quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

ADOÇÃO E A FAMÍLIA NA PÓS-MODERNIDADE




ADOÇÃO

PROCESSOS PSICODINÂMICOS, PSICOSSOCIAIS E JURÍDICOS 


A adoção é definida como um processo pelo qual uma criança é levada para dentro de uma família por um ou mais adultos que não são seus pais biológicos, mas são reconhecidos pela lei como seus pais (Kaplan, 2003).

No Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA (1990), a adoção está disposta nos artigos 39 a 52, sendo esta uma forma de colocação em família substituta que confere a condição de filho a criança ou o adolescente.
Do ponto de vista de Ribeiro (2002), o processo de adoção pode envolver situações muito dolorosas, tanto para as crianças, quanto para os pais. Este processo pode ser traumático, mas uma boa relação dos filhos com seus pais adotivos, onde a criança se sinta amada e compreendida pode minimizar este sofrimento.
Percebe-se que existem concepções distorcidas em relação à adoção, comumente considerada um acontecimento que envolve segredos, omissões e mentiras. Frente a tal realidade, o autor assinala que no Brasil, o principal desafio consiste em apoiar todas as iniciativas que permitam compreender que a adoção deva ser vivida fundamentalmente para a criança, cabendo aos adotantes o gesto maduro do amor incondicional, apoiados por movimentos sociais competentes em todas as fases da integração familiar adotiva (Freire, 1991).
Steinhauer (1992) acrescenta existir uma concordância geral que o sucesso ou fracasso na adoção depende das características dos pais adotivos, daquelas da criança e da capacidade de cada um satisfazer as necessidades do outro, aceitando as limitações.
Conforme Papalia e Olds (2000), não apenas as pessoas casadas, mas também pessoas solteiras, idosas ou casais de homossexuais têm se tornado pais adotivos. Mas ainda existem preconceitos e idéias errôneas sobre a adoção. Uma crença seriamente errônea é a de que as crianças adotadas são destinadas a ter problemas porque foram privadas de seus pais biológicos. Um estudo com 715 famílias com adolescentes que tinham sido adotados quando bebês constataram que quase três a cada quatro delas achava que a adoção desempenha um papel pouco importante na sua identidade.
A adoção no nosso país é ainda usualmente vista como um recurso para a infertilidade, constituindo uma das causas para a procura maciça de bebês. Somente crianças de até três anos de idade conseguem ser adotadas em famílias brasileiras.

Adotar uma criança realmente envolve riscos e desafios. Além das questões usuais de paternidade e maternidade, os pais adotivos precisam lidar com a aceitação de sua esterilidade (caso sejam por isso que tenham adotado), a necessidade de explicar a adoção para a criança, e o possível desconforto em torno do interesse da criança pelos pais biológicos.

Aspectos Jurídico-Legais

A Lei Federal n° 8.069 de 13 de julho de 1990 que compõe o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estabelece o conceito de adoção apenas em caráter pleno, incontrastável e imutável para menores de 18 anos ou maiores, caso ocorra convivência iniciada antes do adotando chegar à maioridade (Campos, 2004; Costa, 1992).
Os mesmos autores explicitam que, de acordo com o ECA (1990), o(s) adotante(s) devem ter mais de 21 anos e serem pelo menos 16 anos mais velhos do que o(s) adotando(s), independentemente do seu estado civil. Porém, com a promulgação do Novo Código Civil, Lei n° 10406, sancionada em 2002 e vigente a partir de janeiro de 2003, a menoridade cessa aos 18 anos, reduzindo a idade mínima para os adotantes, uma vez que essa idade habilita a pessoa a todos os atos da vida civil, mantendo-se a diferença mínima entre adotante e adotando de 16 anos. Esta nova lei estabelece ainda que ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se estes forem casados, ou estiverem mantendo uma relação estável. Pelo menos uma dessas duas pessoas (adotantes) deve ser maior de 18 anos desde que comprove estabilidade da família. A adoção é irrevogável e dá ao adotado os mesmos direitos sucessórios de um filho natural.

