( basic fault ) de Balint,
assumem um papel central na compreensão destes fenomenos.
5.
A última fase, que compreende o período que vem desde 1939 até hoje, retoma os
elementos da fase anterior "e toda uma nova ênfase dada ao relacionamento mãe-filho alteraram o
nosso próprio referencial para a
discussão da natureza e do papel do trauma ", considera Masud Khan ( Khan,
1963 ).
Em
um trabalho sobre a questão do trauma, El trauma y el inconsciente, ,Myrta Casas
de Pereda ( Pereda, 1996 )faz uma
abordagem que incluui a concepção Freudiana de trauma, a evolução deste
conceito e suas implicações
metapsicológicas.
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