quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Comportamento Sexual Compulsivo e Parafilia



Parafilia é o termo atualmente empregado para os transtornos da sexualidade, anteriormente referidos como “perversões”, uma denominação ainda usada no meio jurídico. Estudar as Parafilias é conhecer as variantes da sexualidade e do erotismo em suas diversas formas de estimulação e expressão comportamental. É muito difícil conceituar a sexualidade normal (veja artigo O Normal em Sexualidade, nessa seção), a ponto de o médico inglês Havelock Ellis ter dito que “todas as pessoas não são como você, nem como seus amigos e vizinhos, inclusive, seus amigos e vizinhos podem não ser tão semelhantes a você como você supõe.”
As Parafilias são fantasias sexualmente excitantes, são desejos sexuais fortes ou, ainda, comportamentos envolvendo objetos não-humanos, sempre recorrentes e intensos. Essas parafilias podem causar sofrimento e humilhação ao paciente, a seu parceiro(a), filhos, familiares, bem como envolvimentos policiais e judiciais. Atualmente, entretanto, os sintomas das parafilias podem envolver outros padrões culturalmente questionáveis, como é o caso da masturbação repetitiva, pornografia pela Internet, hipersexualidade, etc.
hipersexualidade, por sua vez, seria um aumento da sexualidade (desejo, fantasias e atividade) para além do socialmente habitual. Os sintomas hipersexuais têm sido rotulados como compulsivos, impulsivos ou, tal como acontece com o vício do jogo ou das drogas, adictivos. Evidências cada vez mais numerosas apóiam a existência de uma síndrome caracterizada por fantasias sexualmente excitantes recorrentes e intensas, impulsos sexuais ou comportamentos não normais mas, não obstante, envolvendo padrões que escapam dos conceitos e definições da parafilia (no caso do Transtorno Hipersexual sem Parafilia), ou seja, que escapam aos conceitos e definições das aberrações do ato e do desejo sexual.
Apesar desses comportamentos hipersexuais serem distintos da parafilia, há, contudo, alta comorbidade com ela (a hipersexualidade aparece junto com outras parafilias com freqüência). Conquanto tais sintomas tenham sido rotulados como compulsão ou adicção sexual, esses termos são problemáticos. A moderna classificação das doenças mentais tem negligenciado este transtorno, embora o DSM.VI (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 4a. edição), da Associação Psiquiátrica Norte-Americana, inclua os comportamentos hipersexuais como um exemplo dos transtornos sexuais não especificados.

Classificação
No CID.10 (Classificação Internacional de Doenças, 10a.revisão), em F52 é classificado o Apetite Sexual Excessivo, com duas subclassificações; Satiríase e Ninfomania, para homens e mulheres respectivamente. De qualquer forma, alguns autores requerem que esse transtorno seja classificado como uma das parafilias ou relacionado a elas. Na ausência de um conhecimento mais abrangente sobre esse transtorno, sugere-se que seja simplesmente denominado de Transtorno Hipersexual, havendo quem classifique de Transtorno Hipersexual com Parafilia Transtorno Hipersexual sem Parafilia. Essa última maneira seria preferível.

ninfomania, significa um desejo excessivo ou patológico pelo coito em uma mulher. Uma outra denominação de satiríase seria o Don Juanismo (veja nessa seção aSíndrome de Don Juan), o equivalente da ninfomania para o homem. Esses transtornos eram já citados no DSM-III (anterior ao DSM.IV), no capítulo das "disfunções psicossexuais". Trata-se de uma condição na qual há "sofrimento acerca de um padrão de relacionamentos sexuais repetidos, envolvendo uma sucessão de amantes, sentidos pelo indivíduo como coisas a serem usadas".
Pode-se, ainda, pensar em diversos subtipos do Transtorno Sexual Hiperativo (ou Impulso Sexual Excessivo). Segundo Coleman (1992) seriam:

Subtipos do Transtorno Sexual Hiperativo

a) sexo compulsivo e múltiplos parceiros;

b) fixação compulsiva na obtenção de um
 parceiro inatingível;


c) masturbação compulsiva,


d) compulsão por múltiplos relacionamentos afetivos;


e) sexo compulsivo com um único parceiro.

As dependências de formas anônimas de sexo, como o sexo por telefone e a pornografia, também entrariam no rol das Dependências Sexuais Não-parafílicas (Kafka, 1991). Porém, para Stoller (1975) e Money (1986) trata-se, inclusive, de um subtipo de parafilia. Kafka (1991) propõe um critério no qual a performance sexual total individual conste de sete ou mais orgasmos por semana, por um período mínimo de doze semanas consecutivas, após os quinze anos de idade.
De modo geral, a questão de como categorizar melhor este transtorno permanece polêmica. Os termos ninfomania e donjuanismo podem ter ajudado a focalizar o esforço dos médicos e a pesquisa nesta área, mas esses rótulos têm ares pejorativos ou conotação de “senvergonhice”. Os comportamentos sexuais nas parafilias costumam ser ritualísticos, ocultos e dissimulados, o que nem sempre (ou quase nunca) acontece noComportamento Sexual Compulsivo.

