Cada
um de nós é um sistema composto de subsistemas que são, por sua vez, compostos de
subsistemas ainda menores. Pequenas células se organizam para formar órgãos do sistema
como o estômago, o coração e o cérebro. Esses órgãos, por sua vez, formam sistemas
maiores para o processamento da digestão, da circulação e da informação. E esses
sistemas são parte de um sistema ainda maior - você, que por sua vez é parte da
sua família, da sua comunidade e da sua cultura. Nós somos sistemas biopsicossociais,
e assim, para entender mais profundamente nosso
comportamento,
devemos estudar como os sistemas biológico, psicológico e social funcionam e interagem.
Em todos os níveis, os psicólogos examinam como processamos a informação - como
apreendemos a informação; como a organizamos, interpretamos e armazenamos; e como
a usamos. Para os cientistas, é um fortúnio da natureza o fato de que os sistemas
de informação de humanos e outros animais funcionem de maneira semelhante - tão
semelhante, na verdade, que você não conseguiria distinguir entre pequenas amostras
de tecido cerebral de um ser humano e de um macaco. Essa semelhança possibilita
que os pesquisadores estudem animais simples, como lulas e lesmas marinhas,
para descobrir como nossos sistemas neurais operam, e estudem o cérebro de mamíferos
para entender a organização do nosso próprio cérebro. Embora o cérebro humano
seja mais complexo, ele obedece a princípios que regem todo o mundo animal.
OS NEURÔNIOS
O
sistema de informação neural do nosso corpo é a complexidade criada da simplicidade.
Seus componentes básicos são os neurônios, ou células nervosas. Existem muitos
tipos diferentes de neurônios, mas eles são todos variações sobre o mesmo tema.
Cada um consiste em um corpo celular e suas fibras ramificadas. As fibras são de
dois tipos: os dendritos cerrados recebem informação, e os axônios passam a
informação adiante para outros neurônios ou para os músculos e as glândulas. Diferentemente
dos dendritos curtos, os axônios são às vezes muito longos, estendendo-se vários
metros pelo corpo. Um neurônio conduzindo ordens para um músculo da perna tem
um corpo celular e um axônio que estão, aproximadamente, na proporção de uma
bola de basquete presa a uma corda de 6,5 quilômetros de extensão. Uma camada de
tecido adiposo, denominada bainha de mielina, isola os axônios de alguns
neurônios e ajuda a acelerar seus impulsos. As provas da importância da bainha de
mielina aparecem na esclerose múltipla, doença na qual ocorre a degeneração da bainha
de mielina. O resultado é uma redução de toda a comunicação com os músculos e a
perda final do controle muscular. Dependendo do tipo de fibra, o impulso neural
viaja a velocidades que vão de uma lenta marcha de 3 quilômetros por hora até que algumas fibras mielinizadas, uma
marcha vertiginosa de 320 quilometros ou mais por hora. Todavia, mesmo essa velocidade
superior é 3 milhões de vezes mais lenta
que a velocidade da corrente elétrica
através de um fio. Medimos a atividade cerebral em milissegundos (um milésimo de
segundo) e a atividade de computadores em nanossegundos (um bilionésimo de asgundo).
Isso ajuda a explicar por que, diferentemente das reações quase instantâneas de
um computador de alta velocidade, a reação que você tem a um evento repentino,
como uma criança correndo na frente do seu carro, pode levar um quarto de segundo
ou mais. Um neurônio emite um impulso quando recebe sinais de receptores sensoriais
estimulados por pressão, calor ou luz, ou quando é estimulado por mensagens químicas
de neurônios adjacentes. O impulso, denominado potencial de ação, é uma curta
descarga elétrica que percorre um axônio, parecido com uma fileira de dominós caindo, cada um deles derrubando
o seguinte. Isso é eletricidade real. Um punhado de neurônios juntos produz
força suficiente para acender uma lâmpada de lanterna. O neurônio é um
minúsculo dispositivo de tomada de decisão que executa alguns cálculos complexos. De centenas
até milhares de outros neurônios, ele recebe sinais em seus dendritos e em seu
corpo celular. Alguns desses sinais são excitatórios, semelhantes a um
pisar no acelerador do neurônio. Outros sinais são inibidores, como pisar
em seu freio. Se os sinais excitatórios menos os sinais inibi dores ultrapassarem
uma intensidade mínima, denominada limiar, os sinais combinados desencadearão
um impulso.
O impulso
elétrico (o potencial de ação) se propaga pelo axônio, que se ramifica em entroncamentos
com centenas ou milhares de outros neurônios e com músculos e glândulas do corpo.
