RENÉ SPITZ
(1887-1974), nasceu em
Viena, e faleceu em Colorado, Estados Unidos. Começou por exercer medicina, mas
cedo se rendeu aos conhecimentos propostos pela recém-nascida Psicanálise e foi
o primeiro a fazer investigação em Psicologia infantil.
Spitz conheceu Sándor Ferenczi, psicanalista e hipnotizador, que
fazia parte do círculo mais próximo de Sigmund Freud. Foi Ferenczi quem o
apresentou ao criador da Psicanálise, e o levou até à Sociedade Psicanalítica
de Viena, tendo intercedido por ele, junto de Freud, para que este o aceitasse
para fazer a sua análise didática (treino e tratamento analítico), que realizou
entre 1910 a 1911, tendo-se formado como psicanalista. Praticou em Viena e
Berlim, seguindo em 1932 para Paris. Em 1938 viajou emigrou para os Estados
Unidos, onde trabalhou durante 17 anos no Instituto de Psicanálise, em New York.
Em 1956, foi convidado pela Universidade do Colorado para aí lecionar, tendo
aceitado o convite.A sua investigação teve como objeto de pesquisa as fases
iniciais da construção do Ego. Na sequência dos seus estudos foi levado à
necessidade de desenvolver novas técnicas de observação de crianças da primeira
infância. Conquistou a admiração do meio científico americano com seu interesse
e método de estudo aplicado às crianças abandonadas. Foram as suas observações
pioneiras quanto ao efeito das manifestações de carinho em crianças mantidas em
um berçário que o catapultaram para a ribalta. Tendo-se tornado um teórico de
referência nos meios científicos, da primeira metade do século XX.
Demonstrou que uma criança muito nova necessita de carinho e
carícias físicas reais para sobreviver. Com o propósito de isolar e investigar
os fatores responsáveis, ou desfavoráveis, ligados ao desenvolvimento infantil
em crianças internadas até aos dois anos e meio de idade, escolheu como local
de recolha de dados um excelente orfanato e o berçário de uma prisão. No
Orfanato, organizado e limpo, as crianças mostravam um sensível atraso mental e
progressiva debilidade física. Uma epidemia de sarampo matou 23 das 88 crianças
com idade inferior a 2 anos de meio. Das sobreviventes, apenas 2 começaram a
falar e aprenderam a caminhar no espaço da pesquisa. Nenhuma aprendeu a comer
sozinha e todas eram incontinentes.
Contraditoriamente e em contraste, no berçário da prisão de
mulheres, o seu desenvolvimento era tão acelerado e sadio que o problema era
tentar saber como conter as manifestações de sua vitalidade e inteligência;
aqui, as crianças eram a fascínio das mães reclusas e de todo o pessoal de serviço.
Spitz utilizou testes de quociente de desenvolvimento e encontrou
uma média de 105 pontos para o segundo grupo, e apenas de 72 pontos para o
primeiro. O que o levou a concluir que a falta de contato materno era o
fator/variável que impedia o desenvolvimento das crianças do orfanato e afirmou
que "O quadro contrastante dessas duas instituições mostra a importância
da relação mãe e filho para o desenvolvimento da criança durante o primeiro
ano. As privações em outras áreas,
Por exemplo, ao nível da dimensão da percepção ou locomoção podem
todas ser compensadas por relações mãe e filho adequadas “.
Spitz vai, partir das concepções de Freud e elaborar a sua própria
teoria sobre o desenvolvimento precoce. E, à semelhança do que sucedeu com a
esmagadora maioria dos psicanalistas daquela época, também ele atribui grande
importância à prática clínica, nas suas investigações.
Foi dos primeiros a utilizar uma metodologia cientifica de
investigação (Psicologia experimental) com crianças pequenas, desenvolveu
técnicas de observação e registro inéditas, tais como, filmes, testes, grelhas
de observação...
A teoria de Spitz é criada como tentativa de explicar a gênese da
relação de objeto e da comunicação humana, para tal vai propor que o
desenvolvimento na primeira infância se processa em três estádios:
ü Estádio pré-objetal ou sem objeto;
ü Estádio precursor do objeto;
ü Estádio do objeto
libidinal, propriamente dito.
