AS FUNÇÕES SENSORIAIS
Se o córtex motor envia mensagens de saída
para o corpo, onde as mensagens de entrada são recebidas no córtex?
Penfield identificou uma área cortical especializada em receber informação dos
sensores da pele e do movimento de partes do corpo. Essa área, paralela ao
córtex motor e exatamente atrás dele, à frente dos lobos parietais, é agora denominada
córtex sensorial. Estimule um ponto no alto dessa faixa de tecido e a
pessoa pode relatar um toque no ombro; estimule um ponto ao lado e a pessoa
pode sentir algo no rosto. Quanto mais sensível a região corporal, maior a área
do córtex sensorial dedicada a ela; seus lábios supersensíveis projetam- se em uma
área cerebral maior do que seus dedos do pé. (Essa é a razão de beijarmos com
os lábios, em vez de com os dedos do pé.) De maneira semelhante, os ratos têm
uma grande área do cérebro responsável pelas sensações do bigode, as corujas pelas
sensações auditivas, e assim por diante. Se um macaco ou um humano perder um
dedo, a região do córtex sensorial dedicada a receber o input daquele dedo se
ramificará para receber input sensorial dos dedos adjacentes. Estes então se
tornarão mais sensíveis (Fox, 1984). As imagens de ressonância magnética mostram
que pianistas experientes da mesma maneira têm uma área do córtex auditivo maior
do que o normal que codifica sons de piano (Pantev e outros, 1998). O cérebro é
esculpido não apenas pelos nossos genes, mas também pela nossa experiência. Os
cientistas investigaram mais e identificaram áreas onde o córtex recebe input
de outros sentidos. Nesse momento, você está recebendo informação visual nos lobos
occipitais, situados na parte bem posterior do seu cérebro. Se recebesse um golpe
bastante forte ali, você ficaria cego. Se você recebesse estimulação nessa
área, poderia ver lampejos de luz ou traços de cor. Dos lobos occipitais, a informação
visual que você está agora processando é conduzida para outras áreas que se especializam
em tarefas como identificação de palavras, detecção das emoções e reconhecimento
de rostos. Qualquer som que você esteja ouvindo é processado pelas
áreas auditivas situadas em seus lobos. A maior
parte dessa informação auditiva percorre uma rota tortuosa de um ouvido para a área
receptora auditiva acima do oposto.
Se você
for estimulado ali, pode ouvir um som. O som não precisa ser real. Imagens obtidas
por ressonância agnética de pessoas com
esquizofrenia revelam que as áreas auditivas do lobo temporal estão ativas durante
as alucinações auditivas (Lennox e outros, 1999). Mesmo o som de campainha-fantasma
vivenciado por pessoas com perda de audição está - se escutado por um ouvido - associado
a atividade no lobo temporal do lado oposto do cérebro (Muhlnickel e outros, 1998).
AS FUNÇÕES DE ASSOCIAÇÃO
Até aqui, indicamos pequenas áreas do córtex
que recebem informação sensorial ou dirigem respostas musculares. Nos humanos,
isso deixa cerca de três quartos da fina camada enrugada, o córtex cerebral, nãocomprometidos
com a atividade sensorial ou muscular. O que então acontece nessa vasta região
do cérebro? Os neurônios nessas áreas de associação integram a informação. Eles associam vários
inputs sensoriais a lembranças armazenadas - uma parte muito importante do
pensamento. A investigação elétrica das áreas
de associação não aciona qualquer resposta observável. Então, diferentemente das
funções das áreas sensorial e motora, as funções das áreas de associação não são
facilmente mapeadas. Seu silêncio parece ser o que alguém tinha em mente ao formular
uma das mais amplamente difundidas falsidades da psicologia popular: a de que comumente
utilizamos apenas 10% do nosso cérebro. Essa mentira - "uma das ervas daninhas
mais resistentes no jardim da psicologia", escreve Donald McBumey (1996, p.
44) - sugere que, se pudéssemos ativar todo o nosso cérebro, seríamos muito mais
inteligentes do que aqueles que trabalham como escravos com 10% da potência
cerebral. Mas, a partir da observação de animais cirurgicamente lesionados e de
humanos que apresentam lesões cerebrais, sabemos que as áreas de associação não
estão de fato adormecidas. (O cérebro não tem apêndice - não tem tecido aparentemente
sem objetivo.) Em vez disso, as áreas de associação interpretam, integram e atuam
sobre as informações processadas pelas áreas sensoriais.
As áreas de associação nos lobos frontais permitem-nos
avaliar, planej ar e processar novas lembranças. As pessoas que apresentam lesão
nos lobos frontais podem ter memória intacta, obter escore elevado em testes de
inteligência e ser capazes de assar um bolo - mas ser incapazes de planejar com
antecedência para começar a assar o bolo para a festa de aniversário. Depois
que sofreu lesão no lobo frontal, a irmã do aclamado neurocirurgião Wilder Penfield
era incapaz de preparar a mais simples das refeições. Ela retinha o conhecimento
de receitas, medidas
e técnicas, mas não conseguia decifrar a
ordem das etapas na preparação da refeição (Kimberg e outros, 1998). A lesão ao
lobo frontal também pode alterar a personalidade, removendo as inibições da pessoa.
Considere o caso clássico do trabalhador ferroviário Phineas Gage. Certa tarde,
em 1848, Gage (ver blog: http://gtcomparin.blogspot.com.br/2013/01/o-caso-de-arrasar-mente-de-phineas-gage.html)
então com 25 anos, estava pressionando pólvora
em uma rocha com um ferro de embuchar. Uma faísca inflamou a pólvora, atirando
a vareta através da face esquerda da Gage, até sair pelo alto do crânio, deixando
seus lobos frontais gravemente lesionados. Para surpresa de todos, Gage logo foi
capaz de sentar- se e falar e, depois que o ferimento sarou, voltou ao trabalho.
