sábado, 29 de dezembro de 2012

RENÉ SPITZ -


RENÉ SPITZ 


(1887-1974), nasceu em Viena, e faleceu em Colorado, Estados Unidos. Começou por exercer medicina, mas cedo se rendeu aos conhecimentos propostos pela recém-nascida Psicanálise e foi o primeiro a fazer investigação em Psicologia infantil.
Spitz conheceu Sándor Ferenczi, psicanalista e hipnotizador, que fazia parte do círculo mais próximo de Sigmund Freud. Foi Ferenczi quem o apresentou ao criador da Psicanálise, e o levou até à Sociedade Psicanalítica de Viena, tendo intercedido por ele, junto de Freud, para que este o aceitasse para fazer a sua análise didática (treino e tratamento analítico), que realizou entre 1910 a 1911, tendo-se formado como psicanalista. Praticou em Viena e Berlim, seguindo em 1932 para Paris. Em 1938 viajou emigrou para os Estados Unidos, onde trabalhou durante 17 anos no Instituto de Psicanálise, em New York. Em 1956, foi convidado pela Universidade do Colorado para aí lecionar, tendo aceitado o convite.A sua investigação teve como objeto de pesquisa as fases iniciais da construção do Ego. Na sequência dos seus estudos foi levado à necessidade de desenvolver novas técnicas de observação de crianças da primeira infância. Conquistou a admiração do meio científico americano com seu interesse e método de estudo aplicado às crianças abandonadas. Foram as suas observações pioneiras quanto ao efeito das manifestações de carinho em crianças mantidas em um berçário que o catapultaram para a ribalta. Tendo-se tornado um teórico de referência nos meios científicos, da primeira metade do século XX.
Demonstrou que uma criança muito nova necessita de carinho e carícias físicas reais para sobreviver. Com o propósito de isolar e investigar os fatores responsáveis, ou desfavoráveis, ligados ao desenvolvimento infantil em crianças internadas até aos dois anos e meio de idade, escolheu como local de recolha de dados um excelente orfanato e o berçário de uma prisão. No Orfanato, organizado e limpo, as crianças mostravam um sensível atraso mental e progressiva debilidade física. Uma epidemia de sarampo matou 23 das 88 crianças com idade inferior a 2 anos de meio. Das sobreviventes, apenas 2 começaram a falar e aprenderam a caminhar no espaço da pesquisa. Nenhuma aprendeu a comer sozinha e todas eram incontinentes.
Contraditoriamente e em contraste, no berçário da prisão de mulheres, o seu desenvolvimento era tão acelerado e sadio que o problema era tentar saber como conter as manifestações de sua vitalidade e inteligência; aqui, as crianças eram a fascínio das mães reclusas e de todo o pessoal de serviço.
Spitz utilizou testes de quociente de desenvolvimento e encontrou uma média de 105 pontos para o segundo grupo, e apenas de 72 pontos para o primeiro. O que o levou a concluir que a falta de contato materno era o fator/variável que impedia o desenvolvimento das crianças do orfanato e afirmou que "O quadro contrastante dessas duas instituições mostra a importância da relação mãe e filho para o desenvolvimento da criança durante o primeiro ano. As privações em outras áreas,
Por exemplo, ao nível da dimensão da percepção ou locomoção podem todas ser compensadas por relações mãe e filho adequadas “.
Spitz vai, partir das concepções de Freud e elaborar a sua própria teoria sobre o desenvolvimento precoce. E, à semelhança do que sucedeu com a esmagadora maioria dos psicanalistas daquela época, também ele atribui grande importância à prática clínica, nas suas investigações.
Foi dos primeiros a utilizar uma metodologia cientifica de investigação (Psicologia experimental) com crianças pequenas, desenvolveu técnicas de observação e registro inéditas, tais como, filmes, testes, grelhas de observação...
A teoria de Spitz é criada como tentativa de explicar a gênese da relação de objeto e da comunicação humana, para tal vai propor que o desenvolvimento na primeira infância se processa em três estádios:

ü Estádio pré-objetal ou sem objeto;
ü Estádio precursor do objeto;
ü Estádio do objeto libidinal, propriamente dito.

