segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

MARGARET MAHLER


  conceitos fundamentais, processo de separação e individuação





Margaret Mahler identificou diferentes fases no processo do desenvolvimento psicológico do bebê (Mahler, 1968, 1975), sendo a primeira, a do narcisismo primário na qual uma fase ‘autística normal’ marcaria as duas primeiras semanas de vida do bebê.

Essa fase se caracterizaria por um estado de desorientação alucinatória primitiva (narcisismo primário absoluto), ocorrendo uma falta de consciência do agente materno. Na fase seguinte do narcisimo primário (onipotência alucinatória condicional) haveria uma consciência de que a satisfação das necessidades viria de algum lugar externo ao eu.

A partir do segundo mês de vida, essa consciência, inicialmente ‘turva’ torna-se difusa, marcando o início da fase de simbiose normal – o bebê funciona como se ele e sua mãe fossem uma unidade dual. É dentro desse quadro de total dependência psicológica e sociobiológica da mãe que o ego rudimentar do bebê pequeno começa um processo de diferenciação. Por volta dos seis meses de idade, teria início a fase de separação-individuação que levará à organização do indivíduo.

Mahler (1968) desenvolveu suas idéias sobre os autismos infantis a partir de sua teoria evolutiva, explicando o autismo como sendo um subgrupo das psicoses infantis e uma regressão ou fixação a uma fase inicial do desenvolvimento de não-diferenciação perceptiva, na qual os sintomas que mais se destacam são as dificuldades em integrar sensações vindas do mundo externo e interno, e em perceber a mãe na qualidade de representante do mundo exterior.

É interessante observar que, de acordo com a concepção de Margaret Mahler sobre o desenvolvimento infantil normal, o bebê atravessa inicialmente uma fase “autista normal”, na qual o objetivo principal é a aquisição do equilíbrio homeostático através de mecanismos somatopsíquicos e fisiológicos. A seguir, na fase “simbiótica normal”, o bebê funciona como se ele e sua mãe fossem uma unidade dual onipotente dentro de uma fronteira comum. Estas duas fases iniciais são consideradas pré-requisitos indispensáveis para o estabelecimento do processo normal de separação- individuação, que compreende quatro subfases e culmina no momento em que a criança já percebe a mãe como uma pessoa separada no mundo externo, e também fazendo parte do seu mundo de representação interna, passando a se interessar progressivamente por jogos e buscando o contato com pares e outros adultos.
O desenvolvimento normal implica em dificuldades que, para serem ultrapassadas, exigem um determinado posicionamento materno. Segundo Mahler, a disponibilidade da mãe para acompanhar o desenvolvimento da criança, adaptando-se às suas necessidades e reconhecendo suas dificuldades e conflitos, é crucial para que ela possa adquirir sua individualidade

 Segundo Roudinesco (1998), A psicanalista húngara Margaret Schönberger Mahler dedicou-se à etiologia das psicoses e ao autismo, publicando várias obras sobre esse tema, e embora fosse marcada pelos trabalhos de Melanie Klein, inspirou-se em Winnicott, apesar de intitular-se fiel à corrente annafreudiana e às teses da psicologia do ego, ou seja, —... à tradição vienense da psicanálise, acusando os kleinianos por seu dogmatismo e seus excessos de imaginação, que os levavam, dizia ela, a inventar uma vida fantástica para o lactente“ ( Roudinesco, 1998, p. 484). As observações clínicas de Margaret Mahler (1983) orientaram-na a criar um modelo de desenvolvimento psíquico do ser humano, que incluem: Uma fase autista, à qual ficam fixadas as crianças com psicose deste tipo; uma fase simbiótica, à qual regridem as crianças com Síndrome de Psicose Simbiótica; e uma fase de separação e individuação, que o indivíduo normal percorre para obter sua identidade. Este modelo tem sido empregado para explicar tanto os aspectos do desenvolvimento normal, como os da psicopatologia. —... nessa fase autista normal que se estende desde o nascimento até o segundo mês de vida mais ou menos, o bebê não distingue entre realidade interna e externa, nem parece distinguir entre ele mesmo e os objetos  inanimados ao seu redor. Ao dirigir-se gradativamente para a fase simbiótica, o bebê torna-se vagamente consciente de que o alívio para a tensão de fome instintual vem do mundo externo, enquanto o doloroso acúmulo de tensão nasce dentro dele. No entanto, para haver este reconhecimento é necessário que aconteça, durante a fase simbiótica, alguma diferenciação do ego rudimentar“ (Mahler,1983, p.45).
Existe um fator inato, constitutivo do ser humano que o leva ao processo de separação e individuação. A esse processo Mahler chamou de fase de separação e individuação, onde a criança precisa passar antes com êxito por outras duas fases: a autista normal e a simbiótica normal, para ingressar na mesma.
Próximo aos cinco meses de idade inicia-se um processo pelo qual a criança começa a perceber não apenas aqueles que a rodeiam, mas também seus próprios limites corporais. O que possibilita este processo é a pressão maturacional, onde a pulsão para a individuação na criança normal é segundo a autora algo inato, se manifestando durante a fase de separação e individuação, valendo acrescentar, que esta fase está intimamente ligada ao nascimento psicológico, já que para Mahler o nascimento biológico não surge ao mesmo tempo em que o psicológico. —Mahler pensa que o nascimento psicológico não coincide com o biológico. No momento em que o bebê sai do ventre materno ele vive a si próprio e o mundo de formas indiferenciadas. Algo semelhante ocorre na fase simbiótica que transcorre entre o primeiro e os quatro ou cinco meses de idade“(Bleichmar, 1992, p.300).
A organização de Mahler sobre as fases do desenvolvimento emocional do bebê e da criança passa por uma seqüência, estando uma interligada à outra, ou seja, a passagem bem sucedida de uma vai dar origem à outra. Margaret Mahler concebe o desenvolvimento psíquico em três fases:

