Desenvolvimento
neuropsicomotor infantil
A seguir,
descreveremos de forma sucinta as principais manifestações clínicas precoces
com risco de sofrimento psíquico infantil, baseadas nas proposições de
Geissmann e Geissmann (1993) e Mazet e Stoleru, (1990), citados por Paravidini
(2002):
‹ Uma atitude de docilidade particular
Indiferença
em relação ao mundo exterior, às pessoas (não balbucia; ausência de choro
quando deixado só) e aos brinquedos.
‹ Transtornos tônico-posturais e psicomotores
Hipotonia,
fazendo-se acompanhar de uma falha de ajustamento postural (não procura se
endireitar nem se agarrar, não manifesta prazer, parecendo muito indiferente à
situação e à posição que ocupa). Ausência da atitude antecipatória. Retardos do
desenvolvimento psicomotor são também característicos.
‹ As anomalias do olhar
A
comunicação através da procura do Outro pelo olhar é precocemente perturbada.
Essas crianças parecem querer olhar através das pessoas ou varrer o horizonte
não parando sobre coisa alguma (“olhar periférico”). A criança em risco de
psicotização pode também lançar um olhar furtivo (olhar por olhadelas) e
apresentar estrabismo.
‹ Não aparecimento dos organizadores de R. Spitz
a)
Ausência ou atraso do sorriso no terceiro mês, diante do rosto da mãe.
Trata-se
da ausência do “primeiro organizador” descrito por Spitz (1965): o sorriso da
criança como resposta ao rosto humano.
b) A
ausência de choro entre os seis e doze meses por ocasião do afastamento da mãe
ou diante de uma pessoa estranha.
Aqui
faz-se presente o “segundo organizador” (Spitz, 1965), conhecido como “angústia
do oitavo mês”. Através desta ausência de reação, a criança expressa a
indiferença à qual chegou em relação a seu meio ambiente.
‹ Fobias maciças
São
precoces e pouco organizadas. Trata-se de medos que se reproduzem
sistematicamente em presença de um objeto, ou numa situação precisa e sempre
idêntica. São de particular intensidade e de caráter abrangente, sobrevindo em
crianças em processo de psicotização no início do segundo ano. São fobias a certos
barulhos e objetos (ex. aparelhos domésticos).
‹ Transtornos somáticos funcionais
a)
Transtornos alimentares:
São
distúrbios mais precoces, podendo ser uma falha na sucção, anorexia, vômitos,
regurgitação, recusa do seio ou chupeta. Nota-se bastante freqüentemente quando
da tentativa de diversificação de alimentos, sobretudo na recusa de mastigar, o
que obriga a se estender por muito tempo a ingestão de alimentação láctea ou
pastosa.
b) Transtornos do sono
Trata-se
de insônias precoces que sobrevêm desde o terceiro mês. Podem ser de dois
tipos: a criança dorme normal e rapidamente se agita em movimentos de auto
agressividade, ou a insônia chamada calma, a criança é encontrada na cama
acordada de olhos escancarados e sem se mexer, quieta.
c) Transtornos esfincterianos
Pode-se
observar constipações funcionais muito precoces devidas à retenção das matérias
fecais.
‹ As estereotipias
São
intrigantes por sua repetição imutável. São comuns: jogos de mãos diante dos
olhos, que podem se complicar mais tarde com batimentos dos braços como se
fossem asas; de uma volta sobre si mesma; e de trazer junto do rosto objetos
que são logo cheirados. Esses estereótipos têm como características não
cessarem ao contato com o adulto e de tomar cada vez mais tempo das atividades
com os mordentes, guizos, etc.
‹ Ausência de objeto transicional
O objeto
transicional, segundo a descrição de Winnicott (1951), trata-se de um objeto
mole, doce, no qual a criança investe e tem prazer em conservar consigo mesma.
No que concerne à criança autista, uma das possibilidades é ela nunca ter tido
um objeto privilegiado com estas características. Quando a criança traz consigo
algum objeto, este é, comumente ‘duro’, sendo utilizado em função desta
sensação de dureza que oferece e nãopor sua funcionalidade.
‹ Incapacidade de brincar
Este
sinal aparece um pouco mais tardiamente no decurso do segundo ano. É um
ponto importante por ser facilmente
observado. Para Winnicott (1952, p. 385): “[...] trata-se de um exagero
grosseiro da preocupação normal da criança saudável durante o jogo”,
distinguindo- se do jogo saudável pela falta de um início e de um fim, pelo
grau de controle mágico, pela falta de organização do material do jogo de
acordo com qualquer padrão.
Além dos
autores anteriormente referenciados, outros também descreveram algumas das
principais manifestações clínicas de crianças com TIDs.
Chiappini
e Miyares (1997) formularam, a partir das concepções de Tustin (1981) e de suas
experiências clínicas: a Tabela Interpretativa Psicogenética, que visava à
detecção precoce de Autismo Infantil em bebês, no primeiro ano de vida.
Porém, de
acordo com os autores, devemos levar em consideração a artificialidade de
tabelas que visam à detecção precoce de sinais clínicos de sofrimentos psíquicos,
na medida em que estas não respondem às particularidades de cada criança, bem
como observar a qualidade dos sinais de risco, sua intensidade e sua
persistência no tempo.