Tal como Freud, Melanie Klein, Bion, Winnicott, entre muitos outros, também Spitz vai considerar que estes estádios do desenvolvimento se alicerçam na (inter) relação mãe/filho e podem facilmente ser identificados através da manifestação de comportamentos específicos na criança, que designou de “indicadores” (por exemplo, “resposta de sorriso”) Segundo ele são precisamente estes indicadores que vão revelar a existência de “organizadores do psiquismo”, sob o primado dos quais os processos de maturação e de desenvolvimento se reúnem numa “teia” facilitadora da evolução progressiva da criança, no sentido da construção/integração da personalidade. Há medida que a integração se vai efetuado o aparelho psíquico vai desencadear novos e diferentes mecanismos de funcionamento novos.

Estádio não objetal ou pré-objetal

Spitz, para definir este estádio, propõe o conceito de “não diferenciação”, que corresponde grosso modo ao que Freud designa de Narcisismo Primário.
O conceito é utilizado por Spitz para demonstrar que o recém-nascido ainda não se encontra “organizado” em diversas dimensões, tais como: percepção e atividade; o funcionamento psíquico e somático ainda não estão separados; o meio circundante não é percebido. Como tal, as noções de interior e exterior não existem, as partes do corpo não são percebidas como diferentes, tal como não há separação entre pulsões e objeto. Ignorando o mundo que o rodeia, o bebê também não pode reconhecer o objeto libidinal.
Este autor considera que nesta fase do desenvolvimento não há atividade psíquica e mental e concebe que, no máximo, podem existir afeto indiferenciados e caóticos.
O que se passa é que os estímulos (primeiras percepções) ao serem recebidos pelos sistemas proprioceptivos vão desencadear uma reação por parte de uma barreira de proteção natural massiva cuja principal função é a de proteger o bebe dos numerosos estímulos (alguns deles bastante agressivos) que o bombardeiam, e que caso esta barreira não existisse iriam sobrecarregar ainda mais o organismo/mente, levando-o a um excessivo desgaste, não lhe restando energia para se concentrar na progressiva integração/compreensão de todo o meio circundante, esta sim fundamental para o bom desenvolvimento do sujeito.
Quando os estímulos de origem interna (tais como: fome, sede, desconforto...) ou externa (por exemplo, barulho, frio, luz...), ultrapassam um determinado limiar, a criança para reencontrar o estado de sossego, de quietude, tem de reagir a esta excitação negativa, interpretada como“desprazer”, através de um processo de descarga: choro, grito...
Este processo é comparado ao Princípio de Nirvana, cujo processo natural segue a sequência:
estímulo demasiado agressivo ! descarga para reduzir o desprazer e fornecer a quietude. Quando a mãe é capaz de interpretar a “mensagem” do seu bebe (suficientemente contentora, de acordo com a linguagem de Bion) e lhe proporciona um ambiente calmo, protegendo a criança do excesso de estímulos externos e lhe satisfaz as necessidades básicas (manifestadas pelos estímulos internos) então ela está a contribuir para que possa crescer em quietude, compreensão e confiança. Seja qual for a sua natureza, os estímulos não são “reconhecidos” pelo bebê. Só com o acumular de experiências é que progressivamente e há medida que o tempo vai passando, eles irão tomar o valor de sinal. O conjunto dos sinais memorizados irá, mais tarde, proporcionar “uma imagem coerente do mundo”, o que equivale a afirmar que são precisamente estas memórias que irão permitir ao sujeito ordenar o mundo à sua volta e reduzir o caos (grande quantidade de estímulos que chegam permanentemente aos diversos órgãos dos sentidos).A maturação desenvolve progressivamente esta capacidade mental de registro dos estímulos.Partindo de uma fase de apercepção (apesar de a memória já guardar alguns traços), a criança, graças à relação de reciprocidade que estabelece com a mãe, uma permanente sequência que se repete – acção/reacção/acção – vai-lhe permitir realizar uma certa aprendizagem que conduz à coordenação/integração/sintetização das diferentes percepções.
No que concerne aos primeiros dias de vida do bebe, Spitz utiliza o termo “recepção” para designar a faculdade/capacidade de sentir (visceral) e esta sensação pertence à organização cenestésica (centrado no Sistema Nervoso Autônomo, de onde partem as manifestaçõesemocionais). Há medida que o tempo passa a criança vai progressivamente evoluir de um estado de recepção cenestésica para um estado de percepção diacrítica (em que a percepção se encontra devidamente circunscrita/localizada, dotada de intensidade, e que mais tarde irá evoluir por intermédio dos órgãos sensoriais periféricos – córtex – que conduzem aos processos cognitivos (pensamento consciente).
Num primeiro momento processa-se através da boca (região oral) que devido à sua função anaclítica irá servir de intermediária entre a recepção interna e a percepção externa. Aliás, esta região é extremamente importante no estabelecimento da relação mãe/filho, nomeadamente, no durante o processo de amamentação (quer seja natural ou artificial).
É através desta zona que a percepção de um estímulo (externo) como o mamilo  ao ser gradualmente ser identificada/reconhecida pelo bebê, quando lhe é associada à rápida satisfação da necessidade de alimento (de origem proprioceptiva). De referir ainda que, esta percepção só é possível se o desprazer e a descarga por ele desencadeada, forem interrompidos. A fase não objetal caracteriza-se por: os precursores dos afetos (ou afetos arcaicos) – excitação de qualidade negativa ou quietude - e a frustração que o bebê sente entre o momento em que experimenta uma necessidade e o momento em que a necessidade é satisfeita, exercem uma pressão repetida que impele à adaptação. Acredita-se que nesta fase o bebe ainda não é capaz de diferenciar o tipo de pulsão – libidinal e/ou agressiva.

