terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O irônico caso do professor P.




Uma noite, o professor P. estava sentado em sua escrivaninha,  examinando um desenho dos nervos cranianos, bastante parecido com o apresentado no Apêndice m deste livro. Enquanto refletia sobre a localização e a função de cada nervo cra-  niano, ficou impossível para de negar a dolorosa verdade. A ironia da situação era que o   professor P. era um neurocientista e conhecia muito bem aquilo que estava experimentando. Seus sintomas começaram de forma sutil, com pequenos déficits em equilíbrio. Ele provavelmente nem os teria notado, mas a sua experiência como alpinista lhe havia ensinado a prestar
atenção nessas coisas. O professor P. considerava que essas falhas ocasionais deviam-se à idade - afinal, pensava, já havia passado da mocidade, e essas coisas acontecem. De maneira semelhante, seu médico não parecia pensar que era um problema que merecesse atenção, mas ainda assim monitorizava os seussintomas cuidadosamente. Três anos depois, como os seus problemas de equilíbrio permaneciam, o professor P. realmente começou a se preocupar. Ele estava tentando conversar com um colega pelo telefone, mas não conseguia ouvir, devido ao que pensou ser uma má conexão. Então, mudou o telefone para o outro ouvido e, de repente, a voz tênue ficou mais alta. Ele experimentou essa troca várias vezes nos dias seguintes, e a conclusão foi inevitável: o professor P. estava ficando surdo do ouvido direito.
Ele imediatamente marcou uma consulta com seu médico, que o indicou a um especialista. Após um teste de audição superficial e pouco controlado, o especialista lhe deu boas notícias: "Você está bem, professor P., muitas pessoas experimentam  perda de audição quando chegam à meia-idade, e os seus problemas não são tão sérios assim para se preocupar". Até hoje, o professor  P. se arrepende de não ter insistido em buscar uma segunda opinião, pois teria sido muito mais fácil lidar com o seu problema naquele estágio. Foi por volta de um ano depois que o professor P. estava sentado olhando a ilustração dos nervos cranianos. Nessa época, ele já havia começado a experimentar falta de sensibilidade no lado direito da boca, estava tendo problemas para engolir, e seus dutos lacrimais direitos não estavam lacrimejando de modo suficiente. Lá estava ele, sentado, olhando o ponto em que os nervos auditivos e vestibulares se unem para formar o nervo craniano VIII (o nervo auditivo-vestibular). Ele sabia que estava lá e que já era suficientemente grande para também afetar os nervos cranianos de V a X, mas não sabia o que era: um tumor, um AVe, um angioma, uma infecção? Será que ele iria morrer? Será que sua morte seria terrível e lenta, à medida que seu cérebro e intelecto se deteriorassem gradativamente? Ele não marcou uma consulta com o médico logo em seguida.
Um amigo seu estava conduzindo estudo do cérebro com RM e ele se ofereceu como voluntário para ser um sujeito-controle, sabendo que o seu problema apareceria no exame. E foi o que aconteceu: um grande tumor, conforme previsto, no nervo craniano VIII direito. Então com a RM em mãos, o professor P. voltou ao seu médico, que o encaminhou a um neurologista, que, por sua vez, o encaminhou a um neurocirurgião. Muitas semanas estressantes depois, ele se encontrava mantido por aparelhos na unidade de terapia intensiva do hospital local, com as mãos amarradas à cama e tubos aparentemente saindo de todas as partes de seu corpo. Veja bem, o tumor era tão convoluto que levou seis horas para ser removido. Para piorar, durante as seis horas em que o cérebro do professor P. esteve exposto, entrou ar em seu sistema circulatório e ele desenvolveu pneumonia. À beira da morte e com alucinações devido à morfina, o professor P. pensou ter ouvido a sua esposa, Maggie, pedindo ajuda, e tentou ajudá-Ia: é por isso que ele estava amarrado. Um tranqüilo professor alterado pela morfina não seria páreo para cinco enfermeiros fortes que tentavam salvar a sua vida. O nervo auditivo-vestibular do professor P. foi seccionado durante a cirurgia, o que o deixou permanentemente surdo e sem função vestibular no lado direito. Ele também ficou com paralisia hemifacial parcial, incluindo graves problemas envolvendo a forma como piscava o olho e  lacrimejava, mas esses sintomas faciais logo passaram. O professor P. retomava agora para os seus alunos, sua pesquisa, seus textos, esperando que o tumor tenha sido completamente removido e que não precise passar por outra cirurgia. De fato, no exato momento em que escrevo estas palavras, o professor P. está trabalhando na próxima edição do seu livro ... Se ainda não lhe ocorreu, eu sou o professor P.



Um tumor, ou neoplasma (literalmente "novo crescimento"), é uma massa de células que cresce de forma independente do resto do corpo. Em outras palavras, é um câncer. Cerca de 20% dos tumores encontrados no cérebro humano são meningiomas  - tumores que crescem entre as meninges, as três membranas que cobrem o sistema nervoso central. Todos os meningiomas são tumores encapsulados - crescem dentro de sua própria membrana. Como resultado, eles são particularmente fáceis de identificar em um TC scan, podem influenciar o funcionamento do cérebro apenas pela pressão que exercem sobre o tecido adjacente e são quase sempre tumores benignos - removíveis por cirurgia com pouco risco de maior crescimento no corpo.
 Infelizmente, a encapsulação é a exceção em vez da regra, quando se trata de tumores cerebrais. Com exceção dos meningiomas, a maioria dos tumores cerebrais é infiltrante. Os tumores infiltrantes crescem de forma difusa através do tecido adjacente. Como resultado, eles normalmente são tumores malignos. É difícil removê-los ou destruí-los completamente. Assim, qualquer tecido canceroso que permanecer após a cirurgia continua a crescer.

Fonte:
Biopsicologia – John P. J. Pinel

Para saber mais acesse:

Causa de Lesões Cerebrais







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