Teoria
de Bion (processo e função: continente-conteúdo e o desenvolvimento da
personalidade)
Wilfred Bion
passou a infância na Índia. Aos oito anos passou a viver em um pensionato na Inglaterra e nunca mais retornou a Índia,
que amava. Seus anos na escola da preparação foram os mais infelizes. A uma
criança de 8 anos deve ter parecido como se alguma volta incompreensível e
desastrosa do destino o tinha privado dos pais, do repouso e da luz do sol, e
tinha-o despejado em uma terra estrangeira habitada por meninos pequenos,
repugnantes e malditos com o mesmo maldito clima. Foi somente mais de três anos
depois que viu sua mãe outra vez - e então, momentaneamente, não a reconheceu.
No tempo que entrou na escola sênior já se tinha adaptado bem, "juntou-se
ao inimigo" e apreciou os cinco anos seguintes. Disse sempre que o que o
conservou foram seu tamanho grande, sua força física e habilidade atlética.
Saiu da escola
em 1915, imediatamente antes do seu 18º
aniversário, e juntou-se ao Regimento Real de Tanques em 1916,
durante a Primeira Guerra
Mundial. Serviu na França e esteve no
serviço ativo até o fim da guerra. Recebeu o DSO (Distinguished Service Order),
e a Legião de Honra.
Subseqüentemente, estudou história no Queen's College da Universidade de
Oxford e medicina na University
College London. Bion dedicou-se muito a natação e o rugby, e
tornou-se excelente desportista.
Formado em
medicina, seu interesse na psicanálise aumentou. Submeteu-se então, a um
treinamento em análise supervisionado pela psicanalista Melanie Klein - pioneira no estudo da
relação mãe e filho, na idade de latente - que influenciou o pensamento de
Bion.
Bion foi
psiquiatra no exército britânico durante a Segunda Guerra
Mundial, trabalhando em maneiras de melhorar a seleção dos oficiais
e tratando vítimas. É conhecido particularmente pelo seu trabalho no Tavistock Institute,
em Londres. De seu trabalho com o exército,
reteve um foco em indivíduos e em grupos.
Melanie Klein
não era simpática ao seu trabalho com grupos: em sua opinião estava em
contradição com o trabalho analítico. Ela suspeitava de algumas de suas teorias
psicanalíticas, embora reconhecesse finalmente sua validez. Bion, por seu lado,
não considerava o trabalho com grupos como divorciado totalmente daquele da
análise.
Durante a
guerra, casou-se uma atriz bem conhecida, Betty Jardine, que morreu
tragicamente quando sua filha nasceu em 1945.
Assim no fim da guerra estava aflito, com um bebê para cuidar, muito pouco
dinheiro e nenhuma renda regular. Foi liberado do serviço para cuidar da
criança. Sua educação era difícil. Tornou-se estranha a ele e foi-se para a Itália com 17 anos. Reconciliaram-se mais
tarde e ela transformou-se em uma psicanalista considerada, mas morreu
prematuramente em um choque de carro em 1998.
Bion
apaixonou-se por Francesca, que se transformou em sua segunda esposa. Existe um
volume de suas cartas ardentes que foram publicadas em um segundo volume de sua
autobiografia: Todos os meus Pecados de Amor Recordados (1985).
Durante os
anos 40, produziu seu trabalho abrindo caminho na dinâmica de grupo, sendo Experiências
com Grupos o ápice desse trabalho. Abandonando seu trabalho neste campo no
favor da prática psicanalítica, elevou-se subseqüentemente à posição do diretor
da Clínica de Psicanálise de Londres (1956-1962).
Mais tarde
tentou compreender os pensamentos e o pensar a partir de um método matemático e científico, acreditando
existir preconceitos no vocabulário existente. Mais tarde ele abandonou a
aproximação matemática e científica para uma compreensão mais estética e intuitiva, acreditando que a
experiência da verdade entre o psicanalista e o paciente era algo quase
místico.
Passou seus
últimos anos em Los Angeles, Califórnia. Realizou diversos seminários no
Brasil a partir da década de 1970, influenciando profundamente
diversos profissionais da área.