Tal como Freud, Melanie Klein, Bion, Winnicott, entre muitos
outros, também Spitz vai considerar que estes estádios do desenvolvimento se
alicerçam na (inter) relação mãe/filho e podem facilmente ser identificados
através da manifestação de comportamentos específicos na criança, que designou
de “indicadores” (por exemplo, “resposta de sorriso”) Segundo ele são
precisamente estes indicadores que vão revelar a existência de “organizadores
do psiquismo”, sob o primado dos quais os processos de maturação e de
desenvolvimento se reúnem numa “teia” facilitadora da evolução progressiva da
criança, no sentido da construção/integração da personalidade. Há medida que a
integração se vai efetuado o aparelho psíquico vai desencadear novos e
diferentes mecanismos de funcionamento novos.
Estádio não objetal ou pré-objetal
Spitz, para definir este estádio, propõe o conceito de “não diferenciação”, que corresponde grosso modo
ao que Freud designa de Narcisismo Primário.
O conceito é utilizado por Spitz para demonstrar que o
recém-nascido ainda não se encontra “organizado” em diversas dimensões,
tais como: percepção e atividade; o funcionamento psíquico e somático ainda não
estão separados; o meio circundante não é percebido. Como tal, as noções de
interior e exterior não existem, as partes do corpo não são percebidas como
diferentes, tal como não há separação entre pulsões e objeto. Ignorando o mundo
que o rodeia, o bebê também não pode reconhecer o objeto libidinal.
Este autor considera que nesta fase do desenvolvimento não há atividade
psíquica e mental e concebe que, no máximo, podem existir afeto indiferenciados
e caóticos.
O que se passa é que os estímulos (primeiras percepções) ao serem
recebidos pelos sistemas proprioceptivos vão desencadear uma reação por parte
de uma barreira de proteção natural massiva cuja principal função é a de
proteger o bebe dos numerosos estímulos (alguns deles bastante agressivos) que
o bombardeiam, e que caso esta barreira não existisse iriam sobrecarregar ainda
mais o organismo/mente, levando-o a um excessivo desgaste, não lhe restando
energia para se concentrar na progressiva integração/compreensão de todo o meio
circundante, esta sim fundamental para o bom desenvolvimento do sujeito.
Quando os estímulos de origem interna (tais como: fome, sede,
desconforto...) ou externa (por exemplo, barulho, frio, luz...), ultrapassam um
determinado limiar, a criança para reencontrar o estado de sossego, de
quietude, tem de reagir a esta excitação negativa, interpretada
como“desprazer”, através de um processo de descarga: choro, grito...
Este processo é comparado ao Princípio de Nirvana, cujo processo
natural segue a sequência:
estímulo demasiado agressivo ! descarga para reduzir o
desprazer e fornecer a quietude. Quando a mãe é capaz de interpretar a
“mensagem” do seu bebe (suficientemente contentora, de acordo com a linguagem
de Bion) e lhe proporciona um ambiente calmo, protegendo a criança do excesso
de estímulos externos e lhe satisfaz as necessidades básicas (manifestadas
pelos estímulos internos) então ela está a contribuir para que possa crescer em
quietude, compreensão e confiança. Seja qual for a sua natureza, os estímulos
não são “reconhecidos” pelo bebê. Só com o acumular de experiências é que
progressivamente e há medida que o tempo vai passando, eles irão tomar o valor
de sinal. O conjunto dos sinais memorizados irá, mais tarde, proporcionar “uma imagem coerente
do mundo”, o que equivale a afirmar que são precisamente estas memórias
que irão permitir ao sujeito ordenar o mundo à sua volta e reduzir o caos
(grande quantidade de estímulos que chegam permanentemente aos diversos órgãos
dos sentidos).A maturação desenvolve progressivamente esta capacidade mental de
registro dos estímulos.Partindo de uma fase de apercepção (apesar de a memória
já guardar alguns traços), a criança, graças à relação de reciprocidade que
estabelece com a mãe, uma permanente sequência que se repete –
acção/reacção/acção – vai-lhe permitir realizar uma certa aprendizagem que
conduz à coordenação/integração/sintetização das diferentes percepções.
