domingo, 13 de janeiro de 2013

CÓRTEX CEREBRAL (CONT.)


AS FUNÇÕES SENSORIAIS

 Se o córtex motor envia mensagens de saída para o corpo, onde as mensagens de entrada são recebidas no córtex? Penfield identificou uma área cortical especializada em receber informação dos sensores da pele e do movimento de partes do corpo. Essa área, paralela ao córtex motor e exatamente atrás dele, à frente dos lobos parietais, é agora denominada córtex sensorial. Estimule um ponto no alto dessa faixa de tecido e a pessoa pode relatar um toque no ombro; estimule um ponto ao lado e a pessoa pode sentir algo no rosto. Quanto mais sensível a região corporal, maior a área do córtex sensorial dedicada a ela; seus lábios supersensíveis projetam- se em uma área cerebral maior do que seus dedos do pé. (Essa é a razão de beijarmos com os lábios, em vez de com os dedos do pé.) De maneira semelhante, os ratos têm uma grande área do cérebro responsável pelas sensações do bigode, as corujas pelas sensações auditivas, e assim por diante. Se um macaco ou um humano perder um dedo, a região do córtex sensorial dedicada a receber o input daquele dedo se ramificará para receber input sensorial dos dedos adjacentes. Estes então se tornarão mais sensíveis (Fox, 1984). As imagens de ressonância magnética mostram que pianistas experientes da mesma maneira têm uma área do córtex auditivo maior do que o normal que codifica sons de piano (Pantev e outros, 1998). O cérebro é esculpido não apenas pelos nossos genes, mas também pela nossa experiência. Os cientistas investigaram mais e identificaram áreas onde o córtex recebe input de outros sentidos. Nesse momento, você está recebendo informação visual nos lobos occipitais, situados na parte bem posterior do seu cérebro. Se recebesse um golpe bastante forte ali, você ficaria cego. Se você recebesse estimulação nessa área, poderia ver lampejos de luz ou traços de cor. Dos lobos occipitais, a informação visual que você está agora processando é conduzida para outras áreas que se especializam em tarefas como identificação de palavras, detecção das emoções e reconhecimento de rostos. Qualquer som que você esteja ouvindo é processado pelas
áreas auditivas situadas em seus lobos. A maior parte dessa informação auditiva percorre uma rota tortuosa de um ouvido para a área receptora auditiva acima do oposto.
Se você for estimulado ali, pode ouvir um som. O som não precisa ser real. Imagens obtidas por ressonância  agnética de pessoas com esquizofrenia revelam que as áreas   auditivas do lobo temporal estão ativas durante as alucinações auditivas (Lennox e outros, 1999). Mesmo o som de campainha-fantasma vivenciado por pessoas com perda de audição está - se escutado por um ouvido - associado a atividade no lobo temporal do lado oposto do cérebro (Muhlnickel e outros, 1998).

AS FUNÇÕES DE ASSOCIAÇÃO

Até aqui, indicamos pequenas áreas do córtex que recebem informação sensorial ou dirigem respostas musculares. Nos humanos, isso deixa cerca de três quartos da fina camada enrugada, o córtex cerebral, nãocomprometidos com a atividade sensorial ou muscular. O que então acontece nessa vasta região do cérebro? Os neurônios nessas áreas de associação  integram a informação. Eles associam vários inputs sensoriais a lembranças armazenadas - uma parte muito importante do
pensamento. A investigação elétrica das áreas de associação não aciona qualquer resposta observável. Então, diferentemente das funções das áreas sensorial e motora, as funções das áreas de associação não são facilmente mapeadas. Seu silêncio parece ser o que alguém tinha em mente ao formular uma das mais amplamente difundidas falsidades da psicologia popular: a de que comumente utilizamos apenas 10% do nosso cérebro. Essa mentira - "uma das ervas daninhas mais resistentes no jardim da psicologia", escreve Donald McBumey (1996, p. 44) - sugere que, se pudéssemos ativar todo o nosso cérebro, seríamos muito mais inteligentes do que aqueles que trabalham como escravos com 10% da potência cerebral. Mas, a partir da observação de animais cirurgicamente lesionados e de humanos que apresentam lesões cerebrais, sabemos que as áreas de associação não estão de fato adormecidas. (O cérebro não tem apêndice - não tem tecido aparentemente sem objetivo.) Em vez disso, as áreas de associação interpretam, integram e atuam sobre as informações processadas pelas áreas sensoriais.
As áreas de associação nos lobos frontais permitem-nos avaliar, planej ar e processar novas lembranças. As pessoas que apresentam lesão nos lobos frontais podem ter memória intacta, obter escore elevado em testes de inteligência e ser capazes de assar um bolo - mas ser incapazes de planejar com antecedência para começar a assar o bolo para a festa de aniversário. Depois que sofreu lesão no lobo frontal, a irmã do aclamado neurocirurgião Wilder Penfield era incapaz de preparar a mais simples das refeições. Ela retinha o conhecimento de receitas, medidas
e técnicas, mas não conseguia decifrar a ordem das etapas na preparação da refeição (Kimberg e outros, 1998). A lesão ao lobo frontal também pode alterar a personalidade, removendo as inibições da pessoa. Considere o caso clássico do trabalhador ferroviário Phineas Gage. Certa tarde, em 1848, Gage (ver blog: http://gtcomparin.blogspot.com.br/2013/01/o-caso-de-arrasar-mente-de-phineas-gage.html
então com 25 anos, estava pressionando pólvora em uma rocha com um ferro de embuchar. Uma faísca inflamou a pólvora, atirando a vareta através da face esquerda da Gage, até sair pelo alto do crânio, deixando seus lobos frontais gravemente lesionados. Para surpresa de todos, Gage logo foi capaz de sentar- se e falar e, depois que o ferimento sarou, voltou ao trabalho.
Embora suas habilidades mentais e a memória estivessem
intactas, sua personalidade não estava. Antes afável, de voz suave, Phineas Gage era agora irritadiço, irreverente e desonesto. Finalmente perdeu o emprego e acabou ganhando a vida comodos quais eram grandes e de formato fora do comum no cérebro de peso normal de Einstein, estão envolvidos no raciocínio matemático e espacial (Witelson e outros, 1999). Uma área no lado inferior do lobo temporal direito permite que reconheçamos rostos. Se um derrame ou ferimento na cabeça destruísse essa área do seu cérebro, você ainda seria capaz de descrever feições e reconhecer o sexo e a idade aproximada de uma pessoa, e ainda assim ser estranhamente incapaz de identificar a pessoa como, digamos, Nelson Mandela, ou seu vizinho do lado, ou até mesmo seu cônjuge. Mas, de um modo geral, funções mentais complexas como aprendizagem e memória não se localizam em um único ponto. Não há um único ponto no pequeno córtex de associação do rato que, quando lesionado, cancele sua capacidade de aprender a se guiar ou de lembrar o caminho em um labirinto. Tais funções estão disseminadas por uma área muito ampla do córtex.

