quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

DISTÚRBIO DO EGO E TRAUMA ACUMULATIVO









DISTÚRBIO DO EGO E TRAUMA ACUMULATIVO

 Por José Ottoni Outeiral



                        As distorções do ego que se originam do trauma acumulativo, isto é, resultantes do fracasso da mãe em sua  função como escudo protetor e as consequentes invasões na emergente integração de ego da criança, se tornam perceptíveis através do que Freud chamou de "     inconsistências, excenticidades e loucuras dos homens ",um tipo de disturbio de caráter e personalidade que com frequência "são compatíveis com uma "vida normal " (  ou a uma "normopatia "ou a que C. Bollas chama de vida "normótica  ), ou ao que  Helen Deutsch chamou de personalidade "como se "ou ao que Winnicott denominou "falso self ".  Masud Khan  relata o seguinte:

                        "1. As fendas no papel da mãe como escuddo protetor levam a um desenvolvimento ddo ego prematuro e seletivo. Algumas das emergentes funções  autônomas tem o crescimeento acelerado  e são aproveitadas em açãao defensiva para fazer face às invasões, que são desagradaveis e que a criança não pode enfrentar de forma adequada a cada    fase .Este desenvolvimento precoce pode começar a organizarum tipo de reação especial no criança em relação ao estado de espírito da mãe, reação que cria um desequilíbrio na integração dos impulsos agressivos. Complementarmente, o distúrbio do desenvolvimento sensorial e motor, por sua vez, prejudica a evolação das fases libidinais. Nesse contexto, a justaposição de Freud na passagem acima, de "inconsistências, excentricidades e loucuras dos homens "e perversões sexuais, assume um significado mais profundo. Muitas perversões tem a s características de um incentivo a funções do ego precariamente integradas,
                        2. O envolvimento das funções precoces com a resposta conivente da mãe contra a diferenciação adequada a cada fase para a formação de uma unidade de self e personalização. Em lugar de uma integração separada e coerente da estrutura do ego, ocorrem, intrapsiquicamente, múltiplas dissociações. Essas dissociações elvam a criança a reter um vínculo de dependência arcaica com a mãe e o ambiente, ao mesmo tempo que precipita a independência. Uma  característica deste tipo de desenvolvimento dissociado do ego é que, o que deveria constituir um estado de dependência silencioso e desapercebido, passa a ser um aproveitamento coercivo e decisivo e manobrado da  dependência pulsional e do ego . Simultaneamente, dá-se uma catexia narcisista precoce da mãe, que, muito embora pareça um agradabilíssimo amor objetal é, na  verdade, um tipo de interesse precoce do ego no objeto. Este interesse do ego, com seus afetos correlatos de ideallização e superpreocupação, é um substituto da verdadeira catexia objetal, como se torna  penosamente           óbvio nos envolvimentos intensos , apaixonados, mas instáveis, do pós-adolescente em relação aos seus "objetos amorosos ".
                        3. Por último, escolherei para comentar um tipo especial de hipercatexia, ao mesmo tempo da realidade interna ( fantasia ) e externa desses pacientes , e o distúrbio de seu ego corporal.É típico do caso clínico desses casos, no adulto, terem eles um interêsse estranhamente ávido e aguçado, pelo ambiente externo e seu conteúdo subjetivo interno e fantasioso. Apresentam uma tendência a se mostrarem obcecados por ele e só muito lentamente podemos perceber que esta atividade psíquica  diligente e vibrante encobre uma falha básica nas suas capacidades do ego. Nunca podem ser . Sua capacidade para levar uma vida serena e descansada é muito limitada. Tem de se deixar absorver por alguma   coisa,  se atormentarem, incitarem-se; do contrário, cairão no tipo mais apática de não existência e do não-ser. Da mesma forma, a relação que tem com o próprio corpo e com o corpo de seus objetos amorosos é a mais intensamente tumultuada, intrusiva e superíntima. Desejam e buscam ansiosamente experiências orgíacas e encontram nelas pouca satisfação. Muito frequentemente, a excessiva patologia sexuala do tipo masturbatório em crianças é uma forma de enfrentar um envolvimento  traumático com um dos pais que oprime o funcionamento do ego e o põe em risco de colapso.  Rosen  discorrendo sobre um acontecimento traumático num caso seu, tirou a seguinte conclusão: "Na solução de um trauma, os afetos que não podem ser dominados  pela  repressão são narcisisticamente investidos  na imagem corporal e assim pouco se conserva da original  catexia objetal da experiência" ( o grrifo é meu )'.