 O Autismo Normal

Esta etapa para a autora ocorre entre o momento do nascimento e a quarta semana de vida. Os fenômenos biológicos predominam, em grande parte, sobre os psicológicos. A criança parece estar num estado de sonolência do qual só emerge para realizar as atividades necessárias para a manutenção de seu equilíbrio fisiológico, onde o investimento é basicamente semelhante ao da vida intra-uterina, fazendo com que os estímulos do exterior, através do tato, da audição ou do olfato, careçam de importância, em comparação com as  sensações vindas de seus órgãos internos.

 A Simbiose Normal

A criança ao entrar nesta fase é aos poucos capaz de perceber os estímulos provenientes do mundo externo, principalmente os produzidos pelos cuidados maternos. Assim, tanto sua maturação neurofisiológica, como a dotação inata pode romper a barreira que mantinha a onipotência dessa criança, visando protegê-la do mundo externo, onde gradualmente o bebê começa a sentir-se parte de uma díade, também onipotente, mas cujos integrantes são ele e sua mãe. Entre o primeiro e o quarto mês de vida, o bebê vive uma fusão ilusória com a mãe, e os estímulos externos ao serem percebidos pela criança começam a ser classificados em prazerosos e desprazerosos, valendo ressaltar, que somente os estímulos prazerosos são mantidos pela criança nessa fase, para que fique intacta a díade simbiótica. —Com o objetivo de manter intacta a díade simbiótica, os estímulos que não são prazerosos devem ser projetados  fora da unidade mãe-filho. Sua percepção e classificação não se realizam inutilmente, pois deixam uma profunda marca na criança, permitindo a maturação de um passo importante: a demarcação do ego corporal“ ( Bleichmar, 1992, p.304).
Sendo Assim, o acontecimento mais importante dessa fase é o investimento da mãe e para que a simbiose seja bem sucedida, ambos os  participantes devem emitir sinais ao par simbiótico. Mahler acredita em um conceito cunhado por Winnicott, o de sustentação, que deve ser exercido pela mãe a partir de seus cuidados, visando possibilitar que se constitua uma unidade entre mãe e filho suficientemente sólida para que a criança passe para a fase seguinte.

 Separação e Individuação

A fase de separação e individuação tem início por volta do quinto mês de vida, concluindo-se de maneira normal no terceiro ano de idade. Essa fase divide-se em quatro subfases:

Subfase da Diferenciação

Começa em torno do quinto mês de vida, podendo prolongar-se até o sétimo ou oitavo. Para que essa subfase se inicie é muito importante que a criança esteja suficientemente familiarizada com sua mãe, onde do ponto de vista comportamental o principal indicador de que esse fato está ocorrendo é o sorriso específico do bebê ante o rosto ou a voz da mãe. Esse sorriso específico indica que a criança reconhece sua mãe e, portanto, que sua imagem foi investida. Valendo ressaltar, que também é importante que nessa subfase a criança alcance habilidades para além do contato simbiótico, fato que sugere um início de diferenciação, ou seja, começando a distinguir sobre o que é ela e o que não é.
O bebê com as habilidades mencionadas acima, explora de maneira tátil e visual sua mãe. Estendendo seu corpo para afastar-se da mãe ou para vê-la melhor. Tal verificação permite que a criança, tanto identifique o que é a mãe e o que não é, como também faz com que a criança faça distinções entre si e sua parceira simbiótica. A criança que reage com uma angústia intensa diante da presença de estranhos pode não ter passado por essa subfase de maneira satisfatória, Já que não aceita ficar distante da parceira simbiótica, não fazendo distinção sobre o que é ela e o que não é. Sendo assim, o grau elevado de angústia diante da separação materna sugere que a criança não passou pela etapa da simbiose normal de maneira eficaz, já que o êxito da segunda fase indica a facilidade de produção da diferenciação.
Muitas vezes, o desejo inconsciente da mãe sobre a diferenciação de seu bebê desempenha um papel bastante importante. Tanto uma mãe ansiosa demais para fazer com que o filho inicie sua independência, como aquela que seja envolvente ao extremo por querer sua dependência a ela, pode fazer com que a criança entre na subfase da diferenciação sem êxitos satisfatórios ao seu desenvolvimento psíquico.

