VIDA E PRINCIPAIS CONCEITOS
Na fase de amadurecimento da brilhante e ambiciosa garota Karen Danielso,
em Hamburgo, Alemanha, no fim do século XIX, ela enfrentou muitos desafios pessoais
e sociais.
Seu pai, capitão de navio, perdera sua primeira esposa depois de ter
quatro filhos com ela. Ele se casou novamente com a atraente e sofisticada Clotilde,
dezoito anos mais nova do que ele. Eles tiveram um filho e, quatro anos mais tarde,
uma filha - Karen. Ela, portanto, cresceu em um mundo de meio-irmãos que nunca
aceitaram totalmente os novos rebentos da família (Horney, 1980; Quinn, 1987).
O pai de Karen, com 50 anos quando ela nasceu, era um homem severo
e muito religioso. Fundamentava suas convicções sobre a inferioridade das mulheres
nas interpretações que fazia da Bíblia e governava a família com pulso firme. Embora
fosse mais abertamente afeiçoado a Berndt, irmão de Karen, preocupava-se com Karen.
Às vezes, trazia-lhe presentes de terras distantes e chegou até a permitir que
ela o acompanhasse em várias viagens a bordo do navio. Desse modo, Karen cresceu
com sentimentos conflitantes em relação ao pai; ela o admirava, embora se sentisse
menos amada por ele do que gostaria. Entretanto, ela e a mãe eram muito íntimas.
Conquanto Karen não fosse pouco atraente, ela se achava feia e muito cedo estabeleceu
para si mesma que, se não podia ser bonita, pelos menos podia ser inteligente.
Adorava a escola e tornou-se excelente aluna. Por volta dos 12 anos, resolveu
que seria médica, opção que não agradou a seu pai. Porém, com a insistência de
Karen, Berndt e Clotilde, acabou concordando em fornecer o dinheiro da mensalidade
para que ela frequentasse uma escola pré-médica.
Na sociedade como um todo, as relações entre os sexos eram tumultuadas
nessa época. As mulheres clamavam por mais direitos e oportunidades educacionais.
Karen foi uma das primeiras mulheres a receber permissão para freqüentar o ensino
médio (o gymnasium alemão). As escolas médicas estavam apenas começando a abrir as portas
para as mulheres. Em 1906, Karen iniciou a residência médica em Freiburg, Alemanha.
Foi durante esse período que ela conheceu Oskar Horney (pronuncia-se Horn-ai); ambos rapidamente desenvolveram uma forte amizade. Eles se casaram
em 1909 e, por volta de 1910, sua primeira filha já estava a caminho. Esse prometia
ser um ano estressante e de várias mudanças para Karen. Ela havia se casado há
pouco tempo, estava grávida e cursava psicanálise com Karl Abraham, discípulo
de Freud, para se preparar para exercer a psiquiatria. E, não bastasse tudo isso,
sua mãe morreu um pouco antes de ela dar à luz. Karen e Oskar tiveram três filhas
ao todo e cada uma delas chegou a comentar mais tarde que Karen era um tanto quanto
desprendida delas quando eram ainda crianças. Embora parte disso sem dúvida
fosse intencional, no sentido de estimular a independência (algo em que tanto Karen
quanto Oskar acreditavam firmemente), havia a falta de afeto e interesse em seu
estilo de educar as filhas. Isso é particularmente curioso se considerarmos os
próprios sentimentos de Karen, negligência durante a infância, e suas posteriores
teorias sobre o papel da indiferença parental como estimuladora de neuroses. No
início da década de 20, Karen e o marido começaram a se distanciar pouco a pouco.
Então, um acontecimento trágico os afligiu. Em 1923, os investimentos financeiros
de Oskar azedaram e, com a subida desenfreada da inflação, seu salário não era
mais suficiente para evitar
a falência da família. Além disso, ele foi acometido de meningite aguda, que o deixou
fraco e frágil. Foi ainda durante esse ano que Karen perdeu seu querido irmão Berndt,
vítima de infecção no pulmão. Tanto Karen quanto seu marido caíram em depressão
e, por volta de 1926, não havia dúvida de que o casamento não sobreviveria. Karen
e suas três filhas mudaram-se nesse mesmo ano para uma propriedade delas, mas
Karen e Oskar só se divorciaram em 1939.
As idéias de Karen Horney até certo ponto
eram semelhantes às de Adler. Horney acreditava, assim como Adler, que uma das
descobertas mais importantes de uma criança é a própria impotência, e que é a luta
seguinte para ganhar individualidade e controle que modela grande parte do self.
Ela acreditava piamente na importância da auto-realização e no amadurecimento
de cada indivíduo. Karen estava muito mais voltada para o mundo social e as
motivações sociais do que os freudianos (voltados quase exclusivamente para os impulsos
sexuais). Em 1932, emigrou de Berlim para os Estados Unidos. Essa tremenda mudança
cultural abriu-lhe ainda mais os olhos para as influências da sociedade sobre o
desenvolvimento do indivíduo.