Aspectos  técnicos da reconstrução na situação analítica

                        Masud Khan ( khan, 1964 ) incia suas considerações sobre a questão da reconstrução citando textualmente a Freud  ( 1937 ) em "Construções em análise ", o que eu também faço pela clareza desta exposição. Freud escreve:

                        "... o trabalho em análise consiste em duas partes inteiramente diferentes, [ que ] é realizado em duas localidades separadas [ que ] envolve duas pessoas, a cada uma das quais cabe uma tarefa distinta ...sabemos todos que a pessoa que está sendo analisada tem de ser induzida a recordar algo que experimentou e reprimiu e os deterimantes dinâmicos deste processo sãao tão interessantes que a outra parte do trabalho, a tarefa desempenhada pelo analista, foi colocada em segundo plano. O analista não desempenhou nem reprimiu nada do material em questão; sua tarefa não pode ser recordar algo. Qual é, então, a sua tarefa? É descobrir, pelos traços deixados, o que foi esquecido ou, mais corretamente,  construir o que foi esquecido. A hora e o modo de revelar suas construções à pessoa que está sendo analisada, bem como as explicações que fornece, concomitantemente, constituem o vínculo entre as duas partes do trabalho de análise, entre a sua parte e a do paciente... O analista, como dissemos, trabalha em condições mais favoráveis que o arqueólogo, já que tem à sua disposição um material que não encontra similar nas escavações, como sejam as repetições de reações que datam da tenra infância e tudo o que emerge em conexão com essas repetições através da transferência. Mas, além disso, é preciso ter em mente que o escavador lida com objetos destruidos, dos quais grandes e importantes partes certamente se perderam, por violência mecânica, pelo fogo ou pilhagem. Não há esforço que consiga descobrí-las e levar a posssibilidade de se unirem com os fragmentos que restaram. O único e exclusivo caminho aberto é o da reconstrução, que, por isso mesmo, muitas vezes, só alcança certo grau de probabilidade. É diferente, porém, com o objeto psíquico, cuja história primitiva o analista tenta recuperar. Aqui, nos deparamos regularmente com uma situação que, com o objeto arqueológico, só acontece em circunstâncias raríssimas como em Pompéia ou no túmulo de Tutancâmon.. Todos os elementos estão preservados; até as coisas que parecem completamente esquecidas estão presentes de alguma forma e em algum lugar e, simplesmente, foram enterradas, tornando-se inacessíveis ao sujeito. Na verdade, como sabemos, é válido por em dúvida se qualquer estrutura psíquica pode realmente ser vítima de destruição total. Depende exclusivamente do tabalho analítico obtermos sucesso em trazerà luz o que está completamente oculto ".

                        O autor faz, a seguir, uma consideração onde esclarece que emsua opinião embora exista uma grande variedade de desenvolvimentos técnicos, em especial, no trabalho ( ou manejo ) da transferência a tarefa analítica básica é a
mesma criada por Freud. Ao prosseguir, articulando seu pensamento, ele trata  da conexão entre  a interpretação e a reconstrução.( ao leitor que certamente perguntará sobre Frida Kahlo, peço um pouco mais de paciência, neste recorrido que poderá parecer o caminho de Santiago de Compostela  )continuando a citarFreud:

                        "Interpretação se aplica a algo que se faz a algum elemento isolado do material, tal como uma associação ou uma parapraxia. É, porém, uma construção quando se coloca diante do sujeito um fragmento de sua história primitiva que ele esqueceu... .".
                       