A adoção cria um laço de parentesco civil entre as partes, mas esse laço não é extensivo às respectivas famílias – o adotado não se torna parente dos parentes do adotante, e vice-versa. Os vínculos jurídicos entre o adotado e seus pais de sangue não se extinguem, exceção feita ao poder pátrio – direito de educar o filho, representá-lo até os dezesseis anos nos atos civil, etc. – que passa para o adotante.
O adotado só será herdeiro do adotante se este não tiver filhos por ocasião da adoção. Se o adotante tiver filhos depois da adoção, o adotado herdará a metade do legado dos filhos de sangue (Weber, 2005).
Inevitavelmente, neste processo, não são apenas as crianças que tem sentimentos de ansiedade e temor despertados. Em uma pesquisa realizada em uma Vara da Infância e da Juventude da cidade de Porto Alegre – RS, evidenciou-se a gama de pessoas que estão envolvidas e são acometidas por estes sentimentos, como psicólogos, assistentes sociais, profissionais da área jurídica, entre outros (Campos & Costa, 2004).
Nesta mesma pesquisa, as autoras apontam para a importância dos fatores psicossociais que podem influenciar nos trâmites e nas avaliações do processo adotivo, como história pessoal do profissional supervisor, da criança e do adotante.

Aspectos Psicológicos

A idade mais conveniente para adoção, apontada pela maioria dos autores, é a mais precoce possível, até os 2 meses de vida, de acordo com o que postula Bowlby (2002) de preferência antes da fase em que o objeto materno começa a ser reconhecido na sua individualidade e como diferente das outras pessoas que se aproximam do bebê. Esta indicação deve-se ao fato das crianças serem especialmente sensíveis a rupturas precoces nas relações já estabelecidas.

Reduzindo o período de tempo anterior à adoção diminuem-se, em princípio, as possibilidades da existência de traumatismos que possam repercutir na sua evolução. E sabe-se como serão importantes para o futuro os primeiros anos de vida. Da parte dos pais, adotar uma criança em seus primeiros dias ou meses, facilita o desenvolvimento do sentimento de verem como sua esta criança (Diniz, 1989).

A paternidade adotiva é distinta da paternidade biológica e requer compreensão e aceitação das diferenças. Os pais adotivos, por suas necessidades, ao oferecerem solução a um difícil problema dos pais biológicos, dando uma família real à criança, estão se envolvendo em uma série de questões específicas. Os vários autores apontam a busca de sua verdadeira identidade pelo adotado, o segredo e a revelação da adoção, a presença de dois pares de pais, entre outros, como fatores universalmente presentes no funcionamento da família adotante (Diniz, 1989).

Vários estudos demonstram que, de maneira geral, a visão de família apresentada por crianças institucionalizadas, através da brincadeira de faz-de-conta, segue o modelo de família conhecido pelas crianças no decorrer de suas vidas. Elas iniciam a brincadeira construindo a família de uma forma muito semelhante à que todos têm, ou seja, a concepção nuclear.

Tipos de adoção
Existem vários tipos de adoções: uma criança pode ser abandonada pelos pais biológicos no nascimento ou poucas semanas após este, ser adotada; a criança pode passar meses anos em instituições, antes da adoção; um padrasto ou madrasta podem adotar a criança, após a morte de um dos genitores; em algumas adoções, os pais biológicos eram casados, mas em outras não; existem adoções étnicas mistas, nas quais um genitor de determinado grupo étnico adota uma criança de outro grupo; em circunstâncias fora do comum um adulto pode ser adotado; recentemente solteiros de ambos os sexos tem adotado crianças (Glenn, 1996).


Casais Adotantes

A necessidade de ser pai ou ser mãe encontra-se além da capacidade física de um homem e de uma mulher gerarem uma criança, pois esta necessidade não é apenas biológica, mas também psicológica. Os desejos de gerar um filho tem suas raízes na biologia, num processo de identificação com os pais e a transitoriedade de vida. Os casais que não têm filhos podem apresentar limitadas expectativas em relação ao futuro. Os filhos ajudam a elaboração do luto relativo à própria morte. A falta de um filho faz com que vivam a solidão e pode ser vislumbrado um ponto final em suas vidas. Esta situação pode determinar um quadro típico de depressão, no qual procuram atenuar através da adoção de um filho que será uma forma de resgatar a fantasia e o sentimento de continuar vivendo (Costa, 1992).