Rejeição da inveja
do pênis
A análise de Freud sobre as mulheres foi
fundamentada em torno do conceito de inveja do pênis. Horney rejeitou a idéia
de que as mulheres sentiam que seus órgãos genitais eram inferiores, embora minuciosa
observação empreendida por ela tenha revelado que com freqüência as mulheres de
fato se sentem inferiores aos homens. Freud, fazendo o mesmo exame, defendeu
essa idéia do ponto de vista anatômico - a falta de um pênis. Entretanto, Horney
sustentou que os sentimentos de inferioridade das mulheres originavam-se da maneira
como elas eram educadas na sociedade e da ênfase exagerada para que se assegurassem
do amor de um homem. Ela acreditava que, se as mulheres fossem criadas em ambientes
nos quais a definição de "masculinidade" fosse forte, valente, competente
e livre e, a de "feminilidade" fosse inferior, delicada, frágil e submissa,
as mulheres sem dúvida ver-se-iam numa condição subordinada e, portanto,
desejariam coisas "masculinas"
como forma de ganhar poder. Porém, ela não concordava com a idéia de Freud de
que era um pênis que as mulheres queriam; ao contrário, elas queriam a autonomia
e o controle que associavam com a masculinidade. Além disso, ela postulou que
os homens são inconscientemente invejosos de algumas qualidades femininas, como
a capacidade de ficar grávida.
Ansiedade básica
Pelo fato de as crianças serem impotentes
- não estarem aptas a sair pelo mundo e reivindicar seu lugar legítimo -, precisam
reprimir qualquer sentimento de hostilidade e irritação pelos adultos poderosos
que vivem em seu próprio mundo e lutar para agradar a esses adultos como forma
de satisfazer suas necessidades. Horney, portanto, substitui a ênfase biológica
de Freud pela idéia de ansiedade básica. A ansiedade básica é o medo da criança
de estar sozinha, desamparada e insegura, Ela provém de problemas nas relações da
criança com os pais, como a falta de afeto, estabilidade, respeito ou envolvimento.
Consequentemente, acreditava Horney, a ansiedade básica podia ser direcionada
praticamente a todas as pessoas, caso em que um tumulto interno seria focalizado
externamente, no mundo em geral. Desse modo, embora Horney aceitasse o conceito
psicanalítico básico de Freud de que as pessoas são impulsionadas por motivos inconscientes
e irracionais que se
desenvolvem na infância, ela acreditava
que esses motivos originavam-se de conflitos sociais dentro da família e de conflitos
mais amplos dentro da sociedade (Horney, 1968, 1987, 1991).
Em reação à ansiedade básica, os indivíduos
são hipoteticamente acomodados em um modo primário de adaptação ao mundo. Aqueles
que acreditam que podem fazer maior progresso sendo condescendentes adotam o estilo
passivo; aqueles que acreditam em lutar para sobreviver adotam o estilo
agressivo; e aqueles que sentem que é melhor não se envolver emocionalmente,
de modo algum, adotam o estilo retraído. Essas idéias têm muito mais do
que o simples interesse histórico; elas formam uma estrutura amplamente aceita que
busca compreender a maneira adequada de criar filhos. Grande parte da preocupação
atual em oferecer às crianças afeto e ambientes familiares respeitosos provém dessa
teorização neoanalítica sobre o papel da sociedade em suavizar os instintos biológicos.
o self Os neo-analístas concentraram-se na identidade
e percepção do self. Ao analisar pessoas neuróticas, Horney descreveu diferentes
aspectos do self. Primeiro, há o seIf real, a essência interna
da personalidade que nós percebemos sobre nós mesmos, que abrange nosso potencial
de auto-realização; essa essência é prejudicada pela negligência e indiferença
dos pais. Essa negligência dos pais pode gerar o seIf desprezado, que
consiste em percepções de inferioridade e deficiência, na maioria das vezes
baseadas em avaliações negativas que outras
pessoas fazem de nós e dos sentimentos de
impotência daí resultantes. Talvez o mais importante tenha sido que Horney identificou
o seIf ideal- o que uma pessoa considera perfeito e espera realizar
- como sendo modelado por impropriedades percebidas. Ao descrever o self ideal,
Horney referiu-se ao que ela chamou de "tirania do deveria", que é
a ladainha de coisas que deveríamos ter feito de maneira diferente e com as quais
nós nos atormentamos. O sel fideal é um composto de todos esses "deverias".
Para Horney, a finalidade da psicanálise não era ajudar alguém a alcançar seu self
ideal, mas capacitar a pessoa a aceitar seu self real.
As pessoas que são alienadas de seu selfreal
tornam-se neuróticas e desenvolvem uma estratégia de enfrentamento interpessoal
para "solucionar" esse conflito.