                        Liberalmente eu incluiria também o trabalho com os sonhos neste desenvolvimento.
                         O nosso analista nascido no Punjab segue comentando que a interpretação tem o objetivo de lidar com as resistências do paciente na transferência ( aqui-agora-comigo ) e permitir as reconstruões, enquanto que as reconstruções "abrangem uma escala de dados muito mais vasta e profunda . Procuram organizar, no meio da heterogênea exibição do material, e no que se refere a hiatos e omissões, um esquema de desenvolvimento seguro para determinado paciente em termos de sua história específica ".
                        As reconstruções na situação analítica são consideradas por ele como sendo possíveis de serem agrupadas emquatro aspectos:
                        1. reconstruções da história dos mecanismos de defesa, cobrindo os períodos do desenvolvimento psicossexual ( incluiria a necessidade de trabalhar, neste momento, com o perfil metapsicológico - diagnostic profile - de Anna Freud  ) ;
                        2. reconstruções das fases críticas de crecimento psicossexual  e do estabalecimentodas tres estruturas mentais ( segunda tópica ), ego, superego e id  ( o autor se refere, especificamente, à  psicologia do ego e a Hartmann,Kris e Loewenstein );
                        3. reconstruções do relacionamento específico do pacinete com os pais desde os períodos pré-edipiano e edipiano, com seu séquito de introjeções e identificações, e
                        4. reconstrução da ecologia das primeiras fases de personalização, integração do ego e modificações do ego do  paciente  (  há agora referências específicas, principalmente, ao membros do middle group da Sociedade Britânica de Psicanálise ).

                        Masud Khan define o rumo de seu pensamento da seguinte forma, nos convidando a seguir com ele:

                        "Aquí só estou interessado no último grupo, ou  seja, como reconstruimos nós a  ecologia do ambiente infantil, que em consequência do  trauma  acumulativo  ( o grifo é meu ), provocou distorção do ego ? ".
                        A partir desta etapa, ao  falar do setting  necessário  ao trabalho com estes pacientes que experienciaram trauma acumulativo, Masud Khan  utiliza seu referencial, digamos..., Winnicottiano. Como sabemos, Winnicott em seu trabalho clínico considerava que pacientes que houvessem sofrido falhas ambientais ( por intrusão - impingment -, depressão materna ou outros fatôres da mesma espécie ) nas primeiras etapas do desenvolvimento, "congelavam "esta experiência de fracasso com a esperança  ( hope ) de, em algum momento de suas vidas ( na análise inclusive ), encontrar um"ambiente facilitador".   Este  setting, no processo analítico segue, conforme explicita Winnicott com precisão,uma forma clínica singular ( Winnicott, 1954, 1955 ). O relacionamento do paciente com o analista como pessoa  total passa a ser secundário e, apenas em alguns momentos  isto poderá ser possível. O paciente reagirá  à  presença do analista como a uma  coisa. Na verdade, como o trauma acumulativo experienciado  é anterior ao que Freud considerou como  representação de palavra e sim ao período de representação de coisa, não há como, através de uma produção verbal, realatar à uma  pessoa total ( no caso o analista )o acontecido. Este relato percorrerá um trajeto, principalmente pelo  não-verbal  ( pelos mecanismos de identificaçao projetiva e introjetiva ) e será percebido pela contra-transferência do analista, se ele tiver engenho e arte para tanto... e o paciente confiança e esperança por um lado e por outro ter podido desfrutar deste novo ambiente ( o setting ) descongelando a situação de fracasso inicial.
       
                Masud Khan comenta duas situações particulares, uma referente à patologia e outra ao tratamento, que eu acho interessante compatir com o leitor: a questão de considerar o acting-out como comunicação, particularmente no tratamento dos casos  fronteiriços com uma estrutura de ego esquizóide e, por ultimo  ( last but not least ), não confundir este setting proposto com o conceito de  experiência emocional corretiva, tal como desenvolvido por Franz Alexander ea inadequadamente chamada "Escola de Chicago ".
                        A noção de atuação assume para Masud Khan  uma condição que ele busca explicar através da concepção de que estes pacientes, de uma forma quase automática, buscam refugiar-se na realidade configurando o que chamamos de atuação. Seu ego, heróicamente, transforma as situações para evitar aquelas áreas de experiência emocional que seu defeito de ego não pode enfrentar. Sua capacidade mental,  com astúcia e sagacidade, faz com que fujam para evitar fóbicamente todos os segmentos da realidade e de tensões interpessoais que os leveem ao âmago de suas crises de desenvolvimento. Há uma diferença, qualitativa, entre estes pacientes e os neuróticos, com seus egos relativamente intactos e razoáveis estruturas de personalidade, que fogem do conflito ou da culpa. É nos casos de pacientes fronteiriços com uma estrutura de ego esquizóide que Masud Khan acredita que tenha havido uma transformação na atitude clínica no tocante à atuação, onde ela passa a ser, como ele escreve, sob certos aspectos nosso principal aliado clínico. Ele segue escrevendo da seguinte forma ( Khan, 1964 ):