Decisões e motivações para adoção

A decisão de adotar um filho constitui-se numa defesa contra a ferida narcísica de não poder gerar um filho. O indivíduo sente-se criticado com a impossibilidade de gerar um filho e rejeitado pelo ideal de ego (pais internalizados) e procura resgatar a perfeição ferida sob forma de um novo ideal do ego que vai ser o filho adotado (Costa, 1992).
As histórias de adoções estão repletas de ingredientes comuns e via de regra referem-se a abandonos, rejeições, expectativas e idealizações, esterilidades, rompimentos, uniões, negações e salvamentos de vidas ou casamentos (Souza, 1994).
O cônjuge estéril, na maioria das vezes, é que propõe a adoção. Momento, no qual, o cônjuge fértil exterioriza proteção e amor em relação ao cônjuge estéril. A motivação inconsciente de uma adoção pode ser uma situação de luto não elaborada, então o papel reservado à criança adotada será o de substituir alguém que foi perdido, às vezes um dos pais do casal, um filho, ou um aborto (Costa, 1992).

A necessidade de adotar, às vezes pode estar associada à auto-imagem de fracasso pessoal. A idéia de ser um fracasso como pai ou mãe, simboliza ter filhos com problemas, podem achar enxertados com sua auto-imagem de ser um fracasso biologicamente também (Glenn, 1996).

No que se refere às motivações dos pais adotivos, constatou-se numa pesquisa que a maioria tinha um interesse pessoal e primordial: satisfazer o desejo de ser pai/mãe. Outras motivações evidenciaram a necessidade de preencher a solidão, proporcionar companhia a um filho único; escolher o sexo do seu próximo filho; substituir um filho natural falecido, entre outros. No entanto, é importante ressaltar que, apesar dessas motivações "menos nobres" do que visar o interesse do adotado, não houve prejuízos evidentes no que se refere ao relacionamento de pais e filhos adotivos. Este dado traz uma nova luz sobre as chamadas "motivações inadequadas" e suas conseqüências para a futura relação. Levanta-se a hipótese de que, após a adoção, o vínculo afetivo, que é construído entre pais-filhos adotivos, poderá ser tão forte a ponto de neutralizar o suposto efeito dessas motivações, tidas como "inadequadas". Parece que o amor que permeia as relações pode explicar essas aparentes contradições, como sabiamente já disse Pascal, em sua mais famosa premissa: "O coração tem razões que a própria razão desconhece". Fica muito claro, portanto, que não existe uma determinação absoluta entre uma motivação "imprópria" para a adoção e o fracasso do relacionamento. Este dado mostra claramente a viabilidade de trabalhar tais adoções mesmo a posteriori, e garantir pleno desenvolvimento afetivo entre as pessoas envolvidas (Weber, 2005).


Medos na Adoção

Existe um sentimento de inveja relacionadas com as capacidades procriativas dos pais que se torna uma fonte de conflito nos casais estéreis. Para lidar com esse sentimento é bom diminuir a importância da maternidade e adotar um filho, que neste caso tem o significado de “roubar um filho dos pais”. O temor é que a mãe verdadeira da criança é efetuar uma substituição completa da família natural pela adotiva queira tomá-la de volta (Costa, 1992).
Ambos os pais não gostam de ser lembrados de sua história procriativa, por causa do afeto de vergonha que lhe é associado. Um medo dominante nos pais adotivos é perderem o amor da criança ou até mesmo o próprio relacionamento. A preocupação básica da criança adotada é perder a sua mãe adotiva (Glenn, 1996).

Segundo este mesmo autor, quando estão tendo problemas com a criança, os pais adotivos não mencionam o fato da adoção em consultas a respeito desses problemas. Quando o fato é revelado, com freqüência se faz acompanhar pelas palavras “mas isto não tem influência sobre o problema”. Eles precisam negar a adoção a todas as circunstâncias que a rodeiam, muitas vezes por medo, mas criança adotada ou não poderá ter problemas, sim. E naturalmente, muitos pais adotivos estão cientes disso e não as escondem do consultor.