Comportamento Sexual Compulsivo e TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo) 

Popularmente o termo obsessão, aplicado ao sexo, pode ser usado para designar uma preocupação sexual excessiva. O uso do termo nesse contexto desperta, sem dúvida, a antiga idéia de que paixão e loucura são vizinhas. A idéia de que alguns transtornos sexuais, notadamente a hipersexualidade, sejam de natureza obsessivo-compulsiva tem surgido mais recentemente na literatura médica.
Vários transtornos caracterizados por comportamentos repetitivos e impulsivos, particularmente compras compulsivas, cleptomania e jogo patológico se colocam junto ao TOC atualmente. Alguns desses Transtornos do Controle dos Impulsos, notadamente a Tricotilomania (arrancar pelos, cabelos) e a Onicofagia (roer unhas), como o próprioTOC, respondem bem a um inibidor da recaptação de serotonina, e não a um inibidor da recaptação da noradrenalina.
Muito embora 15% dos portadores de Comportamento Sexual Compulsivo possam ser portadores de Transtorno Obsessivo-Compulsivo da Personalidade (como veremos adiante), parece que a hiperatividade sexual e o TOC são, de fato, condições psiquiátricas diferentes. Uma das diferenças de morbidade entre o Comportamento Sexual Compulsivo e o Transtorno Obsessivo-Compulsivo seria o fato de, no TOC, os sintomas sexuais costumam, tipicamente, provocar ansiedade, nesse caso, causando algum tipo de sofrimento ao paciente, portanto, chamados comportamento e/ou sentimento egodistônico. No Comportamento Sexual Compulsivo, por outro lado, mais freqüente é que os sintomas hipersexuais possam ser agradáveis ao paciente, portanto, egosincrônico. Levado esse fato ao pé da letra e, obedecendo recomendações do CID.10 sobre excluir do patológico aquilo que não faz sofrer a pessoa ou seu entorno, então não estaríamos autorizados a considerar um transtorno uma variação do comportamento humano.
Outra diferença é que, no TOC, invariavelmente o paciente tenta neutralizar os pensamentos intrusivos (obsessivos) com toda sua força, mas no Comportamento Sexual Compulsivo o paciente costuma dar várias explicações para seus pensamentos e seu comportamento “assanhado”, principalmente quando são estimulados por uma cultura que glorifica a performance sexual como a nossa.
O que confunde esses dois conceitos (TOC e CSC) é que, em grande número de pacientes com TOC, existem idéias obsessivas também de conotação sexual. Nesses casos, os sintomas hipersexuais respondem relativamente bem ao tratamento comISRSs (antidepressivos), mas a hipersexualidade do Comportamento Sexual Compulsivo não.

Comportamento Sexual Compulsivo e outros transtornos emocionais. 

Carnes relatou, a partir de uma pesquisa com quase 1.000 pessoas internadas para tratamento por adicção ao sexo tinham, concomitantemente, outras adicções (veja tabela abaixo). Mais tarde, Carnes e Delmonico relataram números semelhantes numa pesquisa com 290 adictos ao sexo em recuperação. Em outro estudo, 70% dos adictos a cocaína que entraram num programa de tratamento sem internação relataram ter adição ao sexo.





Comportamento Sexual Compulsivo e Transtornos de Personalidade (Black e cols.)

Os investigadores avaliaram a relação entre o Comportamento Sexual Compulsivo e os Trans­tornos de Personalidade usando critérios definidos no DSM.III.R, bem como outros métodos. Quando foi usada a Entrevista Estruturada para Transtornos de Personalidade do DSM-III-R, 83% satisfizeram os critérios para pelo menos um transtorno de personalidade, enquanto 82% satisfizeram os critérios para pelo menos um transtorno de personalidade usando uma versão revisada do Personality Diagnostic Questionnaire. Por meio de um consenso de ambos os instrumentos, os participantes satisfaziam os critérios para pelo menos um transtorno de personalidade, mais comumente os transtornos eram dos tipos histriônico (21%), paranóide (15%) eobsessivo-compulsivo (15%)  (Fonte:Neuropsiconews). 

Há muito se tem descrito pacientes, ou melhor, pessoas cujos sintomas compreendem exclusivamente em fantasias sexualmente excitantes recorrentes e intensas, impulsos ou comportamentos hipersexuais. Alguns descrevem uma sexualidade patológica, na qual o apetite sexual aumenta anormalmente a tal ponto que ocupa quase todos os pensamentos e sentimentos, não permitindo que a consciência tenha liberdade de desvencilhar-se deles. Seria como um estado de “cio”, exigindo gratificação sexual sem maiores considerações éticas, morais e legais, resolvendo-se numa sucessão impulsiva e insaciável de prazeres sexuais.