Embora
existam pontos em comum com os sinais clínicos anteriormente expostos por Geissmann
e Geissmann (1993) e Mazet e Stoleru (1990, apud Paravidini, 002), a Tabela Interprettiva Psicogenética se
destaca em função de sua estruturação basear-se numa articulação teórica
psicanalítica, cujo conceito básico se refere às manobras protetoras precoces
frente a uma ruptura traumática.
Desse
modo, as manobras protetoras frente à ruptura traumática se baseiam:
1. Na
exacerbação patológica da reação de evitação, reação que se produz quando a mãe
e o bebê têm fugazes desencontros transitórios e temporários;
2. No
estado de excitação permanentemente autogerado, que tem uma predominância
táctil, que buscam um contorno ou um limite continente, quando tenha falhado a
continência do objeto, sendo uma defesa frente às angústias primitivas como
cair sem fim, esparramar-se, romper-se em pedaços ou fazer frente a estímulos
intoleráveis.
A Tabela
Interpretativa Psicogenética de Chiappini e Miyares (1997) apresentada no
trabalho de Paravidini (2002) dispõe-se da seguinte maneira:
I - REAÇÃO DE EVITAÇÃO
A. Bebê ignora
aos outros:
- É
indiferente a todo intento de aproximação;
- É
indiferente à separação;
- Não sorri
depois do terceiro mês; raridade de sorrisos;
- Há uma
ausência de olhar; olhar inadequado;
- Evita o
contato olhos nos olhos; vira a cabeça para não olhar nos olhos;
- Olhar
periférico;
- Não se
comunica com a voz; não balbucia; ecolalia.
B.
Tranqüilidade particular:
-
Hipotonia;
- Hipersonia;
insônia calma;
- Dá a
impressão de surdez;
- Não tem
gestos antecipatórios;
- Não se
agarra quando levantado;
- Dificuldade
de sucção;
- Anorexia;
- Mantém a
deglutição primária, não mastiga;
- Não suga
o polegar;
- Perda de
funções adquiridas;
- Atraso ou
falta de sustentação da cabeça ou da posição sentada.
II-
REAÇÃO DE EXCITAÇÃO PERMANENTE DE PREDOMÍNIO TÁCTIL
A. Usa
objetos duros que provêm sensações ao corpo, giram, apertam, enroscam.
Corpo
duro musculoso (segunda pele):
-
Hipertonia;
- Não se
amolda ao corpo quando pego;
- Insônia
agitada;
- Agressão
e auto-agressão.
B.
Figuras de sensação:
-
Originadas em suas próprias substâncias corporais (saliva, fezes, urina);
- Estereotipias
- balanceio, jogos com as mãos, “bater de asas”, girar sobre si mesmo, marcha
particular, tocam e esfregam-se em superfícies.
Autores
como Lamour e Barraco (1998, citados por Tavares, 2004), utilizando-se de
estudos e observações com bebês menores de 18 meses, que tinham sido expostos a
falhas graves de parentalidade, descrevem a sintomatologia que revela uma
dificuldade, uma perturbação da interação “mãe-jovem criança/bebê” ou “pai-mãe-jovem
criança/bebê”. Elas descrevem:
Na
criança:
-
distúrbios psicossomáticos e funcionais (distúrbios do sono, alimentares,
respiratórios
e/ou da pele);
-
distúrbios de humor: medos, fobias;
-
distúrbios do desenvolvimento (que não têm uma causa orgânica): intelectual,
psicomotor,
do tônus e/ou o contato;
-
dificuldades no controle da agressividade.
Do lado
dos pais, toda a sintomatologia revelando:
-
distúrbios psíquicos do pós-parto;
- estados
psicóticos;
- estados
depressivos ou depressão;
- condutas
aditivas;
-
neuroses graves;
-
distúrbios do comportamento;
-
maus-tratos (negligência, espancamentos).
Sendo
assim, as manifestações clínicas de sofrimentos psíquicos na criança dizem,
então, não dos sintomas por si só, mas, sim, da dificuldade ou perturbação no
laço afetivo- simbólico, revelando-se por meio desses sintomas ou acompanhada
desses sintomas.
Com isso,
podemos perceber como os sinais de sofrimento psíquico da criança podem ser
discretos e o quanto esses sinais dizem respeito principalmente a toda a esfera
relacional e tônica-motor. No âmbito da esfera tônica-motor, temos, por
exemplo, bebês “hipotônicos ou hipertônicos”, que dificultam os ajustamentos
mãe/bebê porque são difíceis de carregar no colo, o que faz com que os contatos
entre mãe e bebê fiquem cada vez mais raros. Na esfera relacional, a ausência
de interações lúdicas e vocais por parte da mãe faz com que ela responda,
raramente, às vocalizações de seu bebê, o que compromete a relação, as trocas
entre mãe-criança.
SPITZ,
René A. O primeiro ano de vida. 2ª edição. São Paulo. Martins Fontes, 2000.
MAZET
& STOLERU. Manual de Psicopatologia
do recém-nascido. Artmed. Porto Alegre. 1990
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