Aumentar o estímulo acima do limiar, porém, não aumentará a intensidade do impulso.
(A reação do neurônio é uma resposta tudo ou nada; tal como um revólver,
os neurônios disparam ou não.) Nem a força do estímulo afetará a velocidade do impulso.
Como,
então, detectamos a intensidade de um estímulo? Como distinguimos um toque suave
de um abraço apertado?
Um estímulo
forte não pode acionar um impulso mais forte ou mais rápido em um neurônio - apertar
um gatilho mais forte não faz a bala ir mais rápido. Mas um estímulo forte pode
acionar mais neurônios para dispararem e dispararem com mais frequência.
COMO OS NEURÔNIOS SE COMUNICAM
Os neurônios
se entrelaçam tão intricadamente que, mesmo ao microscópio, é difícil ver onde
um neurônio termina e outro começa. Os cientistas acreditavam que o axônio ramificado
de uma célula se fundia com os dendritos de outra, numa textura ininrerrupta. Depois
o anatomista espanhol Santiago Ramón y Cajal 1852-1934) descreveu aberturas entre
células nervosas individuais e concluiu que os neurônios individuais deviam funcionar
como agentes independentes dentro do sistema nervoso. Na mesma época, o fisiologista
inglês Sir Charles Sherrington 1857-1952) percebeu que os impulsos neurais estavam
levando um tempo inesperadamente longo para percorrer um camiaho neural. Sherrington
inferiu que devia existir uma curta interrupção na transmissão. Agora sabemos
que o terminal do axônio de um neurônio está separado do neurônio receptor por
uma pequena abertura de menos de um milionésimo de polegada de largura. Sherrington
chamou esse entroncamento de sinapse, e a abertura é denominada fenda
sináptica. Para Cajal, essas quase-uniões de neurônios - "beijos protoplásmicos",
como ele as chamava – eram outra das maravilhas da natureza. Como o impulso nervoso
executa o "beijo protoplásmico"? Como ele atravessa a pequena fenda sináptica?
A resposta é uma das mais importantes descobertas científicas de nossa época. Quando
o potencial de ação alcança os terminais situados no final de um axônio, ele aciona
a liberação de mensageiros químicos, denominados neurotransmissores. Dentro de
1/10.000 de segundo, as moléculas do neurotransmissor atravessam a fenda sináptica
e se ligam a sítios receptores no neurônio receptor – tão ajustadamente
quanto uma chave se encaixa em uma fechadura. Por um instante, o neurotransmissor
destranca pequenos canais no sítio receptor. Isso permite que átomos eletricamente
carregados penetrem no neurônio receptor, estimulando ou inibindo assim a sua
presteza para disparar. Neurotransmissores excedentes são reabsorvidos
pelo
neurônio emissor em um processo denominado reassimilação. Muitas substâncias
aumentam a disponibilidade de neurotransmissores selecionados ao bloquearem sua
reassimilação.
COMO OS NEUROTRANSMISSORES
NOS INFLUENCIAM
Pesquisadores
descobriram dezenas de neurotransmissores diferentes. Isso suscita perguntas:
determinados neurotransmissores são encontrados apenas em locais específicos?
Quais são seus efeitos? Podemos elevar ou reduzir esses efeitos por meio de drogas
ou dietas? Tais mudanças poderiam afetar nosso humor, nossa memória ou nossa
capacidade mental?
Agora
sabemos que um trajeto neural específico no cérebro
pode
usar apenas um ou dois neurotransmissores, e que determinados
neurotransmissores podem ter efeitos particulares sobre o comportamento e as
emoções. Alguns exemplos:
• A dopamina
influencia o movimento, a aprendizagem, a atenção e a emoção. Atividade
excedente nos receptores de dopamina foi ligada à esquizofrenia.
• A serotonina
afeta o humor, a fome, o sono e a excitação. O Prozac e substâncias
antidepressivas semelhantes aumentam os níveis de serotonina.
• A norepinefrina
ajuda a controlar a vigília e a excitação.