Revelação da adoção

A difícil opção de silenciar, guardando para si segredos que acabam sendo camuflados por piedosas inverdades, pode estar calcada em conflitos não resolvidos do casal. Constrói-se, por vezes, um constante clima de sobressalto ligado ao temor de que alguma pessoa revele a verdade, porém, se eventualmente a criança captar, pela intuição, o não dito, ficará confusa se os pais quiserem convencê-la do contrário.
Não existe um momento definido para este esclarecimento, assim como inexiste um momento para informar um filho de sua legitimidade, porque ele poderá ter dúvidas a este respeito. A indecisão desaparece se os pais adotivos aceitam a verdade de que não são os pais biológicos, o problema crucial a ser enfrentado não é a época da revelação, mas a injúria narcísica que ela representa àqueles indivíduos que sentem dificuldades em aceitar sua infertilidade ou a do cônjuge.
A verdade só existe verdadeiramente quando a atualizamos, a incorporamos ao acervo das nossas convicções e de nossas vivências. É a partir dessa maneira de aceitar e de viver a verdade que se estabelece à conduta dos pais adotivos de reconhecê-la não só como um direito do filho, como também uma necessidade para se conquistar a saúde mental e psicológica (Filho, 1994).

Relacionamento dos pais adotivos
É comum do cônjuge deprimido decidir-se pela adoção e o outro pela culpa por concordar e, por algum tempo o casal poderá passar a viver uma situação de conflito devido a mudanças estruturais pelo ingresso do adotado no relacionamento conjugal. Pode ocorrer um risco de que um dos cônjuges para se defender da depressão se vincular ao adotado, de maneira que o outro sinta-se desprezado, arrependa-se da adoção e passe a rechaçar a criança, criando um círculo vicioso, difícil de ser quebrado, resultando, não raro em separação do casal (Costa, 1992).
Para pensar em adotar um filho, é preciso que se tenha instalado entre os membros que formam o casal uma relação de afeto que possibilite vivenciar em conjunto a experiência da adoção como um sólido projeto de vida. É preciso que estejam se amando, para que possam amar junto o filho esperado (Filho, 1998).


Expectativas

Geralmente, os pais adotivos investem no bebê que irá chegar uma fantasia grandiosa de ser gênio para recuperar o amor supostamente perdido por algo (Costa, 1992).
Muitas vezes, os adultos fazem das crianças o repositório de sua imaginação e expectativas, não se dando conta das conseqüências futuras de suas fantasias. Os filhos carregam sobre si o peso das esperanças dos pais para depois, muitas vezes, arrastarem, também, o fardo das suas frustrações (Filho, 1998b).

A Criança Adotada
Todos os filhos são biológicos e todos os filhos são adotivos. Biológicos, porque essa é a única maneira de existirmos concreta e objetivamente; adotivos, porque é a única forma de sermos verdadeiramente filhos (Filho, 1998).
As crianças adotadas sofrem dos mesmos conflitos, crises e distúrbios que afetam as crianças consangüíneas. A experiência de ser uma criança adotada faz vir à tona reações defensivas adaptativas. Todas as tensões e conflitos dos pais adotantes – suas personalidades, razões especiais à esterilidade, motivos para a adoção e expectativas quanto a esta, a expressarem-se de modo verbal ou não-verbal, influenciam a criança (Glenn, 1996).
Os filhos adotivos, também pela pressão social preconceituosa e aderindo ao modelo transmitido por seus pais, relatam que não têm curiosidade nem interesse em saber sua própria história, ou de seus pais biológicos. Na verdade, existe um acordo tácito e velado de não se falar a respeito da adoção: os pais procuram encobrir sua esterilidade, o medo fantasioso de que o filho volte para sua família de origem e a impossibilidade de ter um filho do "seu próprio sangue"; os filhos não falam a respeito para não magoar seus pais e para encobrir sua própria mágoa de ter sido rejeitado por sua família de origem e assim perdem um pedaço de sua identidade. Um outro ilustre personagem das histórias infantis, Super-homem, tornou-se "super" exatamente quando soube com detalhes a sua origem; uma interpretação livre sobre o fato é que o abandono das dúvidas e fantasias sobre sua família biológica criou condições para o fortalecimento e construção de sua personalidade e identidade (Weber, 2005).
Para amar o filho, não é preciso conhecê-lo, no sentido de esquadrinhar sua personalidade ou mapear seu caráter. Amamos, porque estabeleceu-se desde o início o desejo e a disponibilidade de tê-lo (não importa a forma) e querê-lo incondicionalmente (Filho, 1998).