No que concerne aos primeiros dias de vida do bebe, Spitz utiliza
o termo “recepção” para designar a faculdade/capacidade de sentir (visceral) e esta
sensação pertence à organização cenestésica (centrado no Sistema Nervoso Autônomo, de onde
partem as manifestaçõesemocionais). Há medida que o tempo passa a criança vai
progressivamente evoluir de um estado de recepção cenestésica
para um estado de percepção diacrítica
(em que a percepção se
encontra devidamente circunscrita/localizada, dotada de intensidade, e que mais
tarde irá evoluir por intermédio dos órgãos sensoriais periféricos – córtex –
que conduzem aos processos cognitivos (pensamento consciente).
Num primeiro momento processa-se através da boca (região oral) que
devido à sua função anaclítica irá servir de intermediária entre a recepção
interna e a percepção externa. Aliás, esta região é extremamente importante no
estabelecimento da relação mãe/filho, nomeadamente, no durante o processo de
amamentação (quer seja natural ou artificial).
É através desta zona que a percepção de um estímulo (externo) como
o mamilo ao ser gradualmente ser
identificada/reconhecida pelo bebê, quando lhe é associada à rápida satisfação
da necessidade de alimento (de origem proprioceptiva). De referir ainda que,
esta percepção só é possível se o desprazer e a descarga por ele desencadeada,
forem interrompidos. A fase não objetal caracteriza-se por: os precursores dos afetos
(ou afetos arcaicos) –
excitação de qualidade negativa ou quietude - e a frustração que o bebê sente
entre o momento em que experimenta uma necessidade e o momento em que a
necessidade é satisfeita, exercem uma pressão repetida que impele à adaptação.
Acredita-se que nesta fase o bebe ainda não é capaz de diferenciar o tipo de
pulsão – libidinal e/ou agressiva.
O Estádio do percursor do objeto
As consequências, em termos de desenvolvimento, que advêm do estabelecimento
do primeiro precursor do objeto são
múltiplas. O bebe começa a ser capaz de:
ü Ultrapassar o estado de
simples “recepção dos estímulos internos” em favor de um estado de “percepção
dos estímulos externos”.
ü Adiar durante algum tempo o
Princípio de Prazer em favor do Princípio de Realidade.
Baseando-se na 1ª Tópica1 de Freud, Spitz vai propor que, há medida que os traços mnésicos
se vão formando, a criança começa a conseguir reconhecer o rosto humano, esta
evolução origina o seguinte fenômeno, o bebê começa a ser capaz “de deslocar os seus
investimentos pulsionais de uma função psíquica para outra, de um traço mnésico
para outro”.
Suportando-se na 2ª Tópica2, Spitz vai afirmar que uma vez adquirida a separação entre o Ego
e o Id e construído um Ego rudimentar (o Ego corporal de Freud, 1923), o bebe
começa a funcionar, e a mãe joga aqui um papel fundamental ela vai durante
algum tempo desempenhar o papel de Ego auxiliar.
Spitz considera que esta estruturação somatopsíquica (passagem do
somático ao psíquico) se processa de forma contínua, o que equivale a afirmar
que “os protótipos dos núcleos do Ego psíquico têm de ser procurados nas
funções fisiológicas e no comportamento somático”.
A partir deste momento, o Ego passa a organizar, coordenar e
integrar, substituindo o limiar primário de proteção contra os estímulos por um
processo superior, mais flexível e seletivo. É ainda neste estádio a criança
evolui de um estado passivo para um estado ativo, adquirindo a capacidade de
efetuar ações dirigidas, em que ao ser capaz de utilizar o “sorriso” como
resposta, ele vai estar a formar o protótipo de base de todas as relações
sociais posteriores. O sorriso,
enquanto resposta constitui-se num esquema do comportamento (fenômeno
específico).
1 Primeira Teoria Topográfica de Mente preconiza que o funcionamento
da mente se processa através da existência de três instâncias: Inconsciente,
Pré-Consciente e Consciente.
2 Na Segunda Teoria da Mente, Freud vai afirmar que o aparelho
psíquico é formado por três instâncias o Id, Super-Ego e Ego, estes conceitos
levam a uma teorização metapsicanalítica, a totalidade do sujeito é abarcada em
toda a sua complexidade.
Spitz coloca a ênfase na comunicação que existe na díade mãe/filho
a qual vai permitir o estabelecimento de um tipo de inter-relação que Freud, em
1921, designou de “Foule à deux”, que facilita o aparecimento deste índice (sorriso resposta).