TEORIA DO PENSAMENTO DE BION
Em “Formulações
sobre os dois princípios do funcionamento mental” (1911) Freud afirma: “a
decepção ante a ausência da satisfação esperada motivou o abandono de sua
tentativa de satisfação por meio de alucinações e para substituí-lo, o aparelho
psíquico teve que se decidir a representar intrapsiquicamente as circunstâncias
reais do mundo exterior, e tender à sua modificação real”.
O pensamento, as emoções e o conhecimento são indissociados entre si, sendo que
o pensamento precede o conhecimento, porquanto o indivíduo necessita pensar e
criar o que não existe, ou o que ele não conhece.
Bion, nos trabalhos: “Uma Teoria do Pensamento” (1962) e “Elementos em
Psicanálise” (1963), introduziu as seguintes concepções:
Da mesma forma
como para Freud, também a teoria do pensamento de Bion tem como ponto de
partida a frustração das necessidades básicas que são impostas ao lactante.
Para Bion o
essencial é a maior ou menor capacidade do ego do lactante poder tolerar o ódio
resultante dessas frustrações. Ele considera fundamental se vai haver uma fuga
em relação à frustração ou uma modificação desta.
Bion introduz
a noção de que é necessária uma distinção entre elementos do pensamento e os
pensamentos propriamente ditos. Para Bion, “o pensar é um desenvolvimento forçado
sobre o psiquismo, pela pressão dos elementos dos pensamentos, e não o
contrário”.
Na realização positiva há uma confirmação de que o objeto necessitado está
realmente presente e atende às suas necessidades.
Na realização
negativa, o lactante não encontra um seio disponível para a satisfação e essa
ausência é vivenciada como a presença de um seio ausente e mau dentro dele.
Para Bion todo
objeto necessitado, em princípio, é sentido como sendo mau porque se ele o
necessita é porque não tem posse dele; logo, esses objetos são maus porque a
sua privação provoca muito sofrimento.
Se a
capacidade inata do ego para tolerar as frustrações for suficiente, a
experiência do “não seio” torna-se um elemento do pensamento (protopensamento)
e se desenvolve um aparelho psíquico para “pensá-lo”.
Se a
capacidade inata para tolerar as frustrações for insuficiente, o “não seio” –
mau -, deve ser evadido e expulso pelo emprego de maciças identificações
projetivas.
As
experiências de realização negativa são inerentes e indispensáveis à vida
humana, e elas podem seguir dois modelos de desenvolvimento:
Se o ódio
resultante da frustração não for excessivo à capacidade do ego do lactante em
suportá-lo, o resultado será uma sadia formação do pensamento, através da
“função α”, a qual integra as sensações e as emoções.
A função α é a
primeira que existe no aparelho psíquico e é ela quem vai transformar as
sensações e as primeiras experiências emocionais em elementos α.
Os elementos α
são processados pela função α, são utilizados pela mente para a formação
de sonhos, recordações e para as funções de simbolizar.
Os elementos α formam um conjunto denominado de “barreira de contato” que
resulta do conjunto formado pelos elementos α, demarca a fronteira de contato e
de separação entre o consciente e o inconsciente.
Se o ódio
resultante da frustração for excessivo, os elementos do pensamento que se
formam, denominados “elementos β”, não se prestam para a função de serem
pensados e precisam ser imediatamente aliviados, portanto, descarregados pela
criança.
Os elementos β
são protopensamentos, ou seja, experiências emocionais e sensoriais primitivas
e que, portanto, não puderam ser pensadas até um nível de conceituação ou de
abstração, elas devem ser expulsas e evacuadas para fora.
Os elementos β
formam um conjunto denominado de “pantalha ou tela β” a qual não possibilita
uma diferença entre o inconsciente e o consciente, entre a fantasia e a
realidade e nem a elaboração de sonhos.
A essência da
formação dos pensamentos úteis depende não só da capacidade de tolerância às
frustrações, como também da capacidade em suportar as depressões, ou seja, vai
depender basicamente do modo da passagem da posição esquizo-paranóide para a
posição depressiva.
A relação entre
o pensador e o pensamento, sob o modelo continente-conteúdo, foi estudada por
Bion e, segundo ele, adquire três formas:
A primeira é a
forma parasitária, na qual o pensador e o pensamento novo se desvitalizam, se
destroem entre si e se nutrem de mentiras que funcionam como uma barreira
contra a verdade.