A LINGUAGEM

Habilidades humanas complexas, como a linguagem, resultam da intricada coordenação de muitas áreas cerebrais. Considere, por exemplo, esta curiosa descoberta: lesão em qualquer uma das várias áreas corticais pode causar afasia, o uso deficiente da linguagem. Ainda mais curioso é que algumas pessoas com afasia possam falar fluentemente mas não consigam ler (apesar de terem boa visão), enquanto outras podem compreender o que lêem mas não conseguem falar. Outras ainda  podem escrever mas não ler, ler mas não escrever, ler números mas não letras, ou cantar mas não falar. Tudo isso é muito confuso. Afinal, tomamos falar e ler, ou escrever e ler, ou cantar e falar meramente como exemplos diferentes da mesma habilidade geral.
Os pesquisadores começaram a organizar o modo como o cérebro processa a linguagem depois da descoberta do médico francês Paul Broca em 1865. Broca descobriu que, após lesão a uma área específica do lobo frontal esquerdo, posteriormente denominada área de Broca, uma pessoa tinha de se esforçar para formar palavras, mas geralmente era capaz de cantar músicas conhecidas com facilidade. Uma década mais tarde, o pesquisador alemão Karl Wernicke descobriu que, após lesão a uma área específica do lobo temporal esquerdo (área de Wernicke), as pessoas só conseguiam falar palavras sem sentido e eram incapazes de compreender as palavras de outros. Norman Geschwind organizou essas pistas em uma explicação sobre o modo como usamos a linguagem. Quando você lê em voz alta, as palavras são registradas na área visual, são retransmitidas para os giros angulares que transformam as palavras num código auditivo que é  recebido e compreendido na área vizinha de Wemicke e) enviado para a área de Broca que controla o córtex motor, criando a palavra pronunciada. Dependendo de qual elo dessa corrente esteja danificado, uma forma diferente de afasia ocorrerá. A lesão do giro angular deixará a pessoa capaz de falar e de entender, mas incapaz de ler. A lesão na área de Wemicke prejudicará a compreensão. A lesão na área de Broca prejudicará a fala. Cabe, então, repetirmos um princípio geral: habilidades complexas resultam de uma coordenação intricada de várias áreas cerebrais. Dito de outra maneira, o cérebro funciona dividindo suas funções mentais - falar, perceber, pensar, lembrar – em subfunções. Nossa experiência consciente parece indivisível. Neste exato momento você está vivenciando uma cena visual
completa, como se seus olhos fossem câmeras de vídeo projetando a cena para seu cérebro. Na verdade, os pesquisadores descobriram que seu cérebro divide a visão em subtarefas especializadas, tais como discemimento de cor, profundidade, movimento e forma. (Após um derrame localizado que destrua uma dessas equipes de trabalho neural, as pessoas podem perder apenas um aspecto da visão, como a capacidade de perceber movimento.) Essas redes neurais especializadas, cada qual tendo executado sua própria tarefa, fornecem informações para redes "de níveis superiores", que combinam os átomos da experiência e os retransmitem para áreas de associação de nível superior, capacitando- nos a reconhecer um rosto como "vovó". O mesmo se dá quando se lê uma palavra: o cérebro computa a forma, o som e o significado da palavra utilizando redes neurais diferentes (Posner e Carr, 1992). Pense sobre isto: o que você vivencia como uma sucessão contínua e indivisível de percepção é, na verdade, apenas a ponta visível do iceberg de processamento da informação, a maior parte situando-se abaixo da superficie
da sua atenção consciente. Recapitulando, os subsistemas da mente estão localizados em regiões cerebrais particulares, mas o cérebro funciona como uma totalidade unificada. Mover uma das mãos; reconhecer rostos; até perceber cor, movimento e profundidade, tudo depende de
redes neurais específicas. Mas funções complexas como linguagem, aprendizagem e o amor implicam a coordenação de muitas áreas do cérebro. Ambos os princípios - especialização e integração - aparecem em pesquisas sobre os dois hemisférios do cérebro.

Fonte: Explorando a psicologia - David Myers

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