Neste quadro as ações conscientes da mãe, bem como as suas
atitudes inconscientes, vão constituir-se como “reforço primário” sobre a
criança. Estes processos de formação, são designados por Spitz de ”processos de
modelagem”, escrevendo a propósito disso que se verifica uma série de trocas
entre dois parceiros, a mãe e o filho, que se influenciam reciprocamente de forma
circular”. Obviamente, que num primeiro momento, e por razões óbvias, o bebe se
encontre em desvantagem em termos de capacidade de comunicação e eficiência da
mesma.
A comunicação faz-se por intermédio de sinais cinestésicos no
quadro do “clima afetivo” que se estabeleceu entre eles.
É precisamente esta repetição de experiências de prazer e
desprazer e a consequente satisfação ou frustração em situações interiores
idênticas, quotidianas, que irá fazer nascer, no bebê, os primeiros afetos de
prazer manifestados através do sorriso ou os afetos de desprazer traduzidos em
episódios de choro.
Conclui-se, deste modo que, para que as experiências recebidas
pelo bebê possam ser investidas afetivamente, é preciso que os traços mnésicos
já sejam possíveis e é neste quadro que o fenômeno da resposta de sorriso se
constitui, não só o indicador de um afeto (ele próprio a manifestação da
atividade pulsional subjacente), como a modalidade de operar dos primeiros processos
de pensamento.
Este afeto de prazer é de extrema importância no processo de
estabelecimento do objeto (interiorização do objeto), no entanto, não deve ter
uma intensidade demasiado intensa que leve o bebê a esquecer o afeto de
desprazer, devido à frustração, já que este último também é muito importante,
por exemplo, representa um papel fundamental como catalisador no
desenvolvimento da criança.
De
fato, é ao viver frustrações repetidas seguidas de satisfação que a criança vai
adquirindo níveis de autonomia cada vez maiores. Por volta dos seis meses a
integração dos traços mnésicos sob a influência do
Ego permite a fusão das imagens dos pré-objetos, bons e maus, para construir
uma imagem materna única no sentido da qual as Pulsões agressivas e libidinais
se vão organizar e dirigir. É a partir do entrecruzar destas duas pulsões que
leva a criança ao dirigir-se à pessoa mais fortemente investida afetivamente e
que leva a que o objeto libidinal, propriamente dito, surja. Pode-se afirmar
que este é o momento em que se iniciam a verdadeiras relações de objeto.
Estádio do objeto libidinal
No terceiro trimestre de vida, mais precisamente no “oitavo mês”,
“as capacidades para uma diferenciação perceptiva diacrítica estão bem
desenvolvidas” o que se pode facilmente observar na prática já que quando o bebê
se encontra perante um desconhecido, compara o seu rosto com os traços mnésicos
do rosto familiar da mãe e vai reagir manifestando um comportamento de recusa de
contacto e/ou mesmo choro, acompanhado de maior ou menor angústia. Aliás, esta
é mesmo a primeira manifestação de angústia que os teóricos consensualmente
designam de “angústia do oitavo mês”, que é uma angústia de perda de objeto. O bebe
vai reagir desta forma quando um estranho (um rosto estranho) se aproxima e
face ao contato eminente vai sentir que a mãe o abandonou.
A “angústia do 8º mês” constitui-se como um indicador do segundo
organizador psíquico, o qual revela o estabelecimento de uma verdadeira relação
de objeto: a mãe já se encontra interiorizada e transformou-se no objeto
libidinal. É o objeto privilegiado, não apenas em termos visuais e, muito mais
importante que isso, em termos afetivos.
Esta evolução no desenvolvimento do bebê aponta para importantes
transformações:
ü Em termos somáticos, o
aparelho sensorial necessário à percepção diacrítica é claramente enriquecido
graças à multiplicação dos feixes nervosos;
ü Ao nível do aparelho
mental, a multiplicação dos traços mnésicos permite operações mais completas e
sequências de ação dirigidas;
ü Na organização psíquica,
estas possibilidades de ação permitem descargas de tensão afetiva de forma
dirigida e desejada.
ü O Ego estrutura-se e
clarifica as suas fronteiras com o Id e com o mundo exterior por outro.