A segunda é a
forma comensal, em que o pensador convive com o seu pensamento sem grandes
atritos e, se não impede a evolução, também não possibilita grandes mudanças.
A terceira é a
forma simbiótica, pela qual o pensador e o pensamento se harmonizam e se
beneficiam mutuamente entre si.
TEORIA DO CONHECIMENTO DE BION
O eixo central
da formação do Conhecimento e do Pensamento é a maior ou menor capacidade do
ego da criança em tolerar as frustrações decorrentes das privações. A criança
tanto pode fugir dessas frustrações, criando mecanismos que evitem conhecê-las
(ela evita o problema, mas não evita a angústia), como pode aprender a
modificar a realidade, através da atividade do pensar e do conhecer.
O
desenvolvimento cognitivo da criança será mais ou menos exitoso dependendo de
três fatores:
de como a mãe
real utiliza o seu próprio pensar e conhecer e de como contêm as angústias do
seu filho;
da capacidade
da criança quanto à formação de símbolos;
do desejo de
conhecer a respeito dos conteúdos mentais como estando intimamente relacionado
com as emoções de amor e ódio.
O termo
vínculo designa uma experiência emocional pela qual duas ou mais pessoas, ou
duas partes de uma mesma pessoa estão relacionadas entre si.
VÍNCULO DO
AMOR (L)
Até 1920 o
trabalho psicanalítico estava praticamente reduzido a um enfoque centralizado
quase que exclusivamente nas pulsões libidinais.
À medida que
os conhecimentos da teoria e prática da psicanálise foram evoluindo, tornou
mais claro que:
as demandas
por amor não são unicamente de natureza libidinal e sexual (conforme formulação
original de Freud);
as
manifestações de amor provenientes do Instinto de Vida são inseparáveis do
Instinto de Morte;
as demandas
por amor procedem de uma fonte original muito anterior: na relação diádica com
a mãe, e elas estão representando uma necessidade de preenchimento de vazios
afetivos, para garantir a sobrevivência psíquica.
VÍNCULOS L, H,
K
VÍNCULO DO ÓDIO
(H)
Principalmente
a partir das concepções da escola kleiniana, os psicanalistas passaram a
valorizar o vínculo do ódio como sendo um integrante fundamental de toda e
qualquer relação objetal, intra ou interpessoal.
VÍNCULO DO
CONHECIMENTO (K)
O vínculo K
foi conceituado por Bion como sendo aquele que existe entre um sujeito que
busca conhecer um objeto e um objeto que se presta a ser conhecido. Representa
também um indivíduo que busca conhecer a verdade acerca de si mesmo.
Bion aprofundou-se nas particularidades do vínculo do Conhecimento,
correlacionando-o com:
outras funções
do ego, como a do pensamento, linguagem, juízo crítico etc.;
com os
problemas relativos à Verdade, Falsidade e Mentira;
com Ataque aos
Vínculos, os quais permitiriam a percepção das intoleráveis verdades, tanto as
externas como as internas;
a substituição
do Conhecimento pela tríade: Arrogância, Estupidificação e Curiosidade Maligna.
Em síntese,
podemos afirmar que esses três tipos de vínculos são indissociados entre si e
dependem, diretamente, tanto da disposição hereditária da criança como, e,
principalmente, da capacidade de reverie da mãe.
Se a
capacidade de reverie da mãe for suficiente a criança terá condições de fazer
uma aprendizagem com as experiências das realizações positivas e negativas
impostas pelas privações e frustrações e, neste caso, ela desenvolve uma função
K.
Se a
capacidade de reverie da mãe for insuficiente a criança desenvolve um vínculo
–K (a mãe é introjetada pela criança como uma pessoa que a destitui de seus
objetos bons e a obriga a ficar com os objetos maus), ou pode resultar num
vínculo “não K”.
FONTE:
ZIMERMAN, DAVID E. Bion: da teoria à prática – uma leitura didática, Artmed,
Porto Alegre, 2004.
http://sig.org.br/_files/artigos/quemfoiwilfredruprechtbion.pdf
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