                        "... por causa das limtações da própria situação analítica e do relacionamento esses pacientes, com seus egos frágeis e combativos não tem, praticamente, opção a não ser conseguuirem a adesão daqueles que vão reencenar com eles a sua difícil situação interna. Recentemente  (  Greenacre, 1963 ) expôs de maneira magistral e perfeita o modo como este tipo de paciente atua ( e, por conseguinte "recorda ") padrões compleetos da história infantís e envolvimentos objetais. Se pudermos tolerar esta atuação e, gradualmente, levar o paciente a perceber está nos fazendo ver e gravar, então há possibilidades de dar-lhe  condições de  tolerar aquele pânico interno que o obriga a assumir este tipo de reencenação. Publiquei  dois casos clínicos, um de uma paciente ( Khan, 1963 ) e outro de um homem, em que procurei descrever esse comportamento e sua perlaboração clínica na análise. Quando o paciente, pelas nossas reconstruções e interpretações, acredita suficientemente na situação e no processo anaítico  ( que é algo muito diferente de uma transferência cega e fanática para o analista  ), é que  pode começar a caminhar para uma dependência mais profunda e para o uso regressivo da situação analítica ... ".
                        Na conclusão deste trabalho Masud khan comenta :
                       
                        " Apresentei, neste trabalho, a hipótese de que a patologia do caráter, que encontramos clínicamente em alguns pacientes do tipo esquizóide regressivo, provém da distorção do ego durante as primeiras fases do desenvolvimento do ego e da diferencição do ego. Procurei, ainda, dar conta dessa distorção do ego em termos de trauma acumulativo, resultante de fendas no papel da mãe em relação à criança, como ser escudo protetor. No contexto da situação analítica, expus como podemos reconstruir, e  reelmente  reconstruimos, o trauma acumulativo e a natureza e extanção da distorção do ego  no paciente, observando  ( a ) o uso que o paciente faz do processo e do setting analíticos,  ( b ) regressão à dependência, ( c ) atuação e ( d ) a auto-observação de nossa contratransferência  quando ficamos    disponíveis, na situação analítica, como um ego auxiliar e assumimos algumas das funções da mãe como escudo protetor, vis-à-vis do paciente submetido `a regressão. Podemos, assim, realizar  a tarefa que Freud fixou  para nós,  isto é, "descobrir ", pelos traços deixados o que foi esquecido ou, mais exatamente, construir o que foi "esquecido ".
                       
                        O trabalho com estes paciente constitui o eixo principal da produção teórica de Masud Khan  que pode ser encontrada nos seus   livros :
                        É interessante acompanhar o que André Green (  Green, 1974 ) comenta na introdução que faz ao livro de Masud Khan ( Khan, 1974 ),  the privacy of the self, e que ele intitulou, significativamente, como O outro e a experiência de self :
                        "... isso nos leva a reavalição da noção de trauma. O trauma, não só desloca da esfera da sexualidade para a do ego, mas perde sua dimensão dramática e punctiforme  para inserir-se num tecido de microtraumatismos, cujas sequelas parecem se parecem menos com a cicatriz de um ferimento que com um processo de esclerose que estrangula  o desenvolvimento. Não se colcua daí que o analista deva dedicaar-se à reparação. Deve, de preferência, servir de ego auxiliar. "O que devemos fornecer ao paciente são algumas das funções da mãe no pale de escudo protetor e de ego auxiliar ". O objetivo é assegurar a distância psíquica necessária a fim de poder, tanto  perceber quanto recconstruir mentalmente a experiência ".


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