quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

QUESTÃO DO TRAUMA EM PSICANÁLISE


 QUESTÃO DO TRAUMA EM PSICANÁLISE

Por JOSE OUTEIRAL

        Utilizo como referencial, teórico e clínico, em relação a este tema duas vertentes básicas: as fundamentais contribuições de Freud sobre o trauma em psicanálise e a original abordagem de Masud Khan ( Khan, 1963; 1964 ) sobre o que ele denominou trauma acumulativo.
        Laplanche e Pontalis  (Laplanche e Pontalis, 1987 ), em seu Dicionário de Psicanálise, consideram o "trauma" (ou "traumatismo psíquico") como um "acontecimento da vida do sujeito que se define  pela sua intensidade, pela incapacidade que se encontra o sujeito de reagir a ele de forma adequada, pelo transtorno e pelos efeitos patogênicos  duradouros  que provoca  na organização psíquica.. Em termos econômicos, o traumatismo caracteriza-se por um afluxo de excitações que é excessivo em relação à tolerância do sujeito e à sua incapacidade de dominar e de elaborar psíquicamente estas excitações ".
        Masud Khan ( Khan, 1963 ), em seu clássico trabalho  O conceito de trauma acumulativo, dividiu a evolução do conceito de trauma  em psicanálise em cinco períodos, não excludentes e complementares entre si, o que para ele revela a complexidade metapsicológica deste tema para a psicanálise.
                        1. Em uma primeira fase, de 1885 a 1905, o conceito de trauma exercia  "um papel vital e importantíssimo ". O trauma era "basicamente concebido como ( a ) um fator ambiental que invade o ego e que o ego não pode enfrentar mediante ab-reação ou elaboração associativa... e ( b ) como um estado de energia libidinal estrangulada que o ego não consegue descarregar ". O núcleo da situação traumática, como sabemos, foi inicialmente a sedução sexual que, posteriormente foi em grande parte abandonada por um Freud contrafeito, ao perceber que a sedução jamais havia ocorrido em realidade e que era produto da fantasia de seus histéricos. A ansiedade neurótica resultava da libido sexual modificada e o mecanismo de defesa central era a repressão. Este período correspondia ao desenvolvimento dos conceitos básicos para a compreensão do inconsciente:   "trabalho do sonho, formação do sintoma e a etiologia da histeria e da neurose obsessiva ".
                        2. A segunda fase, de 1905 a 1917, é caracterizada pela busca de compreender o desenvolvimento sexual infantil e estabelecer as bases da "feiticeira" , isto é, a metapsicologia. Masud Khan escreve que "em termos do desenvolvimento sexual infantil e da teoria da libido, as situações traumáticas paradigmáticas são (a ) ansiedade de castração, ( b ) ansiedade de separação, ( c ) cena originária e ( d ) complexo de Édipo" . Masud Khan produz a seguinte  écriture ( Khan, 1963 )
        " O trauma está afeto à força e  urgência das pulsões sexuais  e à luta do ego contra elas. É em termos da fantasia inconsciente e da realidade psíquica interna que todos os conflitos e consequentes situações traumáticas são examinados. Na última metade desta fase Freud apresentou sua primeira declaração sistemática da metapsicologia e temos, então, de um lado, o conceito de libido do ego, narcisismo primário, ideal de ego e, de outro, um exame minucioso dos mecanismos  de introjeção, identificação e projeção ".

                        3. A terceira fase vai de 1917 a 1926 e corresponde a "fase final "do pensamento metapsicológico de Freud. Masud Khan  (Khan, 1963) continua desenvolvendo o tema ao escrever :

        " Em Além do princípio de prazer  (1920) encontramos a primeira palavra sobre a compulsão à repetição como um princípio de funcionamento psíquico e sua relação com a pulsão de morte (princípio de inércia na vida orgânica). Aqui, chegou Freud à teoria dualística das pulsões e da distinção anterior entre pulsões do sexuais e pulsões do ego passou à dualidade de pulsões de vida versus pulsões de morte. Com a hipótese da dualidade  das  pulsões e da compulsão à repetição, e com a definição de estruturas psíquicas em termos de ego, id e superego (1923), o conceito de trauma adquiriu um referencial exclusivamente intersistêmico e pulsional. A vasta literatura sobre culpa, masoquismo, melancolia, depressão e situações de ansiedade interna documentam fartamente esses traumas e como o ego os enfrenta. A maior e mais pormenarizada exposição sobre esses traumas intersistêmicos e pulsionais é talvez a de Melanie Klein (1932) na descrição que fez das posições paranóides e depressivas. Nas perquisas de Freud, esta fase atinge o auge na sua revisão do conceito de ansiedade, em Inibições, sintomas e ansiedade  (1926) ".

                        4. A quarta fase, de 1926 a 1939, inicia com a revisão do conceito de ansiedade e o desenvolvimento da  psicologia do ego. Masud Khan (Khan, 1963) assim define esta etapa:

                        " Strachey ( 1959 ) nos dá um resumo magistral do conceito de ansiedade de Freud. Comentarei apenas o fato de que em Inibições, sintomas e ansiedade, Freud distinguiu muito claramente as situações traumáticas das situações de perigo, relativas às quais há dois tipos de ansiedade: ansiedade automática e ansiedade como sinal de aproximação deste trauma. "O determinante fundamental de uma ansiedade automática é a ocorrência de uma situação traumática; e a essência desta é uma experiência de desamparo por parte do ego, diante de um acúmulo de excitação... os diversos perigos específicos capazes de precipitar uma situação traumática em diferentes épocas da vida. Em resumo, são elas: nascimento, perda da mãe como objeto, perda do pênis, perda do amor do objeto e perda do amor do superego.

                        Com a modificação sofrida no conceito de ansiedade e situações traumáticas, o papel do meio ambiente ( mãe ) e a necessidade de " auxílio  externo "nas situações de desamparo se situam bem no centro do conceito de trauma. Desse modo, as fontes intrapsíquicas, intersistêmicas e ambientais de trauma ficam integradas num referencial unitário. Já no fim desta fase, nos seus dois escritos Análise terminável e interminável ( 1937 ) e A divisão do ego no processo de defesa ( 1940 ), Freud focalizou sua atenção no ego em termos das modificações sofridas no decorrer de conflitos defensivos da primeira infância, assim como através de variações primárias congenitas e dos disturbios da função sintética do ego ".

        Nesta etapa as contribuições de Donald Winnicott e de outros autores do chamado middle group da Sociedade Britânica de Psicanálise com a ênfase que colocam no papel do  ambiente facilitador e da noção de intrusão ( impingement ), assim como do conceito de  falta básica ( basic fault ) de Balint, assumem um papel central na compreensão destes fenomenos.
                        5. A última fase, que compreende o período que vem desde 1939 até hoje, retoma os elementos da fase anterior "e toda uma nova ênfase  dada ao relacionamento mãe-filho alteraram o nosso próprio referencial  para a discussão da natureza e do papel do trauma ", considera Masud Khan ( Khan, 1963 ).

                        Em um trabalho sobre a questão do trauma,  El trauma y el inconsciente, ,Myrta Casas de Pereda  ( Pereda, 1996 )faz uma abordagem que incluui a concepção Freudiana de  trauma, a evolução deste conceito e suas  implicações metapsicológicas.

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