Este segundo organizador, “a angústia do 8º mês” também conhecida
como “medo do estranho”, revela que a criança já é capaz de discriminar a mãe
dos outros, e que ela é o “objeto libidinal nascente”.
De fato, a criança progride nos setores perceptivo, motor e
afetivo. A título de exemplo, podem referir-se: a capacidade crescente em
discriminar as coisas inanimadas; uma crescente capacidade ideativa; surgem
atitudes emocionais variadas, tais como ciúme, cólera, possessão, afeição, alegria...
Estes progressos são acompanhados pela formação de mecanismos de
defesa, dando Spitz principal realce ao mecanismo de identificação, de que a imitação pelo
gesto é precursor.
Esquemas de ação, imitação e identificação constituem os meios de
uma autonomia crescente em relação à mãe, anunciando uma abertura da relação
aos outros. A “aquisição do não” marca a passagem para a abertura social.
Por volta do fim do primeiro ano a criança já anda, esta liberdade
de movimentos, recentemente adquirida, permite-lhe multiplicar as suas
atividades a uma distância cada vez maior da mãe e afastar-se do seu olhar e do
seu campo de visão para regressar logo de seguida para confirmar que ela ali
está, que não o abandonou.
Esta nova autonomia modifica a forma de reagir e intervir da mãe
que vai fixar os seus limites através de
interdições, pelo gesto e pela voz: aceno negativo da cabeça e “não”.
A criança é apanhada no conflito entre a sua vinculação libidinal
à mãe e o medo de lhe desagradar e de a perder transgredindo os seus
interditos. A fim de enfrentar este conflito recorre a uma solução de
compromisso: o processo de identificação com o objeto libidinal; ao incorporar
estas interdições no Ego, já constituído e operante, a criança exprime desta
forma a sua agressividade em relação à mãe4.
4 Fenômeno estudado por Anna Freud e por ela designado de “identificação com o
agressor”.
Spitz opta por utilizar o termo identificação com o
frustrador, já que a mãe, ao proibir uma ação à criança, num momento em que
está apenas a emergir de um estado de profunda passividade, não lhe permite a
satisfação, logo, impõe-lhe uma frustração, um desprazer “que provoca um investimento
agressivo vindo do Id”, numa fase em que a criança se encontra a braços com um ímpeto
de atividade significativo .
A identificação com o agressor é um processo seletivo, a mãe impõe
uma interdição que apresenta três níveis diferentes de expressão: o gesto e/ou
a palavra; o pensamento consciente; e, o afeto. Se, por um lado, a criança
incorpora o gesto, o mesmo não sucede relativamente ao pensamento consciente,
nesta idade ele ainda não consegue compreender as razões ou as motivações do
Não.
Quando a criança já atribui ao gesto um conteúdo ideativo,
semelhante ao sentido que possui para aqueles que a rodeiam, nesse momento este
aceno de cabeça transforma-se no indicador do terceiro organizador psíquico.
Isto implica que o funcionamento do psiquismo se conforme com o
Princípio de Realidade. O terceiro organizador revela-se por volta dos quinze
meses de idade e indica que a criança conseguiu, através do gesto da cabeça,
“realizar a abstração de uma recusa ou de uma denegação”.
Não existindo o “não” no inconsciente (Freud, 1925), “a negação”
constitui-se como “uma criação do Ego colocada ao serviço da função do juízo”.
O “não” é, simultaneamente, o primeiro conceito abstrato adquirido
pela criança e a sua primeira expressão com símbolos semânticos de uma
comunicação à distância por mensagens intencionais e dirigidas. O domínio do
“não” pela criança é o sinal da formação do terceiro organizador psíquico, este
mais não é, que o início da comunicação verbal marcada por um período de nítida
obstinação, durante o segundo ano de vida da criança. Spitz dedicou a vida ao
estudo do desenvolvimento da criança da primeira infância e propôs o que designou
de “psicologia psicanalítica do primeiro ano”, baseada em dados recolhidos na
prática
Pela observação das relações de objeto da criança com a mãe. Esta
observação permitiu-lhe fazer descobertas fundamentais sobre os fenômenos
patológicos da infância, ligados às perturbações da relação mãe/filho quando
esta é insuficiente (qualitativa ou quantitativamente). Spitz concluiu que,
quando há uma perturbação na relação mãe/filho esta vai influenciar o estabelecimento
das relações de objeto, e podem ser observadas as afecções
psicotóxicas, termo por ele utilizado para designar tais perturbações. Em
consequência podem surgir manifestações tais como: coma do recém-nascido;
cólica do terceiro mês; ou eczema infantil. Quando, no decurso do primeiro ano
o bebê é submetido a uma privação afetiva parcial, surge a depressão anaclítica
(atualmente considerada uma perturbação ao nível da vinculação), e quando se
verifica uma privação completa surge o hospitalismo, o qual apresenta um
prognóstico grave.