Estratégias neuróticas de enfrentamento
Horney, portanto, propôs uma série de
estratégias usadas pelos neuróticos para que possam enfrentar outras pessoas. A
primeira dessas abordagens é por ela denominada "aproximação" - isto é,
sempre tentar fazer os outros felizes, obter amor e assegurar a aprovação e a
afeição dos outros. Para Horney, os indivíduos que empregam essa estratégia de enfrentamento
estão se superidentificando com o self desprezado e, portanto, estão se considerando
indignos de amor. As tentativas dessas pessoas para ganhar amor são, por um lado,
um disfarce do que elas acreditam ser verdadeiro sobre si mesmas e, por outro, uma
maneira de fazer os outros acreditarem que elas merecem afeição. Por exemplo, as
mulheres que foram criadas por pais alcoólicos podem ter aprendido a obter auto-estima
sujeitando-se a situações de exploração; quando adultas, essas mulheres talvez procurem
homens aproveitadores e empenhem-se para fazê-Ios felizes e, desse modo, ganharem
a aprovação deles (Lyon & Greenberg, 1991). No
jargão popular, esse padrão perturbado de relacionamento é às vezes chamado de codependência.
Horney denominou a segunda abordagem de "expansão" - isto é, lutar
por poder e reconhecimento e pela admiração dos outros. Para Horney, esses indivíduos,
em vez de identificarem-se exageradamente com o self desprezado, superidentificam-se
com o self idealizado. Eles têm de passar a acreditar que todas as coisas
que desejavam ter sido são verdadeiras e sua luta por reconhecimento e poder é
um esforço para reafirmar para si mesmos a verdade dessa ilusão. A terceira abordagem
foi chamada de "afastamento" - isto é, desviar-se de qualquer investida
emocional nas relações interpessoais, no sentido de evitar ser ferido nessas relações.
Para Horney, esses indivíduos desejam superar o self desprezado e, além disso,
sentem -se incapazes de tornar-se o self idealizado. Eles se consideram,
no estado em que se encontram, indignos de amor e atenção alheios e também se sentem
incapazes de alcançar algo melhor. Portanto, para evitar a diferença desagradável
- a divergência
- entre esses dois aspectos do self,
eles se escondem atrás da independência e da solidão.
No geral, essas estratégias de proteção
do self, embora neuróticas, podem tornar-se uma necessidade difusa e chegar
a dominar a personalidade de alguém. Horney enumerou dez defesas contra a ansiedade,
as quais passaram a ser conhecidas como as dez necessidades neuróticas.
As dez necessidades
neuróticas postuladas por Karen Horney
· Afeição e aprovação (sempre tentar agradar
aos outros)
· Parceiro dominador (dependência exagerada)
· Poder (necessidade de controlar os outros
e de desdenhar a fragilidade)
· Exploração (medo de ser explorado(a), mas
não de explorar)
· Reconhecimento e prestígio (busca constante
por um status mais alto)
· Admiração (busca de elogios, mesmo se imerecidos)
· Ambição e realização (desejo de ser superior,
em conseqüência da insegurança interior)
· Auto-suficiência (não confiar nunca nos
outros)
· Perfeição (busca da impecabilidade)
·
Limites estreitos
(contentar-se com pouco e, portanto, subjugar-se)
As pessoas neuróticas concentram-se compulsivamente
em uma dessas necessidades em todas as suas
interações sociais. Essas necessidades são
soluções irracionais aos desafios que todos nós enfrentamos (Horney, 1942). A necessidade
de um neurótico nunca pode ser satisfeita. Em suma, Karen Horney ajudou o pensamento
psicanalítico a afastar-se da ênfase biológica, anatômica e individualista. Embora
tenha aceitado o significado dos motivos inconscientes desenvolvidos na infância,
Horney enfatizou a importância do afeto, da estabilidade familiar, bem como do
impacto da sociedade e da cultura tomadas num âmbito mais amplo. Além disso, da
mesma maneira que Horney, em sua própria vida, lutou contra os obstáculos impostos
pela sociedade às realizações das mulheres, ela não aceitou a idéia de que a natureza
das mulheres as torna inerentemente frágeis e submissas. Ela examinou as influências
da família e da cultura sobre cada indivíduo e insistiu em que as pessoas podiam
lutar para superar seus demônios inconscientes. Horney também enfatizou a aflição
da "tirania do deveria" - as exigências neuróticas internas de
perfeição. Horney escreveu que a psicanálise não é a única forma de solucionar conflitos
internos - que "a própria vida" é um terapeuta muito eficaz (Horney,
1945).
A despeito das tentativas de Horney, a
psicanálise não deixou de centralizar-se significativamente no sexo masculino e
de ser paternalista. Como a feminista Germaine Greer (1971) disse espirituosamente,
"Freud é o pai da psicanálise. Ela não teve mãe".
Fonte:
Teorias da Personalidade – da
teoria Clássica à Pesquisa Moderna
( Friedman&Schustack)
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