O Estádio do percursor do objeto

As consequências, em termos de desenvolvimento, que advêm do estabelecimento do primeiro  precursor do objeto são múltiplas. O bebe começa a ser capaz de:

ü Ultrapassar o estado de simples “recepção dos estímulos internos” em favor de um estado de “percepção dos estímulos externos”.
ü Adiar durante algum tempo o Princípio de Prazer em favor do Princípio de Realidade.
Baseando-se na 1ª Tópica1 de Freud, Spitz vai propor que, há medida que os traços mnésicos se vão formando, a criança começa a conseguir reconhecer o rosto humano, esta evolução origina o seguinte fenômeno, o bebê começa a ser capaz “de deslocar os seus investimentos pulsionais de uma função psíquica para outra, de um traço mnésico para outro”.
Suportando-se na 2ª Tópica2, Spitz vai afirmar que uma vez adquirida a separação entre o Ego e o Id e construído um Ego rudimentar (o Ego corporal de Freud, 1923), o bebe começa a funcionar, e a mãe joga aqui um papel fundamental ela vai durante algum tempo desempenhar o papel de Ego auxiliar.
Spitz considera que esta estruturação somatopsíquica (passagem do somático ao psíquico) se processa de forma contínua, o que equivale a afirmar que “os protótipos dos núcleos do Ego psíquico têm de ser procurados nas funções fisiológicas e no comportamento somático”.
A partir deste momento, o Ego passa a organizar, coordenar e integrar, substituindo o limiar primário de proteção contra os estímulos por um processo superior, mais flexível e seletivo. É ainda neste estádio a criança evolui de um estado passivo para um estado ativo, adquirindo a capacidade de efetuar ações dirigidas, em que ao ser capaz de utilizar o “sorriso” como resposta, ele vai estar a formar o protótipo de base de todas as relações sociais posteriores. O sorriso,
enquanto resposta constitui-se num esquema do comportamento (fenômeno específico).

1 Primeira Teoria Topográfica de Mente preconiza que o funcionamento da mente se processa através da existência de três instâncias: Inconsciente, Pré-Consciente e Consciente.
2 Na Segunda Teoria da Mente, Freud vai afirmar que o aparelho psíquico é formado por três instâncias o Id, Super-Ego e Ego, estes conceitos levam a uma teorização metapsicanalítica, a totalidade do sujeito é abarcada em toda a sua complexidade.

