sábado, 12 de janeiro de 2013

A COMUNICAÇÃO NEURAL





Cada um de nós é um sistema composto de subsistemas que são, por sua vez, compostos de subsistemas ainda menores. Pequenas células se organizam para formar órgãos do sistema como o estômago, o coração e o cérebro. Esses órgãos, por sua vez, formam sistemas maiores para o processamento da digestão, da circulação e da informação. E esses sistemas são parte de um sistema ainda maior - você, que por sua vez é parte da sua família, da sua comunidade e da sua cultura. Nós somos sistemas biopsicossociais, e assim, para entender mais profundamente nosso
comportamento, devemos estudar como os sistemas biológico, psicológico e social funcionam e interagem. Em todos os níveis, os psicólogos examinam como processamos a informação - como apreendemos a informação; como a organizamos, interpretamos e armazenamos; e como a usamos. Para os cientistas, é um fortúnio da natureza o fato de que os sistemas de informação de humanos e outros animais funcionem de maneira semelhante - tão semelhante, na verdade, que você não conseguiria distinguir entre pequenas amostras de tecido cerebral de um ser humano e de um macaco. Essa semelhança possibilita que os pesquisadores estudem animais simples, como lulas e lesmas marinhas, para descobrir como nossos sistemas neurais operam, e estudem o cérebro de mamíferos para entender a organização do nosso próprio cérebro. Embora o cérebro humano seja mais complexo, ele obedece a princípios que regem todo o mundo animal.

OS NEURÔNIOS

O sistema de informação neural do nosso corpo é a complexidade criada da simplicidade. Seus componentes básicos são os neurônios, ou células nervosas. Existem muitos tipos diferentes de neurônios, mas eles são todos variações sobre o mesmo tema. Cada um consiste em um corpo celular e suas fibras ramificadas. As fibras são de dois tipos: os dendritos cerrados recebem informação, e os axônios passam a informação adiante para outros neurônios ou para os músculos e as glândulas. Diferentemente dos dendritos curtos, os axônios são às vezes muito longos, estendendo-se vários metros pelo corpo. Um neurônio conduzindo ordens para um músculo da perna tem um corpo celular e um axônio que estão, aproximadamente, na proporção de uma bola de basquete presa a uma corda de 6,5 quilômetros de extensão. Uma camada de tecido adiposo, denominada bainha de mielina, isola os axônios de alguns neurônios e ajuda a acelerar seus impulsos. As provas da importância da bainha de mielina aparecem na esclerose múltipla, doença na qual ocorre a degeneração da bainha de mielina. O resultado é uma redução de toda a comunicação com os músculos e a perda final do controle muscular. Dependendo do tipo de fibra, o impulso neural viaja a velocidades que vão de uma lenta marcha de 3 quilômetros por hora  até que algumas fibras mielinizadas, uma marcha vertiginosa de 320 quilometros ou mais por hora. Todavia, mesmo essa velocidade  superior é 3 milhões de vezes mais lenta que a velocidade  da corrente elétrica através de um fio. Medimos a atividade cerebral em milissegundos (um milésimo de segundo) e a atividade de computadores em nanossegundos (um bilionésimo de asgundo). Isso ajuda a explicar por que, diferentemente das reações quase instantâneas de um computador de alta velocidade, a reação que você tem a um evento repentino, como uma criança correndo na frente do seu carro, pode levar um quarto de segundo ou mais. Um neurônio emite um impulso quando recebe sinais de receptores sensoriais estimulados por pressão, calor ou luz, ou quando é estimulado por mensagens químicas de neurônios adjacentes. O impulso, denominado potencial de ação, é uma curta descarga elétrica que percorre um axônio, parecido com uma  fileira de dominós caindo, cada um deles derrubando o seguinte. Isso é eletricidade real. Um punhado de neurônios juntos produz força suficiente para acender uma lâmpada de lanterna. O neurônio é um minúsculo dispositivo de tomada de decisão  que executa alguns cálculos complexos. De centenas até milhares de outros neurônios, ele recebe sinais em seus dendritos e em seu corpo celular. Alguns desses sinais são excitatórios, semelhantes a um pisar no acelerador do neurônio. Outros sinais são inibidores, como pisar em seu freio. Se os sinais excitatórios menos os sinais inibi dores ultrapassarem uma intensidade mínima, denominada limiar, os sinais combinados desencadearão um impulso.
O impulso elétrico (o potencial de ação) se propaga pelo axônio, que se ramifica em entroncamentos com centenas ou milhares de outros neurônios e com músculos e glândulas do corpo. Aumentar o estímulo acima do limiar, porém, não aumentará a intensidade do impulso. (A reação do neurônio é uma resposta tudo ou nada; tal como um revólver, os neurônios disparam ou não.) Nem a força do estímulo afetará a velocidade do impulso.

