terça-feira, 1 de janeiro de 2013

KAREN HORNEY


VIDA E PRINCIPAIS CONCEITOS



Na fase de amadurecimento da brilhante e ambiciosa garota Karen Danielso, em Hamburgo, Alemanha, no fim do século XIX, ela enfrentou muitos desafios pessoais e sociais.
Seu pai, capitão de navio, perdera sua primeira esposa depois de ter quatro filhos com ela. Ele se casou novamente com a atraente e sofisticada Clotilde, dezoito anos mais nova do que ele. Eles tiveram um filho e, quatro anos mais tarde, uma filha - Karen. Ela, portanto, cresceu em um mundo de meio-irmãos que nunca aceitaram totalmente os novos rebentos da família (Horney, 1980; Quinn, 1987).
O pai de Karen, com 50 anos quando ela nasceu, era um homem severo e muito religioso. Fundamentava suas convicções sobre a inferioridade das mulheres nas interpretações que fazia da Bíblia e governava a família com pulso firme. Embora fosse mais abertamente afeiçoado a Berndt, irmão de Karen, preocupava-se com Karen. Às vezes, trazia-lhe presentes de terras distantes e chegou até a permitir que ela o acompanhasse em várias viagens a bordo do navio. Desse modo, Karen cresceu com sentimentos conflitantes em relação ao pai; ela o admirava, embora se sentisse menos amada por ele do que gostaria. Entretanto, ela e a mãe eram muito íntimas. Conquanto Karen não fosse pouco atraente, ela se achava feia e muito cedo estabeleceu para si mesma que, se não podia ser bonita, pelos menos podia ser inteligente. Adorava a escola e tornou-se excelente aluna. Por volta dos 12 anos, resolveu que seria médica, opção que não agradou a seu pai. Porém, com a insistência de Karen, Berndt e Clotilde, acabou concordando em fornecer o dinheiro da mensalidade para que ela frequentasse uma escola pré-médica.
Na sociedade como um todo, as relações entre os sexos eram tumultuadas nessa época. As mulheres clamavam por mais direitos e oportunidades educacionais. Karen foi uma das primeiras mulheres a receber permissão para freqüentar o ensino médio (o gymnasium alemão). As escolas médicas estavam apenas começando a abrir as portas para as mulheres. Em 1906, Karen iniciou a residência médica em Freiburg, Alemanha. Foi durante esse período que ela conheceu Oskar Horney (pronuncia-se Horn-ai); ambos rapidamente desenvolveram uma forte amizade. Eles se casaram em 1909 e, por volta de 1910, sua primeira filha já estava a caminho. Esse prometia ser um ano estressante e de várias mudanças para Karen. Ela havia se casado há pouco tempo, estava grávida e cursava psicanálise com Karl Abraham, discípulo de Freud, para se preparar para exercer a psiquiatria. E, não bastasse tudo isso, sua mãe morreu um pouco antes de ela dar à luz. Karen e Oskar tiveram três filhas ao todo e cada uma delas chegou a comentar mais tarde que Karen era um tanto quanto desprendida delas quando eram ainda crianças. Embora parte disso sem dúvida fosse intencional, no sentido de estimular a independência (algo em que tanto Karen quanto Oskar acreditavam firmemente), havia a falta de afeto e interesse em seu estilo de educar as filhas. Isso é particularmente curioso se considerarmos os próprios sentimentos de Karen, negligência durante a infância, e suas posteriores teorias sobre o papel da indiferença parental como estimuladora de neuroses. No início da década de 20, Karen e o marido começaram a se distanciar pouco a pouco. Então, um acontecimento trágico os afligiu. Em 1923, os investimentos financeiros de Oskar azedaram e, com a subida desenfreada da inflação, seu salário não era mais suficiente para evitar a falência da família. Além disso, ele foi acometido de meningite aguda, que o deixou fraco e frágil. Foi ainda durante esse ano que Karen perdeu seu querido irmão Berndt, vítima de infecção no pulmão. Tanto Karen quanto seu marido caíram em depressão e, por volta de 1926, não havia dúvida de que o casamento não sobreviveria. Karen e suas três filhas mudaram-se nesse mesmo ano para uma propriedade delas, mas Karen e Oskar só se divorciaram em 1939.
As idéias de Karen Horney até certo ponto eram semelhantes às de Adler. Horney acreditava, assim como Adler, que uma das descobertas mais importantes de uma criança é a própria impotência, e que é a luta seguinte para ganhar individualidade e controle que modela grande parte do self. Ela acreditava piamente na importância da auto-realização e no amadurecimento de cada indivíduo. Karen estava muito mais voltada para o mundo social e as motivações sociais do que os freudianos (voltados quase exclusivamente para os impulsos sexuais). Em 1932, emigrou de Berlim para os Estados Unidos. Essa tremenda mudança cultural abriu-lhe ainda mais os olhos para as influências da sociedade sobre o desenvolvimento do indivíduo.