Spitz coloca a ênfase na comunicação que existe na díade mãe/filho
a qual vai permitir o estabelecimento de um tipo de inter-relação que Freud, em
1921, designou de “Foule à deux”, que facilita o aparecimento deste índice (sorriso resposta). Neste
quadro as ações conscientes da mãe, bem como as suas atitudes inconscientes,
vão constituir-se como “reforço primário” sobre a criança. Estes processos de
formação são designados por Spitz de ”processos de modelagem”, escrevendo a
propósito disso que se verifica “uma série de trocas entre dois parceiros, a
mãe e o filho, que se influenciam reciprocamente de forma circular”.
Obviamente, que num primeiro momento, e por razões óbvias, o bebê se encontre em
desvantagem em termos de capacidade de comunicação e eficiência da mesma. A
comunicação faz-se por intermédio de sinais cinestésicos no quadro do “clima
afetivo3” que se estabeleceu entre eles.
É precisamente esta repetição de experiências de prazer e
desprazer e a consequente satisfação ou frustração em situações interiores
idênticas, quotidianas, que irá fazer nascer, no bebe, os primeiros afetos de
prazer manifestados através do sorriso ou os afetos de desprazer traduzido sem
episódios de choro.
Conclui-se, deste modo que, para que as experiências recebidas
pelo bebe possam ser investidas afetivamente é preciso que os traços mnésicos
já sejam possíveis e é neste quadro que o fenômeno da resposta de sorriso se
constitui, não só o indicador de um afeto (ele próprio a manifestação da
atividade pulsional subjacente), como a modalidade de operar dos primeiros
processos de pensamento. Este afeto de prazer é de extrema importância no
processo de estabelecimento do objeto (interiorização do objeto), no entanto,
não deve ter uma intensidade demasiado intensa que leve o bebe a esquecer o
afeto de desprazer, devido à frustração, já que este último também é muito
importante, por exemplo, representa um papel fundamental como catalisador no
desenvolvimento
da criança.
De fato, é ao viver frustrações repetidas seguidas de satisfação
que a criança vai adquirindo níveis de autonomia cada vez maiores. Por volta
dos seis meses a integração dos traços mnésicos sob a influência do Ego permite
a fusão das imagens dos pré-objetos, bons e maus, para construir uma imagem
materna única no sentido da qual as Pulsões agressivas e libidinais se vão
organizar e dirigir. É a partir do entrecruzar destas duas pulsões que leva a
criança ao dirigir-se à pessoa mais fortemente investida afetivamente e que
leva a que o objeto libidinal, propriamente dito, surja. Pode-se afirmar que
este é o momento em que se iniciam a verdadeiras relações de objeto.
DISTÚRBIOS EMOCIONAIS
A frustração permite que a
criança se torne ativa, testando a realidade de forma que o ego se desenvolva
satisfatoriamente. Ainda que situações de desprazer sejam impostas à criança e
aumentem com o passar dos anos, através do "contato com estas frustrações
que se repetem, a criança atinge, no decorrer dos primeiros seis meses, um
crescente grau de independência e torna-se cada vez mais ativa em suas relações
com o mundo exterior, animado ou inanimado" (SPITZ, op. cit., p. 139). As
frustrações emocionais fazem com que a criança entenda as proibições da mãe,
através do processo de identificação e a negação é o primeiro conceito
aprendido, porém
"Freud ( 1925a) ressaltou que não existe "não"
no inconsciente. Certamente, isso decorre das leis que regulam o processo
primário. (...) como o recém-nascido não está consciente durante as primeiras
semanas após seu nascimento, ele age apenas de acordo com o processo primário,
suas reações, sua atividade, são o resultado de descarga de tensão que, na
ausência de uma organização psíquica, não pode se tornar consciente. Portanto,
este seu comportamento não pode expressar negação" (SPITZ, op. cit.,
pp.176-177).