O assunto da adoção despertam emoções poderosas e defesas inconscientes associadas à fantasia de abandono. Os terapeutas não são imunes a esta reação e podem insistir em que as reações desenvolvimentais da criança adotadas são ocasionadas por outros traumas que não o conhecimento de que são adotadas. As crianças adotadas possuem outros problemas e, atitude a respeito de seu status adotivo podem mesmo representar uma defesa, outra uma ansiedade provida de outras fontes (Glenn, 1996).
Muitas vezes, os adultos fazem das crianças o repositório de sua imaginação e expectativas, não se dando conta das conseqüências futuras de suas fantasias. Os filhos carregam sobre si o peso das esperanças dos pais para depois, muitas vezes, arrastarem, também, o fardo das suas frustrações (Filho, 1998).

Foi feita uma pesquisa que revelou sobre as relações entre filhos e pais adotivos são plenamente satisfatórias, pois a maioria deles não teve dificuldades na educação e no relacionamento afetivo com a criança, diz ser estar em relação a seu filho e à adoção realizada e aconselha outras pessoas a adotar. As dificuldades encontradas por alguns pais adotivos no relacionamento com seu filho foram, geralmente, provenientes de revelações tardias de sua condição de adotivo ou feitas de maneira não adequada por terceiros e não pelos próprios pais. Alguns comportamentos apresentados como negativos nos relacionamentos de pais e filhos adotivos estão presentes, da mesma forma, nos relacionamentos de pais e filhos biológicos, tais como desobediência, rebeldia, maus hábitos... Existe alguma relação perfeita? E o que seria uma relação perfeita? Na verdade, todos têm seus problemas, e o mais importante não é não ter problemas, mas saber como lidar com eles, pois como disse Guimarães Rosa, "viver é muito perigoso" (Weber, 2005).

As maiores possibilidades de sucesso na adoção encontram-se em casais em que a adoção resulta da plena aceitação da realidade, tanto sua quanto da criança. A adoção que com freqüência é melhor sucedida na prática, é aquela que embora o casal tendo filhos, resolvem adotar uma criança, geralmente movidos pelo desejo de proporcionar a um pequeno desamparo pela sorte a felicidade que já desfrutam. Se torna melhor sucedida pelo fato de a realidade não dar margens a falsificações (Costa, 1992).

O amor é a parte fundamental do ato, sem dúvida. Chamando atenção, que mais fundamental ainda que o amor e as boas intenções é a negação dos processos inconscientes adotantes. Podendo ter a esperança de transformar amor e boa intenção em um ato saudável, protetor e genuinamente amoroso (Costa, 1994).

Adotar uma criança é um ato de amor e uma forma de filiação. É um processo que vai além das questões biológicas em busca da realização do sonho de ser mãe e pai. A chegada de um novo indivíduo numa família implica num amadurecimento por parte dos pais, os quais deverão dar atenção, carinho e muito amor para auxiliar na identidade e crescimento da criança. Desta forma, os pais passam a rever diversas questões a respeito de suas experiências passadas, presentes e das que possivelmente virão.

É preciso, simultaneamente a um trabalho de conscientização sobre a importância da adoção, um esforço para desmistificar a associação genérica e errônea entre adoção e fracasso. As dificuldades que ocorrem são muito semelhantes com aquelas que aparecem em famílias biológicas. E de qualquer forma, mesmo a vivência de tais dificuldades e preconceitos é muito menos dolorosa do que a solidão, o vazio, a falta de identidade, a ausência de vínculos e o desamparo de uma criança abandonada.

O processo de adoção é permeado por muitas emoções, tais como, medo, ansiedade constrangimento, dúvidas e incertezas, sendo que estes sentimentos podem ser conscientes ou não por todos os participantes deste processo.

KAPLAN & SADOCK. Compêndio de Psiquiatria. 9ª edição. Artmed. Porto Alegre. 2007.
PAPALIA, Diane E. Desenvolvimento Humano. 8ª edição. Artmed. Porto Alegre 2006.
JAIME, I. M., JAIME, S. Â. Adoção.
<Disponível em:> http://salini.ourinhos.com.br/giaaro/ 26/ 05/ 2000.
http://www.redepsi.com.br/portal/modules/smartsection/item.php?itemid=293



