sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

PSICOSSOMATICA E SUAS ESCOLAS


O termo “psicossomático” foi utilizado pela primeira vez em 1818 por Heinroth, psiquiatra alemão, ao fazer referência à insônia e a influência das paixões na tuberculose, epilepsia e cancro.  No século seguinte as descobertas de Freud permitiram uma melhor compreensão desses fenômenos. Em 1922 Deutsch reintroduziu esse termo em Viena.
Neves (1998) destaca que as afecções psicossomáticas estão para o final do século XX, assim como as histerias estiveram para o final do século XIX. A autora traça algumas linhas de desenvolvimento da psicossomática, destacando as contribuições de Franz Alexander e seus colaboradores da Escola de Chicago, e os trabalhos de Spitz e da Escola Psicossomática de Paris. Franz Alexander e seus colaboradores desenvolveram uma teoria que buscava as relações entre emoções reprimidas e sua repercussão no plano físico, levando aos sintomas. A partir de 1950, com os trabalhos de Spitz observou-se a decisiva influência que a ausência da figura materna exerce no plano da psicopatologia, e constatou-se que essa ou outras ausências no psiquismo aumentavam a disposição à doença. Em 1962 surge a Escola Psicossomática de Paris, representada por Pierre Marty, Chistian David, Michel Fain e Michel M’Uzan; e em 1972 foi criado o Instituto de Psicossomática, sob a direção de Pierre Marty, com a finalidade de formar psicossomaticistas, promover a pesquisa e fornecer atendimento clínico.
Volich (1998) destaca que desde sua origem a psicossomática foi marcada pelas descobertas de freudianas, durante toda a sua obra Freud apresenta uma reflexão entre o psíquico e o somático. O modelo etiológico da histeria e da neurose atual constituem as primeiras referências da psicanálise para pensar a relação entre fatores psíquicos e doenças orgânicas. Todos os pioneiros da psicossomática tiveram contato com as formulações freudianas, reconhecendo as contribuições desta para as suas teorias.


A Escola de Chicago
os Estados Unidos o interesse pela psicossomática surge por volta dos anos 30, consolidando-se em meados deste século com Alexander e Dunbar da Escola de Chicago. Esses dois autores dirigiam seus trabalhos no sentido de buscar estabelecer relações entre conflitos emocionais específicos e estruturas da personalidade com alguns tipos de doenças somáticas, como úlceras, enxaquecas, alergias, asma e distúrbios digestivos. Eles consideram que os transtornos psicossomáticos seriam “conseqüência de estados de tensão crônica, relativa à expressão inadequada de determinadas vivências, que seriam derivadas para o corpo” (Cardoso, 1995, p.10).
Instituto de Psicossomática de Paris
 Na França, a partir dos anos 50 um grupo de psicanalistas, liderados por Pierre Marty, ampliou de maneira significativa a teoria e a clínica psicossomática, introduzindo uma continuidade conceitual e clínica entre a abordagem médica e  psicanalítica da sintomatologia, tanto psíquica quanto somática. O objetivo inicial desses teóricos era melhor compreender as patologias somáticas cuja dinâmica não correspondiam ao modelo da conversão histérica, utilizando o conceito psicanalítico de neurose atual.
 Volich (1998) diz que gradualmente foi se desenvolvendo um corpo clínico e teórico que considera a sintomatologia a partir de uma concepção essencialmente metapsicológica e, sobretudo, econômica. É uma tentativa de compreender os destinos da excitação pulsional no organismo e sua possibilidades de descarga.
Segundo Marty (1994) a patologia somática não conversiva é o resultado da impossibilidade de elaboração da excitação através dos recursos psíquicos do indivíduo, em função de uma estruturação deficiente, no plano representativo e emocional, do aparelho mental.
Marty (1994) acredita que em grande número de pacientes que apresentam uma sintomatologia somática não conversiva é possível constatar um empobrecimento da capacidade de simbolização das demandas pulsionais e de sua elaboração através da fantasia. O modelo proposto por Marty ressalta a idéia de que um menor grau de atividade mental, corresponde a uma maior vulnerabilidade somática. Diante de um traumatismo, um indivíduo com uma atividade mental pouco desenvolvida não teria recursos mentais suficientes para lidar com o excesso de estimulação, e esta desorganização passaria a atingir as funções somáticas, menos evoluídas.
Neves (1998) demonstra que Michel Fain traz uma abordagem complementar a de Marty. Esse autor defende a idéia de que uma sobrecarga de excitação que ultrapassa os limites do ego para responder, quer por imaturidade, no caso do bebê, quer por um desenvolvimento precário, no adulto.  