Comportamento Sexual Compulsivo afeta de 3% a 6% da população, predominantemente homens, e costuma ter início no final da adolescência ou no início da terceira década, sendo sempre de natureza crônica, com períodos episódicos de maior agudização. Essas cifras, por si só, não sugerem absolutamente nada, uma vez que podemos ter igual incidência de pessoas que pensam exageradamente e/ou praticam exageradamente a religião, o esporte, a arte ou qualquer outra atividade do universo humano. A diferença seria eminentemente ética e não médica.
Apesar dos transtornos caracterizados por hipersexualidade terem sido descritos há muito tempo e de continuarem a ser assunto de grande interesse clínico, as condições nosológicas dessas afecções permanecem controversas e obscuras.

Comportamento Sexual Compulsivo se caracteriza por comportamentos sexuais impróprios, exagerados ou cognições que causam sofrimento subjetivo e comprometimento das funções ocupacional e interpessoal. O transtorno apresenta um desafio aos pesquisadores devido às discórdias sobre a definição de suas características principais e da amplitude de seu espectro.
Ao discutir o Comportamento Sexual Compulsivo, devemos levar em conta que esse conceito tende, se não for bem criterioso, a incluir todo o comportamento sexual. Embora sua amplitude ainda seja controversa, alguns investigadores acreditam que oComportamento Sexual Compulsivo seja composto por padrões anormais de excitação e de comportamento sexuais, quando conseqüentes de parafilias, bem como de padrões normais de excitação e comportamento sexuais que se tornaram exagerados, transformando-se em Comportamento Sexual Compulsivo relacionados aparafilia ou não-parafílico.

Os sintomas hipersexuais têm sido comparados a uma espécie de adicção, mais precisamente, como uma “adicção sexual não-parafílica”. Outros autores têm usado termos como compulsivo, impulsivo e aditivo para descrever esses transtornos. Carnes(2000) estabelece um ciclo em quatro etapas para o Comportamento Sexual Compulsivo;

 Etapas para o Comportamento Sexual Compulsivo 
 A primeira etapa é a preocupação, na qual a pessoa apresenta um afeto semelhante ao do transe, estando completamente absorta em pensamentos de sexo e partindo para busca obsessiva de estimulação sexual.

segunda etapa é uma ritualização, na qual a pessoa desenvolve uma rotina que leva ao comportamento sexual. O ritual serve para intensificar a excitação.


terceira etapa é da gratificação sexual, mediante o ato   sexual em si, onde a pessoa se sente incapaz de controlar seu desejo.


quarta etapa, o desespero, vem após o Comportamento Sexual Compulsivoe se caracteriza por uma sensação de impotência e desânimo.

Esse autor termina observando que as pessoas com Comportamento Sexual Compulsivo gastam uma quantidade enorme de energia emocional para manter secretos seus comportamentos e inclinações sexuais, levando, paradoxalmente, ao isolamento social e sexual.

A hipersexualidade pode refletir, muitas vezes, uma desinibição típica de alguns transtornos do Lobo Frontal e não, invariavelmente, um aumento do impulso sexual. Por exemplo, a desinibição e hipersexualidade foram relatadas em casos de lesões frontais e peri-ventriculares da esclerose múltipla. Semelhantemente, tem havido casos de desinibição e hiper­sexualidade depois de lesões frontais basais e, também, podem ocorrer desinibição e hipersexualidade no contexto da demência.

Já existem crescentes evidências de que os circuitos corticoestriatais estejam envolvidos no Transtorno Obsessivo Compulsivo e em afecções relacionadas, como aquelas consideradas do Espectro Obsessivo-Compulsivo.

Dessa forma, sintomas hipersexuais e parafilias também podem estar presentes em alguns pacientes com Transtorno Obsessivo Compulsivo mas, nesses casos, sua fenomenologia parece diferir daquela de obsessões e compulsões clássicas. Os pacientes com Transtorno Obsessivo Compulsivo tipicamente descrevem os sintomas, inclusive as obsessões sexuais, como de natureza intrusiva e imprópria.

Num pequeno número de casos com Transtorno Obsessivo Compulsivo ehipersexualidade ou parafilia, o tratamento com antidepressivos inibidores de recaptação da serotonina ocasionou uma resposta diferencial de sintomas de Transtorno Obsessivo Compulsivo, que muitas vezes responderam bem e os sintomas de hipersexualidade ou parafilia, nos quais a resposta foi bem menos evidente (Comings, 1999).
O aumento do impulso sexual pode ser, ainda, um dos sintomas próprios do Episódio Maníaco ou outros transtornos psicóticos, sendo possível que alguns sintomas hipersexuais, como por exemplo, a masturbação compulsiva, se associem à depressão. Muitos episódios com sintomas hipersexuais respondem à farmacoterapia antimaníaca. Os antidepressivos também podem ser úteis em pacientes com hipersexualidade comórbida com transtornos do afeto. Entretanto, é muito discutível que os antidepressivos inibidores da recaptação da serotonina e os bloqueadores da dopamina são eficazes no tratamento de hipersexualidade sem uma aparente base neuropsiquiátrica.

Ballone GJ, Moura EC - Comportamento Sexual Compulsivo - in. PsiqWeb Psiquiatria Geral, Internet, disponível em www.PsiqWeb.med.br, revisto em 2008

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