Spitz coloca a ênfase na comunicação que existe na díade mãe/filho a qual vai permitir o estabelecimento de um tipo de inter-relação que Freud, em 1921, designou de “Foule à deux”, que facilita o aparecimento deste índice (sorriso resposta).
Neste quadro as ações conscientes da mãe, bem como as suas atitudes inconscientes, vão constituir-se como “reforço primário” sobre a criança. Estes processos de formação, são designados por Spitz de ”processos de modelagem”, escrevendo a propósito disso que se verifica uma série de trocas entre dois parceiros, a mãe e o filho, que se influenciam reciprocamente de forma circular”. Obviamente, que num primeiro momento, e por razões óbvias, o bebe se encontre em desvantagem em termos de capacidade de comunicação e eficiência da mesma.
A comunicação faz-se por intermédio de sinais cinestésicos no quadro do “clima afetivo” que se estabeleceu entre eles.

É precisamente esta repetição de experiências de prazer e desprazer e a consequente satisfação ou frustração em situações interiores idênticas, quotidianas, que irá fazer nascer, no bebê, os primeiros afetos de prazer manifestados através do sorriso ou os afetos de desprazer traduzidos em episódios de choro.
Conclui-se, deste modo que, para que as experiências recebidas pelo bebê possam ser investidas afetivamente, é preciso que os traços mnésicos já sejam possíveis e é neste quadro que o fenômeno da resposta de sorriso se constitui, não só o indicador de um afeto (ele próprio a manifestação da atividade pulsional subjacente), como a modalidade de operar dos primeiros processos de pensamento.
Este afeto de prazer é de extrema importância no processo de estabelecimento do objeto (interiorização do objeto), no entanto, não deve ter uma intensidade demasiado intensa que leve o bebê a esquecer o afeto de desprazer, devido à frustração, já que este último também é muito importante, por exemplo, representa um papel fundamental como catalisador no desenvolvimento da criança.
De fato, é ao viver frustrações repetidas seguidas de satisfação que a criança vai adquirindo níveis de autonomia cada vez maiores. Por volta dos seis meses a integração dos traços mnésicos sob a influência do Ego permite a fusão das imagens dos pré-objetos, bons e maus, para construir uma imagem materna única no sentido da qual as Pulsões agressivas e libidinais se vão organizar e dirigir. É a partir do entrecruzar destas duas pulsões que leva a criança ao dirigir-se à pessoa mais fortemente investida afetivamente e que leva a que o objeto libidinal, propriamente dito, surja. Pode-se afirmar que este é o momento em que se iniciam a verdadeiras relações de objeto.

Estádio do objeto libidinal

No terceiro trimestre de vida, mais precisamente no “oitavo mês”, “as capacidades para uma diferenciação perceptiva diacrítica estão bem desenvolvidas” o que se pode facilmente observar na prática já que quando o bebê se encontra perante um desconhecido, compara o seu rosto com os traços mnésicos do rosto familiar da mãe e vai reagir manifestando um comportamento de recusa de contacto e/ou mesmo choro, acompanhado de maior ou menor angústia. Aliás, esta é mesmo a primeira manifestação de angústia que os teóricos consensualmente designam de “angústia do oitavo mês”, que é uma angústia de perda de objeto. O bebe vai reagir desta forma quando um estranho (um rosto estranho) se aproxima e face ao contato eminente vai sentir que a mãe o abandonou.

A “angústia do 8º mês” constitui-se como um indicador do segundo organizador psíquico, o qual revela o estabelecimento de uma verdadeira relação de objeto: a mãe já se encontra interiorizada e transformou-se no objeto libidinal. É o objeto privilegiado, não apenas em termos visuais e, muito mais importante que isso, em termos afetivos.
Esta evolução no desenvolvimento do bebê aponta para importantes transformações:

ü  Em termos somáticos, o aparelho sensorial necessário à percepção diacrítica é claramente enriquecido graças à multiplicação dos feixes nervosos;
ü  Ao nível do aparelho mental, a multiplicação dos traços mnésicos permite operações mais completas e sequências de ação dirigidas;
ü  Na organização psíquica, estas possibilidades de ação permitem descargas de tensão afetiva de forma dirigida e desejada.
ü  O Ego estrutura-se e clarifica as suas fronteiras com o Id e com o mundo exterior por outro.