A FAMÍLIA NA PÓS-MODERNIDADE




O conceito de família pode ser considerado até certo ponto subjetivo, pois depende de quem a define, do contexto social, político e familial em que está inserido. A Constituição Federal de 1988 representou um marco na evolução do conceito de família, ao corporificar o conceito de Lévy-Brul, de que o traço dominante da evolução da família é sua tendência a se tornar um grupo cada vez menos organizado e hierarquizado e que cada vez mais se funda na afeição mútua (GENOFRE, 1997).
A família é um sistema no qual se conjugam valores, crenças, conhecimentos e práticas, formando um modelo explicativo de saúde doença, através do qual a família desenvolve sua dinâmica de funcionamento, promovendo a saúde, prevenindo e tratando a doença de seus membros (ELSEN, 2002).
Família também pode ser conceituada como uma unidade de pessoas em interação, um sistema semi-aberto, com uma história natural composta por vários estágios, sendo que a cada um deles correspondem tarefas específicas por parte da família (BURGENS; ROGERS apud ELSEN, 2002).
A partir das diversas concepções de família e de nossa própria vivência familiar, entendemos família como um sistema inserido numa diversidade de contextos e constituído por pessoas que compartilham sentimentos e valores formando laços de interesse, solidariedade e reciprocidade, com especificidade e funcionamento próprios. Os conceitos podem ser diversos, mas um ponto comum é que a união dos membros de uma família, com ou sem laços consangüíneos, se dá a partir da intimidade, do respeito mútuo, da amizade, da troca e do enriquecimento conjunto.
Através dessa relação é que se desenvolve a cultura familiar, definida por Elsen (2002) como um conjunto próprio de símbolos, significados, saberes e práticas que se define a partir das relações internas e externas à família, e que determina seu modo de funcionamento interno e a maneira como a família desenvolve suas experiências e interações com o mundo externo. Essas experiências caracterizam-se pelas ações e interações presentes no núcleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e fortalecer seu crescimento, desenvolvimento, saúde e bem-estar.
No contexto dinâmico, complexo e singular que é o da família, o diálogo é destacado por Andrade (2001) como essencial no compartilhar de experiências, conhecimentos, sentimentos e necessidades, tanto da família em seu conjunto e de seus membros em particular, quanto da relação destes com aquele que se dedica a estudar a família mais de perto. Althoff (2002) salienta que as conversas familiares representam a oportunidade que as pessoas têm de expressar sua individualidade, trocar experiências e fixar valores e crenças comuns. Assim, a despeito das definições ou classificações que as famílias recebem, um ponto importante a se considerar é que esta é uma realidade, que está viva, e que como todo ser vivo necessita ter saúde para assim permanecer. Mais do que uma idéia ou conceito, a família tem materialidade na convivência entre seus membros. Como processo contínuo de abstração e concretude, ela é a unidade essencial do viver humano, através da qual, ora como pano de fundo, ora como determinante explícito, vão sendotecidas as especificidades de seus membros.

