domingo, 13 de janeiro de 2013

O caso do homem que confundia a esposa com um chapéu




O dr. P. era um músico bastante conhecido por muitos anos como cantor ... e professor ... Ficava claro, após alguns segundos depois de conhecê-lo, que não havia traços de demência [deterioração intelectual] ... Ele era um homem de grande cultura e charme, que falava bem e fluentemente, com imaginação e humor... "Qual parece ser o problema?" Perguntei demoradamente. "Nada que eu saiba", respondeu com um sorriso, "mas as pessoas parecem achar que há algo errado com os meus olhos". "Mas você não reconhece nenhum problema visual?" "Não, não diretamente, mas ocasionalmente eu cometo enganos" ...
Foi enquanto eu examinava os seus reflexos ... que a primeira experiência bizarra ocorreu. Eu havia tirado o seu sapato esquerdo e coçado a sola do pé com uma chave - um teste simples de reflexo, mas essencial e então, virando-me para arrumar meu oftalmoscópio, deixei que ele mesmo colocasse o sapato de volta. Para minha surpresa, um minuto depois, ele ainda não o tinha feito.
"Posso ajudá-Io?" Perguntei. "Ajudar o quê? Ajudar quem?" ...
"Seu sapato", repeti. "Quem sabe você o calça".
Ele continuou a olhar para baixo, mas não para o sapato, com uma concentração intensa, mas desviada. Finalmente, ele olhou para o sapato.
"Esse é o meu sapato, certo?"
Será que eu havia ouvido mal? Será que ele enxergara mal?
 "Meus olhos", ele explicou.E colocou a mão no pé. "Isso é o meu sapato, não é?"
"Não, não é. Isso é o seu pé. Aquele é o seu sapato."
Estaria ele brincando? Estaria ele louco? Estaria ele cego? Se esse fosse um dos seus "erros estranhos", foi o erro mais esrranho com que já me deparei.
Ajudei-o com o sapato (seu pé), para evitar mais complicações...
Continuei o exame. Sua acuidade visual era boa, ele não tinha dificuldade para enxergar um alfinete no chão... Ele estava bem, mas o que enxergava? ...
"O que é isto?", perguntei, segurando uma luva. "Posso examinar?", perguntou ele, tirando-a de mim.
"Uma superfície contínua", anunciou enfim, "dobrada para dentro. Parece ter" - ele hesitava - "cinco saquinhos, se essa é a palavra."
"Sim", falei cautelosamente. "Você me deu uma descrição. Agora diga-me o que é."
"Algum tipo de recipiente?"
"Sim", falei, "e o que ele conteria?"
"Ele conteria conteúdos!", disse o dr. P., com uma risada.
"Existem muitas possibilidades. Pode ser uma moedeira, por
exemplo, para moedas de cinco tamanhos. Poderia ..."
"Não lhe parece familiar?Você acha que pode conter, pode servir para alguma parte do corpo?"
Nenhum sinal de reconhecimento apareceu em seu rosto ... Eu devia estar parecendo chocado, mas ele parecia pensar que estava indo muito bem. Havia a ponta de um sorriso em seu rosto. Ele também parecia ter decidido que o exame havia terminado e começou a olhar em volta, procurando o seu chapéu. Ele segurou a mão de sua esposa, tentou levantá-Ia, para colocar na cabeça. Ele aparentemente havia confundido a esposa com o chapéu. Ela parecia já estar acostumada com esse tipo de coisas.
 Levando em conta a organização hierárquica dos sistemas sensoriais, alguns psicólogos dividem o processo geral de perceber em duas fases: sensação e percepção. A sensação é o acesso de detectar a presença de estímulos; a percepção é o processo superior de integrar, reconhecer e interpretar padrões completos de sensações. O problema do dr. P. claramente era percepção visual e não de sensação visual.  

Segregação funcional

Antes, supunha-se que as áreas primária, secundána e de - associação de um sistema sensorial fossem funcionalmente homogêneas. Ou seja, todas as áreas do córtex em determinado nível de hierarquia sensorial agiam em conjunto para realizar a mesma função. Entretanto, as pesquisas mostram que a segregação funcional, em vez da homogeneidade funcional, caracteriza a organização dos sistemas sensoriais. Agora está claro que cada um dos três níveis do córtex cerebral - primário, secundário e de associação - de cada sistema sensorial contém áreas funcionalmente distintas especializadas para diferentes tipos de análise.

Processamento em paralelo


Antes, supunha-se que os diferentes níveis de um sistema hierárquico eram conectados em série. No sistema em série, as informações fluem entre os componentes por apenas um caminho, como uma linha através de um colar de contas. Entretanto,  atualmente evidências sustentam que os sistemas sensoriais são sistemas paralelos - as informações fluem através dos componentes em caminhos múltiplos. Os sistemas paralelos apresentam processamento paralelo - a análise simultânea de um sinal de formas diferentes pelos caminhos paralelos múltiplos de uma rede neuronal. Parece haver dois tipos de linhas paralelas de análise em nossos sistemas sensoriais: uma capaz de influenciar o nosso comportamento sem que estejamos cientes e outra que influencia o nosso comportamento envolvendo a nossa percepção consciente (ver Jeannerod e cols., 1995). Esse achado é tão contra-intuitivo quanto importante.

O modelo atual de organização do sistema sensorial

O pensamento sobre a organização dos sistemas sensoriais mudou. Na década de 1960, acreditava-se que os sistemas sensoriais eram hierárquicos, funcionalmente homogêneos e seriais. Entretanto, pesquisas subseqüentes estabeleceram que os sistemas sensoriais são hierárquicos, funcionalmente segregados e paralelos (ver Zeki, 1993a).
Os sistemas sensoriais caracterizam-se pela divisão de trabalho: áreas múltiplas especializadas, em níveis múltiplos, interconectadas por caminhos paralelos múltiplos. Ainda assim, os estímulos complexos normalmente são percebidos como todos integrados, e não como combinações de atributos independentes.
Como o cérebro combina atributos sensoriais independentes para produzir percepções integradas? Isso se chama o problema da integração. Solução possível para o problema da integração é que  existe uma única área do córtex, no topo da hierarquia sensorial, que recebe sinais de todas as outras áreas do sistema sensorial e as reúne para formar percepções. Entretanto, não há áreas do córtex para as quais todas as áreas de um único sistema  sensorial convergem. Parece, então, que as percepções devem ser o produto da atividade combinada de muitas áreas corticais interconectadas. Embora a maioria das vias sensoriais conduza informações de níveis mais baixos para níveis mais altos de suas respectivas hierarquias sensoriais, muitas vias menos proeminentes desses sistemas conduzem-nas na direção oposta (de níveis mais altos para mais baixos). Aquelas vias que conduzem informações de áreas sensoriais corticais para áreas subcorticais são as vias corticofugais. As vias corticofugais são um dos meios pelos quais os processos cognitivos, como a atenção, podem influenciar a percepção.



PARA APROFUNDAR O ASSUNTO LEIA OS TEXTOS ABAIXO SOBRE SISTEMA NERVOSO E CÓRTEX CEREBRAL


Fonte:

Biopsicologia – John P. Pinel





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