Este segundo organizador, “a angústia do 8º mês” também conhecida como “medo do estranho”, revela que a criança já é capaz de discriminar a mãe dos outros, e que ela é o “objeto libidinal nascente”.
De fato, a criança progride nos setores perceptivo, motor e afetivo. A título de exemplo, podem referir-se: a capacidade crescente em discriminar as coisas inanimadas; uma crescente capacidade ideativa; surgem atitudes emocionais variadas, tais como ciúme, cólera, possessão, afeição, alegria...
Estes progressos são acompanhados pela formação de mecanismos de defesa, dando Spitz principal realce ao mecanismo de identificação, de que a imitação pelo gesto é precursor.
Esquemas de ação, imitação e identificação constituem os meios de uma autonomia crescente em relação à mãe, anunciando uma abertura da relação aos outros. A “aquisição do não” marca a passagem para a abertura social.
Por volta do fim do primeiro ano a criança já anda, esta liberdade de movimentos, recentemente adquirida, permite-lhe multiplicar as suas atividades a uma distância cada vez maior da mãe e afastar-se do seu olhar e do seu campo de visão para regressar logo de seguida para confirmar que ela ali está, que não o abandonou.
Esta nova autonomia modifica a forma de reagir e intervir da mãe que vai fixar os seus limites  através de interdições, pelo gesto e pela voz: aceno negativo da cabeça e “não”.
A criança é apanhada no conflito entre a sua vinculação libidinal à mãe e o medo de lhe desagradar e de a perder transgredindo os seus interditos. A fim de enfrentar este conflito recorre a uma solução de compromisso: o processo de identificação com o objeto libidinal; ao incorporar estas interdições no Ego, já constituído e operante, a criança exprime desta forma a sua agressividade em relação à mãe4.