Subfase do Exercício Locomotor

Esta subfase ocorre entre os oito e os quinze meses de vida, onde o exercício precoce é a primeira etapa dessa subfase, época em que a criança começa a engatinhar, adquirindo gradativamente as habilidades  necessárias para separar-se fisicamente da mãe. —A primeira etapa, chamada de exercício precoce, é a que ocorre no início do engatinhamento. A criança parece feliz e esquecida de sua mãe, apesar de precisar voltar, a todo o momento, para seu lado. Para a equipe de observadores, estes retornos pareciam constituir uma busca de recarregamento emocional. Volta para ficar junto dela por alguns momentos, e depois volta a se afastar“ ( Bleichmar, 1992, p.307).
Os dois elementos que levam ao êxito desta etapa são, tanto à disponibilidade materna para aceitar a crescente autonomia do filho, como à dotação inata da criança para realizar as atividades motoras recém adquiridas. Quando esses dois elementos alcançam o êxito a criança consegue passar para a segunda etapa do exercício locomotor, ou seja, para o exercício propriamente dito. Assim, os investimentos voltados, em um primeiro momento, para as habilidades motoras vão aos pouco se deslocando para o ego autônomo que está em desenvolvimento.

Subfase da Aproximação

Ao chegar nesta etapa a criança já pode ser vista como um ser humano separado, provido, tanto da capacidade para a locomoção, como das  habilidades para o jogo simbólico e a linguagem. Sendo assim, essa subfase está intimamente ligada ao nascimento psicológico, que na visão da autora não coincide com o nascimento biológico.
A evolução das áreas cognitivas e perceptuais faz com que a criança note a ilusão de onipotência que sentia na subfase do exercício locomotor. Porém, em alguns momentos a criança sente a necessidade de se fundir novamente à sua mãe, alternando, tanto atitudes de acompanhamento da mãe, como atitudes voltadas para a fuga dela. —A luta que se trava em seu interior: embora deseje se refundir com a mãe, teme ser absorvida por esta, a ponto de perder a autonomia recém adquirida, e que tanto prazer lhe causa. Portanto, os sentimentos que caracterizam esta subfase são essencialmente ambivalentes“ ( Mahler, 1993, p.90).

Mahler divide a subfase de aproximação em três etapas:

a) Começo da aproximação: Onde a criança necessita compartilhar com a mãe suas descobertas para que comece a alcançar sua autonomia. —... É típico desta etapa que a criança traga os brinquedos com que está brincando, esperando da mãe uma resposta concreta. Neste momento, a criança a percebe como objeto separado, o que desperta angústia e temor, ao mesmo tempo em que estimula o sentimento de autonomia, reforçando seu ego“ (Mahler, 1993, p.109).

b) Crise de aproximação: Etapa ambivalente, em que criança parece estar em conflito entre a sua autonomia e a necessidade de se fundir à mãe.

 c) Modelagem da distância ótima: para alcançar esta etapa a criança precisa já ter um começo: de internalização de objetos bons e das regras (precursor do superego); da linguagem e da expressão de desejos e fantasias, mediante a algo simbólico.

Subfase da Obtenção da Constância Objetal Emocional

Os elementos que visam a obtenção da constância objetal emocional
são:
a) A dotação inata adequada.
Já que os defeitos inatos incluem: A incapacidade do ego para neutralizar as pulsões agressivas, defeitos perceptivos primários e dificuldades  inatas no estabelecimento do vínculo com a mãe, como é visto em crianças com o autismo primário.

b) A relação com uma mãe suficientemente boa
Pois os defeitos da relação mãe-filho sejam por psicopatologia materna ou pela ausência real do par simbiótico, podem dar origem à enfermidade mental.

c) As experiências vitais.
Já que os traumas, como: doenças, acidentes e hospitalizações podem alterar a estabilidade da criança.
Sendo assim, a criança que chega com êxito nessa última etapa pode se tornar um indivíduo independente, separado e diferenciado da mãe e do meio. Valendo acrescentar, que a dotação inata adequada, o suporte materno —suficientemente bom“ e as experiências vitais sem traumas fisiológicos, são essenciais para que a criança alcance um desenvolvimento psíquico saudável, fato que deixa bastante claro o quanto o desempenho materno insuficiente pode prejudicar a passagem por essas etapas, já que o bebê humano precisa do suporte materno suficientemente bom no início de sua vida para alcançar sua sobrevivência física e psíquica.

Fontes:

O AUTISMO INFANTIL
Denise dos Santos Pereira Lim
Diponível em:
http://www.avezdomestre.com.br/monopdf/6/DENISE%20DOS%20SANTOS%20PEREIRA%20LIMA.pdf
http://www.scribd.com/doc/10881218/Margaret-Mahler
BLEICHMAR, N; BLEICHMAR, C. A psicanálise depois de Freud: Teoria e clínica. Porto Alegre: Artmed, 1992.
MAHLER, Margareth S. O Nascimento Psicológico da Criança. Simbiose e Individuação. Artmed. Porto Alegre. 1993.



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