Escola de Boston e Conceito de Alexitimia
 Durante a década de 1970, dois analistas americanos,  Jonhn Nemiah e Peter Sifneos,  se propuseram a realizar pesquisas sobre a forma diferenciada de se comunicar dos pacientes psicossomáticos, através de um estudo com análise de entrevistas psiquiátricas, gravadas com pacientes que apresentavam alguma doença psicossomática clássica; constataram que alguns desses pacientes demonstraram uma impressionante dificuldade de expressar ou descrever suas emoções através da palavra, assim como uma acentuada diminuição dos pensamentos fantasmáticos.
Através de outras observações estes autores concluíram que os pacientes com doenças psicossomáticas clássicas, apresentavam freqüentemente uma desordem específica nas suas funções afetivas e simbólicas, acarretando uma forma de se comunicar confusa e improdutiva. Esta maneira peculiar de se comunicar desses pacientes, foi denominada alexitimia, que significa falta de palavras para as emoções (Taylor, 1990).
Cerchiari (2000) diz que apesar desses estudos atuais demonstrarem que essa maneira peculiar de se comunicar não é específica dos pacientes com doenças psicossomáticas clássicas, a contribuição de Nemiah e Sifneos é de importância fundamental, pois chamaram a atenção para um aspecto do funcionamento psíquico e apontaram , uma direção a tomar sobre a exploração da vida intra-psíquica via estudo da comunicação entre paciente e analista.
Perspectiva evolucionista
De acordo com essas teorias o aparelho psíquico não é um acessório de luxo do desenvolvimento humano, mas ele exerce uma função essencial de assimilação e elaboração dos estímulos provenientes da realidade externa e do meio interior. Se o curso normal do desenvolvimento humano aponta para a formação de estruturas, de dinâmicas e de funções cada vez mais complexas, é necessário considerar que o objetivo desse desenvolvimento é sobretudo assegurar o equilíbrio de um organismo permanentemente solicitado por estímulos externos e internos. Mas para atingir esse equilíbrio, algumas vezes o organismo responde a essas solicitações através de respostas anacrônicas, primitivas, menos elaboradas do que é ou já foi capaz. O ser vivo não é capaz apenas de organizações, hierarquizações e de associações, mas também objeto de movimentos regressivos e destruição e desorganização. A patologia também faz parte dos meios do individuo para regular sua homeostase, ou suas relações com o meio.
Neves (1998) destaca que além dessas perspectivas, deve-se destacar um outro enfoque que, partindo da noção de vazio representacional e da dificuldade em utilizar recursos mentais para lidar com sobrecargas de estimulação, vai em outra direção: Christophe Dejours, por exemplo, trabalha com a importância das relações intersubjetivas e com a noção de intencionalidade do sintoma, conceito fenomenológico diferente de intenção.

http://www.psicologado.com/site/psicopatologia/psicossomatica/psicossomatica-historia


Síntese e Reflexão a Partir dos Diversos Modelos
O maior legado de Freud (1894) para as investigações psicossomáticas se deve ao conceito de conversão  individual. Esse termo- “conversão”- foi utilizado por Freud para explicar a “transposição de um conflito psíquico na tentativa de resolvê-lo em termos de sintomas somáticos, motores ou sensitivos”. (Laplanche e Pontalis, 1995, p.103). No fim do século XIX, essa idéia, amplia o desenvolvimento das investigações psicossomáticas, reinaugurando “o campo da psicossomática, que se veio a estender por dois grandes ramos de investigação” (Cardoso, 1995, p.37).
O primeiro ramo da história da psicossomática se refere à Escola Americana, representada por Franz Alexander e Dunbar, cuja via de investigação tem como ponto de partida o modelo médico, onde estes procuram correlacionar determinados tipos de personalidades com doenças orgânicas específicas. Nessa mesma perspectiva, outra área de investigação, que também se desenvolveu muito nos anos 30 e que muito contribuiu para os avanços nas investigações psicossomáticas, se refere às “investigações experimentais acerca das variáveis fisiológicas das emoções, em torno das descobertas de Walter Cannon e Hans Selye” (Dantzer, 1989, cit. Cardoso, 1995, op. cit.).
Nesse período, esses dois movimentos se aproximam, mas as investigações não ultrapassam os dados estatísticos e discordantes em relação “a descrição das diferentes personalidades acopladas ao órgão e sua doença”. (A. Dias, 1992, op. cit.). Em decorrência da não extrapolação dos dados estatísticos e da não valorização da história pessoal do indivíduo e da gênese inconsciente das doenças, essa concepção esgotou em “seu próprio processo descritivo”. (Cardoso, 1995, op. cit.). No entanto, as contribuições da Escola Psicossomática Americana, especificamente Alexander e Dunbar, e as de Cannon e Selye foram fundamentais para a consolidação do movimento psicossomático, assim como para a influência sobre uma medicina integral e humanista. Contudo, ao sair em busca do entendimento holístico dos fenômenos, essa concepção “também se descaracterizou e o que ganhou em extensão parece ter perdido em profundidade” (Cardoso, 1995, loc. cit.).
O segundo grande ramo das investigações psicossomáticas diz respeito àqueles que “tentaram e em grande parte conseguiram - unificar o discurso e o modo de relação de objecto subjacentes à doença psicossomática” (A. Dias, 1992, p. 39). Trata-se da Escola Psicossomática de Paris, que propõe uma nova forma de escutar o indivíduo, viabilizando uma nova leitura do sintoma e do sofrimento emocional ao atribuir um valor positivo ao fenômenos, “mesmo se a natureza própria dos fenômenos assenta numa negatividade simbólica e sintomática” ( A. Dias, 1992, cit., Cardoso, 1995, op. cit.).
Seguindo essa mesma concepção, outros autores trouxeram sua valiosa contribuição para o movimento psicossomático. Contudo, essas contribuições não propiciaram resolução quanto à fundamentação epistemológica da psicossomática. Nesse sentido, A. Dias (1994, cit. Cardoso, 1995, op. cit.), de posse das contribuições epistemológicas de Bion, coloca o adoecer psicossomático no contexto da relação entre pensamento, emoção e aparelho de pensar o pensamento, onde o fenômeno alexitímico deve ser visto como manifestação da separação entre o pensamento e aparelho de pensar o pensamento.

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