4 Fenômeno estudado por Anna Freud e por ela designado de “identificação com o agressor”.


Spitz opta por utilizar o termo identificação com o frustrador, já que a mãe, ao proibir uma ação à criança, num momento em que está apenas a emergir de um estado de profunda passividade, não lhe permite a satisfação, logo, impõe-lhe uma frustração, um desprazer “que provoca um investimento agressivo vindo do Id”, numa fase em que a criança se encontra a braços com um ímpeto de atividade significativo .
A identificação com o agressor é um processo seletivo, a mãe impõe uma interdição que apresenta três níveis diferentes de expressão: o gesto e/ou a palavra; o pensamento consciente; e, o afeto. Se, por um lado, a criança incorpora o gesto, o mesmo não sucede relativamente ao pensamento consciente, nesta idade ele ainda não consegue compreender as razões ou as motivações do Não.
Quando a criança já atribui ao gesto um conteúdo ideativo, semelhante ao sentido que possui para aqueles que a rodeiam, nesse momento este aceno de cabeça transforma-se no indicador do terceiro organizador psíquico.
Isto implica que o funcionamento do psiquismo se conforme com o Princípio de Realidade. O terceiro organizador revela-se por volta dos quinze meses de idade e indica que a criança conseguiu, através do gesto da cabeça, “realizar a abstração de uma recusa ou de uma denegação”.
Não existindo o “não” no inconsciente (Freud, 1925), “a negação” constitui-se como “uma criação do Ego colocada ao serviço da função do juízo”.
O “não” é, simultaneamente, o primeiro conceito abstrato adquirido pela criança e a sua primeira expressão com símbolos semânticos de uma comunicação à distância por mensagens intencionais e dirigidas. O domínio do “não” pela criança é o sinal da formação do terceiro organizador psíquico, este mais não é, que o início da comunicação verbal marcada por um período de nítida obstinação, durante o segundo ano de vida da criança. Spitz dedicou a vida ao estudo do desenvolvimento da criança da primeira infância e propôs o que designou de “psicologia psicanalítica do primeiro ano”, baseada em dados recolhidos na prática
Pela observação das relações de objeto da criança com a mãe. Esta observação permitiu-lhe fazer descobertas fundamentais sobre os fenômenos patológicos da infância, ligados às perturbações da relação mãe/filho quando esta é insuficiente (qualitativa ou quantitativamente). Spitz concluiu que, quando há uma perturbação na relação mãe/filho esta vai influenciar o estabelecimento das relações de objeto, e podem ser observadas as afecções psicotóxicas, termo por ele utilizado para designar tais perturbações. Em consequência podem surgir manifestações tais como: coma do recém-nascido; cólica do terceiro mês; ou eczema infantil. Quando, no decurso do primeiro ano o bebê é submetido a uma privação afetiva parcial, surge a depressão anaclítica (atualmente considerada uma perturbação ao nível da vinculação), e quando se verifica uma privação completa surge o hospitalismo, o qual apresenta um prognóstico grave.
Spitz coloca a ênfase na comunicação que existe na díade mãe/filho a qual vai permitir o estabelecimento de um tipo de inter-relação que Freud, em 1921, designou de “Foule à deux”, que facilita o aparecimento deste índice (sorriso resposta). Neste quadro as ações conscientes da mãe, bem como as suas atitudes inconscientes, vão constituir-se como “reforço primário” sobre a criança. Estes processos de formação são designados por Spitz de ”processos de modelagem”, escrevendo a propósito disso que se verifica “uma série de trocas entre dois parceiros, a mãe e o filho, que se influenciam reciprocamente de forma circular”. Obviamente, que num primeiro momento, e por razões óbvias, o bebê se encontre em desvantagem em termos de capacidade de comunicação e eficiência da mesma. A comunicação faz-se por intermédio de sinais cinestésicos no quadro do “clima afetivo3” que se estabeleceu entre eles.
É precisamente esta repetição de experiências de prazer e desprazer e a consequente satisfação ou frustração em situações interiores idênticas, quotidianas, que irá fazer nascer, no bebe, os primeiros afetos de prazer manifestados através do sorriso ou os afetos de desprazer traduzido sem episódios de choro.
Conclui-se, deste modo que, para que as experiências recebidas pelo bebe possam ser investidas afetivamente é preciso que os traços mnésicos já sejam possíveis e é neste quadro que o fenômeno da resposta de sorriso se constitui, não só o indicador de um afeto (ele próprio a manifestação da atividade pulsional subjacente), como a modalidade de operar dos primeiros processos de pensamento. Este afeto de prazer é de extrema importância no processo de estabelecimento do objeto (interiorização do objeto), no entanto, não deve ter uma intensidade demasiado intensa que leve o bebe a esquecer o afeto de desprazer, devido à frustração, já que este último também é muito importante, por exemplo, representa um papel fundamental como catalisador no desenvolvimento
da criança.

De fato, é ao viver frustrações repetidas seguidas de satisfação que a criança vai adquirindo níveis de autonomia cada vez maiores. Por volta dos seis meses a integração dos traços mnésicos sob a influência do Ego permite a fusão das imagens dos pré-objetos, bons e maus, para construir uma imagem materna única no sentido da qual as Pulsões agressivas e libidinais se vão organizar e dirigir. É a partir do entrecruzar destas duas pulsões que leva a criança ao dirigir-se à pessoa mais fortemente investida afetivamente e que leva a que o objeto libidinal, propriamente dito, surja. Pode-se afirmar que este é o momento em que se iniciam a verdadeiras relações de objeto.