Como, então, detectamos a intensidade de um estímulo? Como distinguimos um toque suave de um abraço apertado?
Um estímulo forte não pode acionar um impulso mais forte ou mais rápido em um neurônio - apertar um gatilho mais forte não faz a bala ir mais rápido. Mas um estímulo forte pode acionar mais neurônios para dispararem e dispararem com mais frequência.


COMO OS NEURÔNIOS SE COMUNICAM


Os neurônios se entrelaçam tão intricadamente que, mesmo ao microscópio, é difícil ver onde um neurônio termina e outro começa. Os cientistas acreditavam que o axônio ramificado de uma célula se fundia com os dendritos de outra, numa textura ininrerrupta. Depois o anatomista espanhol Santiago Ramón y Cajal 1852-1934) descreveu aberturas entre células nervosas individuais e concluiu que os neurônios individuais deviam funcionar como agentes independentes dentro do sistema nervoso. Na mesma época, o fisiologista inglês Sir Charles Sherrington 1857-1952) percebeu que os impulsos neurais estavam levando um tempo inesperadamente longo para percorrer um camiaho neural. Sherrington inferiu que devia existir uma curta interrupção na transmissão. Agora sabemos que o terminal do axônio de um neurônio está separado do neurônio receptor por uma pequena abertura de menos de um milionésimo de polegada de largura. Sherrington chamou esse entroncamento de sinapse, e a abertura é denominada fenda sináptica. Para Cajal, essas quase-uniões de neurônios - "beijos protoplásmicos", como ele as chamava – eram outra das maravilhas da natureza. Como o impulso nervoso executa o "beijo protoplásmico"? Como ele atravessa a pequena fenda sináptica? A resposta é uma das mais importantes descobertas científicas de nossa época. Quando o potencial de ação alcança os terminais situados no final de um axônio, ele aciona a liberação de mensageiros químicos, denominados neurotransmissores. Dentro de 1/10.000 de segundo, as moléculas do neurotransmissor atravessam a fenda sináptica e se ligam a sítios receptores no neurônio receptor – tão ajustadamente quanto uma chave se encaixa em uma fechadura. Por um instante, o neurotransmissor destranca pequenos canais no sítio receptor. Isso permite que átomos eletricamente carregados penetrem no neurônio receptor, estimulando ou inibindo assim a sua presteza para disparar. Neurotransmissores excedentes são reabsorvidos
pelo neurônio emissor em um processo denominado reassimilação. Muitas substâncias aumentam a disponibilidade de neurotransmissores selecionados ao bloquearem sua reassimilação.


COMO OS NEUROTRANSMISSORES NOS INFLUENCIAM


Pesquisadores descobriram dezenas de neurotransmissores diferentes. Isso suscita perguntas: determinados neurotransmissores são encontrados apenas em locais específicos? Quais são seus efeitos? Podemos elevar ou reduzir esses efeitos por meio de drogas ou dietas? Tais mudanças poderiam afetar nosso humor, nossa memória ou nossa capacidade mental?
Agora sabemos que um trajeto neural específico no cérebro
pode usar apenas um ou dois neurotransmissores, e que determinados neurotransmissores podem ter efeitos particulares sobre o comportamento e as emoções. Alguns  exemplos:

• A dopamina influencia o movimento, a aprendizagem, a atenção e a emoção. Atividade excedente nos receptores de dopamina foi ligada à esquizofrenia.
• A serotonina afeta o humor, a fome, o sono e a excitação. O Prozac e substâncias antidepressivas semelhantes aumentam os níveis de serotonina.
• A norepinefrina ajuda a controlar a vigília e a excitação.