Além disso, as atitudes
inconscientes da mãe facilitam as ações do bebê e podem também ter uma
influência patogênica sobre o seu desenvolvimento, pois "a própria
perfeição de uma relação entre dois seres tão intimamente harmônicos entre si -
e unidos por tantas coisas tangíveis e intangíveis - acarreta a possibilidade
de sérios distúrbios, caso haja uma quebra de sintonia" (SPITZ, op. cit.,
p. 185), ainda mais que essa relação envolve de um lado um parceiro ativo e
dominante e do outro lado, um receptor passivo e totalmente dependente.
Os
distúrbios da personalidade materna e a relação insuficiente entre mãe e bebê
provocam sérias influências psicológicas prejudiciais e fortes perturbações na
criança, assim "podemos dizer que a personalidade da mãe atua como um
agente provocador da doença, como uma toxina psicológica" (SPITZ, op.
cit., p. 187), que podem ser geradores das doenças de carência afetiva e dos
distúrbios emocionais como a rejeição primária ativa e rejeição primária
passiva. A rejeição primária ativa ocorre quando a atitude materna consiste em
uma rejeição global da maternidade, esta rejeição inclui a gravidez e a criança
e, provavelmente, também muitos aspectos da sexualidade genital( SPITZ, op.
cit., p. 189). Já a rejeição primária passiva é quando a rejeição materna não é
dirigida contra a criança como um indivíduo, mas contra o fato de ela ter tido
uma criança. Isto quer dizer, é uma rejeição da maternidade, e não se refere a
um objeto determinado( SPITZ, op. cit., p. 191).
A cólica dos três meses, o
eczema infantil, a oscilação entre mimo e hostilidade, as oscilações cíclicas
de humor da mãe e a hostilidade materna conscientemente compensada, são as
patologias decorrentes das relações objetais. A coprofagia e a manipulação
fecal pressupõe um tipo de relação objetal patológica e os altos e baixos do
temperamento emocional da mãe propiciam outros sintomas, sendo que "o
humor depressivo da mãe origina, na criança, uma inclinação para tendências
depressivas. A mãe deprimida afasta-se da criança e a criança, nas palavras de
Anna Freud, 'acompanha-a em seu humor depressivo'"(SPITZ, op. cit., p.
227). A criança é contaminada pelo clima afetivo presente e quando a mãe
depressiva se afasta por achar-se deprimida, bloqueia o desenvolvimento normal
do bebê e
"a
mudança radical de sua atitude emocional transforma-a num objeto
"mau". Enquanto o objeto "bom" atrai as oportunidades para
trocas de ação com a criança, a mãe que se afastou por depressão evita-as e
nega-as. A criança é, assim, privada de oportunidade de completar a fusão. Em
sua necessidade de trocas de ação, ela segue a mãe a atitude depressiva e
adquire, então, sua tendência incorporativa global, tentando manter aquilo que
já conseguiu no caminho das relações objetais" (SPITZ, op. cit., p. 228).
Os efeitos da perda do
objeto acarretam as doenças de carência afetiva do bebê que é a privação
afetiva parcial ( depressão anaclítica) e a privação afetiva total
(hospitalismo), sendo que "a depressão analítica e o hospitalismo
demonstram que uma grande deficiência nas relações objetais leva a uma parada
no desenvolvimento de todos os setores da personalidade"(SPITZ, op. cit.,
p. 249), destacando a importância dessas relações durante este processo. A
criança acompanha a mãe na sua depressão e no seu humor, pois
"faltam
ainda muitos mecanismo do ego, a criança só pode sobreviver porque sua mãe
serve-lhe de ego exterior, de ego auxiliar (SPITZ, 1951), que preenche sua
estrutura psíquica incompleta e inadequada, e propicia o mecanismo
sensório-motor necessário para o funcionamento adaptativo e regulativo"
(SPITZ, op. cit., p. 230).
Quando distúrbios sérios
como os descritos acima "ocorrem durante o período formativo da psique,
acabam deixando cicatrizes na estrutura e funcionamento psíquico" (SPITZ,
op. cit., p. 257).
Fonte:
http://www.psicolatina.org/11/relacionamiento.html
Muito bom ótimo texto....
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