 Algumas Transformações
 Significativas mudanças ocorreram na sociedade brasileira. Sua transformação de sociedade rural, na qual predominava a família patriarcal e fechada em si mesma, para uma sociedade de bases industriais com as suas implicações de mobilidade social, geográfica e cultural acarretou transformações igualmente marcantes na estrutura do modelo tradicional de família.
O século XX foi cenário de grandes transformações na estrutura da família. Ainda hoje, porém, observamos algumas marcas deixadas pela suas origens. Da família romana, por exemplo, temos a autoridade do chefe da família, onde a submissão da esposa e dos filhos ao pai confere ao homem o papel de chefe. Da família medieval perpetua-se o caráter sacramental do casamento originado no século XVI. Da cultura portuguesa, temos a solidariedade, o sentimento de sensível ligação afetiva, abnegação e desprendimento (RIGONATTI, 2003).
Em todo o mundo, o conceito de família nuclear e a instituição casamento intimamente ligada à família, passaram por transformações. A expressão mais marcante dessas transformações ocorreu no final da década de 60: cresceu o número de separações e divórcios, a religião foi perdendo sua força, não mais conseguindo segurar casamentos com relações insatisfatórias. A igualdade passou a ser um pressuposto em muitas relações matrimoniais. A partir daí, surgem inúmeras organizações familiares alternativas: casamentos sucessivos com parceiros distintos e filhos de diferentes uniões; casais homossexuais adotando filhos legalmente; casais com filhos ou parceiros isolados ou mesmo cada um vivendo com uma das famílias de origem; as chamadas “produções independentes” tornam-se mais freqüentes; e mais ultimamente, duplas de mães solteiras ou já separadas compartilham a criação de seus filhos. Chegamos ao século XXI com a família pós-moderna ou pluralista, como tem sido chamada, pelos tipos alternativos de convivência que apresenta. Peixoto e Cicchelli (2000) assinalam que nas últimas décadas falou-se muito a respeito da crise da família, numa alusão à baixa taxa de fecundidade, ao aumento da expectativa de vida e, conseqüentemente, à crescente proporção da população com mais de 60 anos. Além disso, os autores também aludem ao declínio do casamento e da banalização das separações como fatores constituintes da tal “crise”. Os autores afirmam que o que caracteriza esse processo a que se chama de crise, não é propriamente o enfraquecimento da instituição família, mas o surgimento de novos modelos familiares, de novas relações entre os sexos, numa perspectiva igualitária, mediante maior controle da natalidade, e a inserção massiva da mulher no mercado de trabalho, entre outros aspectos. Senna e Antunes (2003) apontam que a composição das famílias brasileiras, especialmente nas últimas três décadas, vem passando por várias alterações, do ponto de vista demográfico, e embora tais alterações ocorram de forma diferenciada nas diversas regiões do país, algumas ocorrem de forma mais ou menos similar, como a redução da natalidade e o aumento da longevidade das pessoas. As autoras assinalam que as famílias vêm se tornando menores, e com um número maior de idosos em sua composição, com prevalência de doenças crônicas e de problemas decorrentes do processo de envelhecimento. Nas famílias das camadas mais empobrecidas da população a realidade de composição familiar é bem diferente do modelo tradicional de família nuclear, onde o pai é o provedor, a mãe cuida da casa e os filhos estudam. De acordo com as autoras, elevou-se o número de núcleos familiares compostos apenas por mulheres e seus filhos menores, e também o número de indivíduos e mesmo de famílias moradores de rua (SENNA; ANTUNES, 2003). Muitas famílias têm vivido situações especiais de risco, com doenças, desemprego, conflitos conjugais intensos, envolvimento em atividades ilícitas e problemas com a polícia, dependência de drogas, distúrbios mentais, etc, que as tornam incapazes de articular minimamente os cuidados de seus membros, e por isso necessitando atenção diferenciada do Estado para garantir os direitos de cidadania das crianças, idosos e deficientes físicos ali presentes (VASCONCELOS, 1999). Nas regiões urbanas brasileiras, tem se observado que o núcleo familiar tende a ser um tanto diferente daquele descrito por estudos clássicos sobre o ciclo de vida familiar, tal como em Ceverny e Berthoud (1997). Em tais regiões, o núcleo familiar é predominantemente composto por várias gerações, como uma forma de melhor enfrentar as dificuldades financeiras. Os filhos adultos, mesmo quando constituem suas próprias famílias, continuam compartilhando o habitat original, somando rendimentos com o objetivo de baratear os custos com a habitação e garantir melhores cuidados às crianças e a outros dependentes que não participam ativamente no mercado de trabalho, como os adolescentes, os idosos, os desempregados e os deficientes.