AS ENDORFINAS
Uma
descoberta importante sobre neurotransmissores ocorreu quando Candace Pert e
Solomon Snyder (1973) fixaram um rastreador radioativo à morfina, para que lhes
mostrasse aonde a morfina era levada no cérebro de um animal. Sua descoberta: a morfina, um opiáceo que
excita o humor e diminui a dor, era absorvida por receptores em áreas ligadas
ao humor e a sensações de dor. Era difícil imaginar por que o cérebro conteria
esses "receptores de ópio", a não ser que ele tivesse seus próprios opiódes
naturais. Por que o cérebro teria uma fechadura química, a não ser que ele
também tivesse a chave correspondente? Os pesquisadores logo confirmaram que o cérebro
contém vários tipos de moléculas neurotransmissoras semelhantes
à
morfina. Denominados endorfinas (abreviação de morfina endógena [produzida
dentro]), esses opióides naturais são liberados
em resposta à dor e a exercícios vigorosos. Podem, portanto, ajudar a explicar todos os tipos de
sentimentos bons, como a "euforia do
atleta", os efeitos de anestesiamento da dor da acupuntura e a indiferença
à dor em algumas pessoas gravemente feridas, como em seu Missionary Travels,
de 1857:
“David Livingstone relatou: Ouvi um grito.
Súbito, olhando em volta, vi o leão exatamente no ato de pular sobre mim. Eu estava
em cima de uma pequena elevação, e ele pegou meu ombro quando pulou, e caímos
juntos no solo. Rosnando horrivelmente perto de meu ouvido, ele me sacudiu como
um terrier faz com um rato. O choque produziu um estupor semelhante àquele que o
camundongo deve sentir após a primeira sacudida do gato. Isso causou um tipo de
devaneio em que não havia sentido de dor nem sentimento de terror, embora [eu estivesse]
bem consciente de tudo o que estava acontecendo ... Esse estado peculiar é provavelmente
produzido em todos os animais mortos pelos carnívoros; e, se é assim, é uma dádiva
misericordiosa do nosso benevolente Criador para diminuir a dor da morte.”
COMO AS DROGAS E OUTRAS
SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS ALTERAM A NEUROTRANSMISSÃO
Se
realmente as endorfinas diminuem a dor e melhoram o humor, por que não inundar
o cérebro com opióides artificiais, intensificando assim a própria química do cérebro
de se "sentir bem"? Um problema é que, quando inundado com opióides como
heroína e morfina, o cérebro pode parar de produzir seus próprios opióides naturais.
Quando o uso da droga é suspenso, o cérebro pode, em conseqüência, ficar privado
de todas as formas de opióides. Para um dependente químico, o resultado é a agonia,
que persiste até que o cérebro retome a produção de seus opióides naturais ou
receba mais opióides artificiais. Drogas que alteram o humor, desde o álcool à nicotina
e à heroína, partilham desse efeito comum: elas desencadeiam efeitos posteriores
desagradáveis e prolongados. A natureza cobra um preço pela supressão da produção
dos próprios neurotransmissores do corpo. As drogas afetam a comunicação na sinapse,
geralmente excitando ou inibindo o disparo do neurônio. As drogas agonistas excitam
imitando um neurotransmissor em particular ou bloqueando sua reassimilação. Um
agonista pode ser umamolécula de droga que seja suficientemente semelhante ao
neurotransmissor para imitar seus efeitos. Algumas drogas opióides, por exemplo,
produzem uma "euforia" temporária, ao amplificaremsensações normais de
excitação ou prazer. As drogas antagonistas inibem bloqueando os neurotransmissores
ou diminuindo sua liberação. Um antagonista pode ser uma molécula de droga que seja
parecida o bastante com o neurotransmissor natural para ocupar seu local receptor
e bloquear seu efeito, mas não suficientemente semelhante para estimular o receptor,
como moedas de um outro país que cabem em uma máquina de vender refrigerante ou
bala mas não a fazem funcionar. o veneno do botulismo causa paralisia ao
bloquear os receptores de acetilcolina (ACh), um neurotransmissor que produz movimento
muscular.
A
pesquisa sobre neurotransmissores está permitindo a criação de novas drogas
terapêuticas como aquelas utilizadas para aliviar a depressão. Mas, criar uma
nova droga pode ser mais difícil do que parece. Os cientistas sabem, por
exemplo, que os tremores do mal de Parkinson resultam da morte de células nervosas
que produzem o neurotransmissor dopamina. Todavia, dar ao paciente dopamina
como remédio não ajuda, porque a dopamina não consegue atravessar a barreira
hematencefálica, pela qual o cérebro evita que substâncias químicas
indesejáveis circulem no sangue. Mas a L-dopa, a matéria-prima que o cérebro pode
converter em dopamina, consegue se esgueirar pela barreira. Ao receberem L-dopa,
muitos pacientes obtêm melhor controle muscular.
Fonte:
Explorando a Psicologia - David G. Myers.
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