Embora suas habilidades mentais e a memória estivessem
intactas, sua personalidade não estava. Antes
afável, de voz suave, Phineas Gage era agora irritadiço, irreverente e desonesto.
Finalmente perdeu o emprego e acabou ganhando a vida comodos quais eram grandes
e de formato fora do comum no cérebro de peso normal de Einstein, estão envolvidos
no raciocínio matemático e espacial (Witelson e outros, 1999). Uma área no lado
inferior do lobo temporal direito permite que reconheçamos rostos. Se um derrame
ou ferimento na cabeça destruísse essa área do seu cérebro, você ainda seria capaz
de descrever feições e reconhecer o sexo e a idade aproximada de uma pessoa, e
ainda assim ser estranhamente incapaz de identificar a pessoa como, digamos, Nelson
Mandela, ou seu vizinho do lado, ou até mesmo seu cônjuge. Mas, de um modo
geral, funções mentais complexas como aprendizagem e memória não se localizam
em um único ponto. Não há um único ponto no pequeno córtex de associação do rato
que, quando lesionado, cancele sua capacidade de aprender a se guiar ou de
lembrar o caminho em um labirinto. Tais funções estão disseminadas por uma área
muito ampla do córtex.
A LINGUAGEM
Habilidades humanas complexas, como a linguagem,
resultam da intricada coordenação de muitas áreas cerebrais. Considere, por
exemplo, esta curiosa descoberta: lesão em qualquer uma das várias áreas
corticais pode causar afasia, o uso deficiente da linguagem. Ainda mais
curioso é que algumas pessoas com afasia possam falar fluentemente mas não
consigam ler (apesar de terem boa visão), enquanto outras podem compreender o
que lêem mas não conseguem falar. Outras ainda
podem escrever mas não ler, ler mas não escrever, ler números mas não letras,
ou cantar mas não falar. Tudo isso é muito confuso. Afinal, tomamos falar e ler,
ou escrever e ler, ou cantar e falar meramente como exemplos diferentes da
mesma habilidade geral.
Os pesquisadores começaram a organizar o modo
como o cérebro processa a linguagem depois da descoberta do médico francês Paul
Broca em 1865. Broca descobriu que, após lesão a uma área específica do lobo
frontal esquerdo, posteriormente denominada área de Broca, uma pessoa tinha de
se esforçar para formar palavras, mas geralmente era capaz de cantar músicas conhecidas
com facilidade. Uma década mais tarde, o pesquisador alemão Karl Wernicke descobriu
que, após lesão a uma área específica do lobo temporal esquerdo (área de Wernicke),
as pessoas só conseguiam falar palavras sem sentido e eram incapazes de
compreender as palavras de outros. Norman Geschwind organizou essas pistas em
uma explicação sobre o modo como usamos a linguagem. Quando você lê em voz alta,
as palavras são registradas na área visual, são retransmitidas para os giros angulares
que transformam as palavras num código auditivo que é recebido e compreendido na área vizinha de Wemicke
e) enviado para a área de Broca que controla o córtex motor, criando a palavra pronunciada.
Dependendo de qual elo dessa corrente esteja danificado, uma forma diferente de
afasia ocorrerá. A lesão do giro angular deixará a pessoa capaz de falar e de
entender, mas incapaz de ler. A lesão na área de Wemicke prejudicará a compreensão.
A lesão na área de Broca prejudicará a fala. Cabe, então, repetirmos um princípio
geral: habilidades complexas resultam de uma coordenação intricada de várias áreas
cerebrais. Dito de outra maneira, o cérebro funciona dividindo suas funções mentais
- falar, perceber, pensar, lembrar – em subfunções. Nossa experiência consciente
parece indivisível. Neste exato momento você está vivenciando uma cena
visual
completa, como se seus olhos fossem câmeras de
vídeo projetando a cena para seu cérebro. Na verdade, os pesquisadores descobriram
que seu cérebro divide a visão em subtarefas especializadas, tais como discemimento
de cor, profundidade, movimento e forma. (Após um derrame localizado que destrua
uma dessas equipes de trabalho neural, as pessoas podem perder apenas um aspecto
da visão, como a capacidade de perceber movimento.) Essas redes neurais especializadas,
cada qual tendo executado sua própria tarefa, fornecem informações para redes
"de níveis superiores", que combinam os átomos da experiência e os retransmitem
para áreas de associação de nível superior, capacitando- nos a reconhecer um rosto
como "vovó". O mesmo se dá quando se lê uma palavra: o cérebro computa
a forma, o som e o significado da palavra utilizando redes neurais diferentes (Posner
e Carr, 1992). Pense sobre isto: o que você vivencia como uma sucessão contínua
e indivisível de percepção é, na verdade, apenas a ponta visível do iceberg de
processamento da informação, a maior parte situando-se abaixo da superficie
da sua atenção consciente. Recapitulando, os subsistemas da mente estão
localizados em regiões cerebrais particulares, mas o cérebro funciona como uma totalidade
unificada. Mover uma das mãos; reconhecer rostos; até perceber cor, movimento e
profundidade, tudo depende de
redes neurais específicas. Mas funções complexas
como linguagem, aprendizagem e o amor implicam a coordenação de muitas áreas do
cérebro. Ambos os princípios - especialização e integração - aparecem em pesquisas
sobre os dois hemisférios do cérebro.
Fonte: Explorando a psicologia - David Myers
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