Rejeição da inveja do pênis

A análise de Freud sobre as mulheres foi fundamentada em torno do conceito de inveja do pênis. Horney rejeitou a idéia de que as mulheres sentiam que seus órgãos genitais eram inferiores, embora minuciosa observação empreendida por ela tenha revelado que com freqüência as mulheres de fato se sentem inferiores aos homens. Freud, fazendo o mesmo exame, defendeu essa idéia do ponto de vista anatômico - a falta de um pênis. Entretanto, Horney sustentou que os sentimentos de inferioridade das mulheres originavam-se da maneira como elas eram educadas na sociedade e da ênfase exagerada para que se assegurassem do amor de um homem. Ela acreditava que, se as mulheres fossem criadas em ambientes nos quais a definição de "masculinidade" fosse forte, valente, competente e livre e, a de "feminilidade" fosse inferior, delicada, frágil e submissa, as mulheres sem dúvida ver-se-iam numa condição subordinada e, portanto, desejariam coisas  "masculinas" como forma de ganhar poder. Porém, ela não concordava com a idéia de Freud de que era um pênis que as mulheres queriam; ao contrário, elas queriam a autonomia e o controle que associavam com a masculinidade. Além disso, ela postulou que os homens são inconscientemente invejosos de algumas qualidades femininas, como a capacidade de ficar grávida.


Ansiedade básica

Pelo fato de as crianças serem impotentes - não estarem aptas a sair pelo mundo e reivindicar seu lugar legítimo -, precisam reprimir qualquer sentimento de hostilidade e irritação pelos adultos poderosos que vivem em seu próprio mundo e lutar para agradar a esses adultos como forma de satisfazer suas necessidades. Horney, portanto, substitui a ênfase biológica de Freud pela idéia de ansiedade básica. A ansiedade básica é o medo da criança de estar sozinha, desamparada e insegura, Ela provém de problemas nas relações da criança com os pais, como a falta de afeto, estabilidade, respeito ou envolvimento. Consequentemente, acreditava Horney, a ansiedade básica podia ser direcionada praticamente a todas as pessoas, caso em que um tumulto interno seria focalizado externamente, no mundo em geral. Desse modo, embora Horney aceitasse o conceito psicanalítico básico de Freud de que as pessoas são impulsionadas por motivos inconscientes e irracionais que se
desenvolvem na infância, ela acreditava que esses motivos originavam-se de conflitos sociais dentro da família e de conflitos mais amplos dentro da sociedade (Horney, 1968, 1987, 1991).
Em reação à ansiedade básica, os indivíduos são hipoteticamente acomodados em um modo primário de adaptação ao mundo. Aqueles que acreditam que podem fazer maior progresso sendo condescendentes adotam o estilo passivo; aqueles que acreditam em lutar para sobreviver adotam o estilo agressivo; e aqueles que sentem que é melhor não se envolver emocionalmente, de modo algum, adotam o estilo retraído. Essas idéias têm muito mais do que o simples interesse histórico; elas formam uma estrutura amplamente aceita que busca compreender a maneira adequada de criar filhos. Grande parte da preocupação atual em oferecer às crianças afeto e ambientes familiares respeitosos provém dessa teorização neoanalítica sobre o papel da sociedade em suavizar os instintos biológicos.
o self Os neo-analístas concentraram-se na identidade e percepção do self. Ao analisar pessoas neuróticas, Horney descreveu diferentes aspectos do self. Primeiro, há o seIf real, a essência interna da personalidade que nós percebemos sobre nós mesmos, que abrange nosso potencial de auto-realização; essa essência é prejudicada pela negligência e indiferença dos pais. Essa negligência dos pais pode gerar o seIf desprezado, que consiste em percepções de inferioridade e deficiência, na maioria das vezes baseadas em avaliações negativas que outras
pessoas fazem de nós e dos sentimentos de impotência daí resultantes. Talvez o mais importante tenha sido que Horney identificou o seIf ideal- o que uma pessoa considera perfeito e espera realizar - como sendo modelado por impropriedades percebidas. Ao descrever o self ideal, Horney referiu-se ao que ela chamou de "tirania do deveria", que é a ladainha de coisas que deveríamos ter feito de maneira diferente e com as quais nós nos atormentamos. O sel fideal é um composto de todos esses "deverias". Para Horney, a finalidade da psicanálise não era ajudar alguém a alcançar seu self ideal, mas capacitar a pessoa a aceitar seu self real.
As pessoas que são alienadas de seu selfreal tornam-se neuróticas e desenvolvem uma estratégia de enfrentamento interpessoal para "solucionar" esse conflito.