DISTÚRBIOS EMOCIONAIS

A frustração permite que a criança se torne ativa, testando a realidade de forma que o ego se desenvolva satisfatoriamente. Ainda que situações de desprazer sejam impostas à criança e aumentem com o passar dos anos, através do "contato com estas frustrações que se repetem, a criança atinge, no decorrer dos primeiros seis meses, um crescente grau de independência e torna-se cada vez mais ativa em suas relações com o mundo exterior, animado ou inanimado" (SPITZ, op. cit., p. 139). As frustrações emocionais fazem com que a criança entenda as proibições da mãe, através do processo de identificação e a negação é o primeiro conceito aprendido, porém
"Freud ( 1925a) ressaltou que não existe "não" no inconsciente. Certamente, isso decorre das leis que regulam o processo primário. (...) como o recém-nascido não está consciente durante as primeiras semanas após seu nascimento, ele age apenas de acordo com o processo primário, suas reações, sua atividade, são o resultado de descarga de tensão que, na ausência de uma organização psíquica, não pode se tornar consciente. Portanto, este seu comportamento não pode expressar negação" (SPITZ, op. cit., pp.176-177).
Além disso, as atitudes inconscientes da mãe facilitam as ações do bebê e podem também ter uma influência patogênica sobre o seu desenvolvimento, pois "a própria perfeição de uma relação entre dois seres tão intimamente harmônicos entre si - e unidos por tantas coisas tangíveis e intangíveis - acarreta a possibilidade de sérios distúrbios, caso haja uma quebra de sintonia" (SPITZ, op. cit., p. 185), ainda mais que essa relação envolve de um lado um parceiro ativo e dominante e do outro lado, um receptor passivo e totalmente dependente.
Os distúrbios da personalidade materna e a relação insuficiente entre mãe e bebê provocam sérias influências psicológicas prejudiciais e fortes perturbações na criança, assim "podemos dizer que a personalidade da mãe atua como um agente provocador da doença, como uma toxina psicológica" (SPITZ, op. cit., p. 187), que podem ser geradores das doenças de carência afetiva e dos distúrbios emocionais como a rejeição primária ativa e rejeição primária passiva. A rejeição primária ativa ocorre quando a atitude materna consiste em uma rejeição global da maternidade, esta rejeição inclui a gravidez e a criança e, provavelmente, também muitos aspectos da sexualidade genital( SPITZ, op. cit., p. 189). Já a rejeição primária passiva é quando a rejeição materna não é dirigida contra a criança como um indivíduo, mas contra o fato de ela ter tido uma criança. Isto quer dizer, é uma rejeição da maternidade, e não se refere a um objeto determinado( SPITZ, op. cit., p. 191).
A cólica dos três meses, o eczema infantil, a oscilação entre mimo e hostilidade, as oscilações cíclicas de humor da mãe e a hostilidade materna conscientemente compensada, são as patologias decorrentes das relações objetais. A coprofagia e a manipulação fecal pressupõe um tipo de relação objetal patológica e os altos e baixos do temperamento emocional da mãe propiciam outros sintomas, sendo que "o humor depressivo da mãe origina, na criança, uma inclinação para tendências depressivas. A mãe deprimida afasta-se da criança e a criança, nas palavras de Anna Freud, 'acompanha-a em seu humor depressivo'"(SPITZ, op. cit., p. 227). A criança é contaminada pelo clima afetivo presente e quando a mãe depressiva se afasta por achar-se deprimida, bloqueia o desenvolvimento normal do bebê e
"a mudança radical de sua atitude emocional transforma-a num objeto "mau". Enquanto o objeto "bom" atrai as oportunidades para trocas de ação com a criança, a mãe que se afastou por depressão evita-as e nega-as. A criança é, assim, privada de oportunidade de completar a fusão. Em sua necessidade de trocas de ação, ela segue a mãe a atitude depressiva e adquire, então, sua tendência incorporativa global, tentando manter aquilo que já conseguiu no caminho das relações objetais" (SPITZ, op. cit., p. 228).
Os efeitos da perda do objeto acarretam as doenças de carência afetiva do bebê que é a privação afetiva parcial ( depressão anaclítica) e a privação afetiva total (hospitalismo), sendo que "a depressão analítica e o hospitalismo demonstram que uma grande deficiência nas relações objetais leva a uma parada no desenvolvimento de todos os setores da personalidade"(SPITZ, op. cit., p. 249), destacando a importância dessas relações durante este processo. A criança acompanha a mãe na sua depressão e no seu humor, pois
"faltam ainda muitos mecanismo do ego, a criança só pode sobreviver porque sua mãe serve-lhe de ego exterior, de ego auxiliar (SPITZ, 1951), que preenche sua estrutura psíquica incompleta e inadequada, e propicia o mecanismo sensório-motor necessário para o funcionamento adaptativo e regulativo" (SPITZ, op. cit., p. 230).
Quando distúrbios sérios como os descritos acima "ocorrem durante o período formativo da psique, acabam deixando cicatrizes na estrutura e funcionamento psíquico" (SPITZ, op. cit., p. 257).

Fonte:
http://www.psicolatina.org/11/relacionamiento.html

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