AS ENDORFINAS

Uma descoberta importante sobre neurotransmissores ocorreu quando Candace Pert e Solomon Snyder (1973) fixaram um rastreador radioativo à morfina, para que lhes mostrasse aonde a morfina era levada no cérebro de um animal.  Sua descoberta: a morfina, um opiáceo que excita o humor e diminui a dor, era absorvida por receptores em áreas ligadas ao humor e a sensações de dor. Era difícil imaginar por que o cérebro conteria esses "receptores de ópio", a não ser que ele tivesse seus próprios opiódes naturais. Por que o cérebro teria uma fechadura química, a não ser que ele também tivesse a chave correspondente? Os pesquisadores logo confirmaram que o cérebro contém vários tipos de moléculas neurotransmissoras semelhantes
à morfina. Denominados endorfinas (abreviação de morfina  endógena [produzida dentro]), esses opióides naturais  são liberados em resposta à dor e a exercícios vigorosos. Podem,  portanto, ajudar a explicar todos os tipos de sentimentos  bons, como a "euforia do atleta", os efeitos de anestesiamento da dor da acupuntura e a indiferença à dor em algumas pessoas gravemente feridas, como em seu Missionary Travels, de 1857:


“David Livingstone relatou: Ouvi um grito. Súbito, olhando em volta, vi o leão exatamente no ato de pular sobre mim. Eu estava em cima de uma pequena elevação, e ele pegou meu ombro quando pulou, e caímos juntos no solo. Rosnando horrivelmente perto de meu ouvido, ele me sacudiu como um terrier faz com um rato. O choque produziu um estupor semelhante àquele que o camundongo deve sentir após a primeira sacudida do gato. Isso causou um tipo de devaneio em que não havia sentido de dor nem sentimento de terror, embora [eu estivesse] bem consciente de tudo o que estava acontecendo ... Esse estado peculiar é provavelmente produzido em todos os animais mortos pelos carnívoros; e, se é assim, é uma dádiva misericordiosa do nosso benevolente Criador para diminuir a dor da morte.”



COMO AS DROGAS E OUTRAS SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS ALTERAM A NEUROTRANSMISSÃO

Se realmente as endorfinas diminuem a dor e melhoram o humor, por que não inundar o cérebro com opióides artificiais, intensificando assim a própria química do cérebro de se "sentir bem"? Um problema é que, quando inundado com opióides como heroína e morfina, o cérebro pode parar de produzir seus próprios opióides naturais. Quando o uso da droga é suspenso, o cérebro pode, em conseqüência, ficar privado de todas as formas de opióides. Para um dependente químico, o resultado é a agonia, que persiste até que o cérebro retome a produção de seus opióides naturais ou receba mais opióides artificiais. Drogas que alteram o humor, desde o álcool à nicotina e à heroína, partilham desse efeito comum: elas desencadeiam efeitos posteriores desagradáveis e prolongados. A natureza cobra um preço pela supressão da produção dos próprios neurotransmissores do corpo. As drogas afetam a comunicação na sinapse, geralmente excitando ou inibindo o disparo do neurônio. As drogas agonistas excitam imitando um neurotransmissor em particular ou bloqueando sua reassimilação. Um agonista pode ser umamolécula de droga que seja suficientemente semelhante ao neurotransmissor para imitar seus efeitos. Algumas drogas opióides, por exemplo, produzem uma "euforia" temporária, ao amplificaremsensações normais de excitação ou prazer. As drogas antagonistas inibem bloqueando os neurotransmissores ou diminuindo sua liberação. Um antagonista pode ser uma molécula de droga que seja parecida o bastante com o neurotransmissor natural para ocupar seu local receptor e bloquear seu efeito, mas não suficientemente semelhante para estimular o receptor, como moedas de um outro país que cabem em uma máquina de vender refrigerante ou bala mas não a fazem funcionar. o veneno do botulismo causa paralisia ao bloquear os receptores de acetilcolina (ACh), um neurotransmissor que produz movimento muscular.
A pesquisa sobre neurotransmissores está permitindo a criação de novas drogas terapêuticas como aquelas utilizadas para aliviar a depressão. Mas, criar uma nova droga pode ser mais difícil do que parece. Os cientistas sabem, por exemplo, que os tremores do mal de Parkinson resultam da morte de células nervosas que produzem o neurotransmissor dopamina. Todavia, dar ao paciente dopamina como remédio não ajuda, porque a dopamina não consegue atravessar a barreira hematencefálica, pela qual o cérebro evita que substâncias químicas indesejáveis circulem no sangue. Mas a L-dopa, a matéria-prima que o cérebro pode converter em dopamina, consegue se esgueirar pela barreira. Ao receberem L-dopa, muitos pacientes obtêm melhor controle muscular.


Fonte:
Explorando a Psicologia -  David G. Myers.


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