Estratégias neuróticas de enfrentamento

Horney, portanto, propôs uma série de estratégias usadas pelos neuróticos para que possam enfrentar outras pessoas. A primeira dessas abordagens é por ela denominada "aproximação" - isto é, sempre tentar fazer os outros felizes, obter amor e assegurar a aprovação e a afeição dos outros. Para Horney, os indivíduos que empregam essa estratégia de enfrentamento estão se superidentificando com o self desprezado e, portanto, estão se considerando indignos de amor. As tentativas dessas pessoas para ganhar amor são, por um lado, um disfarce do que elas acreditam ser verdadeiro sobre si mesmas e, por outro, uma maneira de fazer os outros acreditarem que elas merecem afeição. Por exemplo, as mulheres que foram criadas por pais alcoólicos podem ter aprendido a obter auto-estima sujeitando-se a situações de exploração; quando adultas, essas mulheres talvez procurem homens aproveitadores e empenhem-se para fazê-Ios felizes e, desse modo, ganharem a aprovação deles (Lyon & Greenberg, 1991). No jargão popular, esse padrão perturbado de relacionamento é às vezes chamado de codependência. Horney denominou a segunda abordagem de "expansão" - isto é, lutar por poder e reconhecimento e pela admiração dos outros. Para Horney, esses indivíduos, em vez de identificarem-se exageradamente com o self desprezado, superidentificam-se com o self idealizado. Eles têm de passar a acreditar que todas as coisas que desejavam ter sido são verdadeiras e sua luta por reconhecimento e poder é um esforço para reafirmar para si mesmos a verdade dessa ilusão. A terceira abordagem foi chamada de "afastamento" - isto é, desviar-se de qualquer investida emocional nas relações interpessoais, no sentido de evitar ser ferido nessas relações. Para Horney, esses indivíduos desejam superar o self desprezado e, além disso, sentem -se incapazes de tornar-se o self idealizado. Eles se consideram, no estado em que se encontram, indignos de amor e atenção alheios e também se sentem incapazes de alcançar algo melhor. Portanto, para evitar a diferença desagradável - a divergência
- entre esses dois aspectos do self, eles se escondem atrás da independência e da solidão.
No geral, essas estratégias de proteção do self, embora neuróticas, podem tornar-se uma necessidade difusa e chegar a dominar a personalidade de alguém. Horney enumerou dez defesas contra a ansiedade, as quais passaram a ser conhecidas como as dez necessidades neuróticas.

As dez necessidades neuróticas postuladas por Karen Horney

·       Afeição e aprovação (sempre tentar agradar aos outros)
·       Parceiro dominador (dependência exagerada)
·       Poder (necessidade de controlar os outros e de desdenhar a fragilidade)
·       Exploração (medo de ser explorado(a), mas não de explorar)
·       Reconhecimento e prestígio (busca constante por um status mais alto)
·       Admiração (busca de elogios, mesmo se imerecidos)
·       Ambição e realização (desejo de ser superior, em conseqüência da insegurança interior)
·       Auto-suficiência (não confiar nunca nos outros)
·       Perfeição (busca da impecabilidade)
·       Limites estreitos (contentar-se com pouco e, portanto, subjugar-se)
As pessoas neuróticas concentram-se compulsivamente em uma dessas necessidades  em todas as suas interações sociais. Essas  necessidades são soluções irracionais aos desafios que todos nós enfrentamos (Horney, 1942). A necessidade de um neurótico nunca pode ser satisfeita. Em suma, Karen Horney ajudou o pensamento psicanalítico a afastar-se da ênfase biológica, anatômica e individualista. Embora tenha aceitado o significado dos motivos inconscientes desenvolvidos na infância, Horney enfatizou a importância do afeto, da estabilidade familiar, bem como do impacto da sociedade e da cultura tomadas num âmbito mais amplo. Além disso, da mesma maneira que Horney, em sua própria vida, lutou contra os obstáculos impostos pela sociedade às realizações das mulheres, ela não aceitou a idéia de que a natureza das mulheres as torna inerentemente frágeis e submissas. Ela examinou as influências da família e da cultura sobre cada indivíduo e insistiu em que as pessoas podiam lutar para superar seus demônios inconscientes. Horney também enfatizou a aflição da "tirania do deveria" - as exigências neuróticas internas de perfeição. Horney escreveu que a psicanálise não é a única forma de solucionar conflitos internos - que "a própria vida" é um terapeuta muito eficaz (Horney, 1945).
A despeito das tentativas de Horney, a psicanálise não deixou de centralizar-se significativamente no sexo masculino e de ser paternalista. Como a feminista Germaine Greer (1971) disse espirituosamente, "Freud é o pai da psicanálise. Ela não teve mãe".

Fonte:
Teorias da Personalidade – da teoria Clássica à Pesquisa Moderna
( Friedman&Schustack)


Nenhum comentário:

Postar um comentário