Suas Funções

Atualmente, porém, a família parece ser mais influenciável do que influente. Foi com o movimento higienista do século XIX, que ela começou a perder a sua capacidade de cuidar da saúde e educação de seus membros, tornando-se bastante dependente dos profissionais da saúde e da educação. Costa (1983) aponta que as famílias vêm, há tempos, vivendo conflitos internos e dificuldades sócio-econômicas que conferem pouca credibilidade em seu poder de ação. Acabam ficando a mercê dos doutores do conhecimento, não porque lhes falte potencial ou boa vontade, mas porque são subestimadas. Na tradicional divisão de tarefas dentro do lar ocorrem modificações importantes: com o trabalho fora de casa, decorrente da inserção feminina no mercado de trabalho, o tempo da mulher para o cuidado dos filhos foi diminuindo e o homem foi mudando seu espaço no interior da família, assumindo inclusive tarefas antes tipicamente femininas. A mulher torna-se mais competente no trabalho, autônoma e competitiva, ao mesmo tempo em que o homem aprende a ser mais cuidadoso e cuidador nas relações. Essas alterações nos papéis sociais levaram a adaptações dos homens e das mulheres, não sem relutância de ambas as partes, pois da mesma forma que foi difícil para o homem abandonar o papel de senhor absoluto do modelo tradicional de família, para a mulher foi penoso abrir mão do papel de rainha do lar, frágil e submissa, ao qual estava secularmente acostumada, e do qual comumente angariava algumas vantagens secundárias, numa espécie de poder paralelo no mundo privado. Neste panorama, as mulheres desempenham papel importante na manutenção da vida cotidiana do grupo familiar exercendo, além do trabalho doméstico, o preparo e manutenção dos alimentos, confecção do vestuário, a procura por preços mais baixos para as compras, na tentativa de contribuir na diminuição dos gastos. Somado a tudo isto, a mulher participa no orçamento familiar com trabalho remunerado realizado dentro ou fora do lar, o que potencializa a sobrecarga física e psíquica e os conseqüentes agravos à saúde da mulher.
O conceito de gênero se faz importante quando se estuda a família, pois, torna possível uma compreensão renovada e transformadora das diferenças e desigualdades entre mulheres e homens; na medida em que pode ampliar o conhecimento para além das diferenças individuais, salientando as interações sociais que influem nos resultados educativos e ocupacionais, entre tantos outros. A visão de gênero como construção cultural e histórica implica em que se considere o sistema social de gênero, ou seja, o conjunto de categorias e arranjos simbólicos através dos quais a sociedade transforma um macho em homem e uma fêmea em mulher, em como transforma a biologia sexual em produto da atividade humana (STREY, 2001). Na estrutura familiar, as crianças são os membros mais vulneráveis às situações de conflitos no grupo e, neste sentido, estão mais expostas que os demais, justamente por não ter autonomia e capacidade plena de defesa e resolução. Com relação aos adolescentes, a situação é praticamente a mesma, com o agravante de que, muitas vezes, eles são depositários de expectativas e esperanças de ascensão do grupo familiar, sofrem com a frustração destas expectativas, tanto pelo contexto familiar de sobrevivência, como pelo contexto de possibilidades de inserção social. A família se apresenta como mescla de conformismo às exigências sociais e como forma fundamental de resistência contra essa mesma sociedade. Mantém a subordinação feminina e dos filhos, mas protege mulheres, crianças e velhos contra a violência urbana; cria condições para a dominação masculina, mas garante aos homens um espaço de liberdade contra sua subordinação no trabalho; conserva tradições, mas é o espaço de elaboração de projetos para o futuro, é não só núcleo de tensões e de conflitos, mas também o lugar onde se obtém prazer (CHAUÍ, 1986).
Diante da sociedade tão desigual em que vivemos, é possível encontrarmos famílias com laços afetivos e estabilidade econômica definidos, famílias sem recursos assistenciais ou direitos sociais, famílias nucleares por conveniência ou sobrevivência, características estas que, segundo Santana e Carmangnani (2001), devem ser entendidas e analisadas de forma a compreender as transformações e significados das relações familiares.

Importantes modificações têm ocorrido na estrutura da família, conforme se transforma a sociedade nas diferentes maneiras de produzir materialmente a vida dos homens. Com a discussão panorâmica que ora apresentamos em torno da temática, quisemos enfatizar as diferentes concepções sobre família que circulam na sociedade, face a multiplicidade de estudos e áreas do conhecimento que se debruçam sobre a instituição familiar.
A concepção que temos de família, enquanto sistema relacional inserido numa diversidade de contextos e constituído por pessoas que compartilham sentimentos e valores, formando laços de interesse, solidariedade e reciprocidade, com especificidade e funcionamento próprios. Um sistema articulado de valores, crenças, conhecimentos e práticas, como espaço físico e psicológico relevante ao processo de socialização e humanização de seus membros.
A família desempenha papel fundamental não só na relação com seus membros enquanto “lócus” de afiliação e/ou de reafiliação social dos mesmos, mas também na relação com o Estado, na perspectiva de instituição social decisiva ao desenvolvimento do processo de integração/inclusão social de seus membros.
Através do incentivo à construção da autonomia e independência de seus membros, a família estará, de acordo com Cicchelli (2000), favorecendo a formação de um indivíduo capaz de organizar sua própria vida e responsabilizar-se por suas relações sociais, e fortalecendo a manutenção de laços afetivos já existentes, bem como a formação de novos laços.


CHAUI, Marilena de Souza. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989.
CERVENY, Ceneide Maria de Oliveira; BERTHOUD, Cristiana Mercadante Esper. Visitando a família ao longo do ciclo vital.  2. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.



 

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